quarta-feira, 19 de outubro de 2005


Guaicaípuro Cuatemoc
 
                                                                                                                       Um líder indígena fala aos chefes de Estado da União Européia, Mercosul e Caribe, reunidos em conferência, em Madri, sobre o saque de riquezas de países sul americanos, um “plano Marshall às avessas”, com a evasão de 185 toneladas de ouro e 16 mil toneladas de prata. 

Em tempos de denúncias sobre a repetição dos saques, desta vez realizados através de grandes corporações, como a confessa Siemens e outras de mesmo calibre, um discurso oportuníssimo, apesar do tempo decorrido.
 

coluna Empresa-Cidadã
Quarta-feira, 19 de outubro de 2005
Paulo-Márcio de Mello*

blog do professor paulo márcio

economia&arte
  
"Aqui estou eu, descendente dos que povoaram a América há 40 mil anos, para encontrar os que a encontraram só há 500 anos. O irmão europeu da aduana me pediu um papel escrito, um visto, para poder descobrir os que me descobriram. O irmão financista europeu me pede o pagamento, com juros, de uma dívida contraída por um Judas, a quem nunca autorizei que me vendesse.
 
Outro irmão europeu me explica que toda dívida se paga com juros, mesmo que para isso sejam vendidos seres humanos e países inteiros sem pedir consentimento. Eu também posso reclamar pagamento e juros. Consta no Arquivo das Índias que somente entre os anos 1503 e 1660 chegaram a São Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes da América.
 
Terá sido isso um saque? Não acredito porque seria pensar que os irmãos cristãos faltaram ao Sétimo Mandamento! Teria sido espoliação? Guarda-me Tanatzin de me convencer que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue do irmão. Teria sido genocídio? Isso seria dar crédito aos caluniadores, como Bartolomeu de Las Casas ou Arturo Uslar Pietri, que afirma que a arrancada do capitalismo e a atual civilização européia se devem à inundação de metais preciosos retirados das Américas!
 
Não, esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata foram o primeiro de outros empréstimos amigáveis da América destinados ao desenvolvimento da Europa. O contrário disso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que daria direito a exigir não apenas a devolução mas indenização por perdas e danos.
 
Prefiro pensar na hipótese menos ofensiva. Tão fabulosa exportação de capitais não foi mais do que o início de um plano "MARSHALLTESUMA", para garantir a reconstrução da Europa arruinada por suas deploráveis guerras contra os muçulmanos, criadores da álgebra, da poligamia, do banho diário e outras conquistas da civilização.
 
Para celebrar o quinto centenário desse empréstimo, poderemos perguntar: os irmãos europeus fizeram uso racional, responsável ou pelo menos produtivo desses fundos? Não. No aspecto estratégico, dilapidaram nas batalhas de Lepanto, em navios invencíveis, em terceiros reichs e outras formas de extermínio mútuo, sem um outro destino a não ser terminar ocupados pelas tropas estrangeiras da OTAN, como no Panamá, mas sem Canal.
 
No aspecto financeiro foram incapazes, depois de uma moratória de 500 anos, tanto de amortizar o capital e seus juros, quanto independerem das rendas líquidas, as matérias primas e a energia barata que lhes exporta e provê todo Terceiro Mundo. Este quadro corrobora a afirmação de Milton Friedman, segundo a qual uma economia subsidiada jamais pode funcionar e nos obriga a reclamar-lhes, para o seu próprio bem, o pagamento do capital e dos juros que, tão generosamente temos demorado todos estes séculos em cobrar.
 
Ao dizer isto, esclarecemos que não nos rebaixaremos a cobrar de nossos irmão europeus, as mesmas vis e sanguinárias taxas de 20% e até 30% de juros que os irmãos europeus cobram aos povos do Terceiro Mundo. Nos limitaremos a exigir a devolução dos metais preciosos, acrescida de um módico juro fixo de 10%, acumulado apenas durante os últimos 300 anos, com 200 anos de graça.
 
Sobre esta base, e aplicando a fórmula européia de juros compostos, informamos aos descobridores que eles nos devem 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata, ambas as cifras elevadas potência de 300, isso quer dizer um número para cuja expressão total seriam precisos mais de 300 cifras e que supera amplamente o peso total do planeta Terra.
 
Muito peso em ouro e prata. Quanto pesariam calculadas em sangue? Admitir que a Europa, em meio milênio, não conseguiu gerar riquezas suficientes para pagar esses módicos juros seria como admitir seu absoluto fracasso financeiro e a demência, irracionalidade, dos conceitos capitalistas. Tais questões metafísicas, desde já, não nos inquietam, índios americanos...”
 
(Transcrição de parte do oportuno discurso do índio Guaicaípuro Cuatemoc, apresentado durante a Conferência dos chefes de estado da União Européia, Mercosul e Caribe, em maio de 2002, em Madri, Espanha).
 
*Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Correio eletrônico: paulomm@paulomm.pro.br

EMPRESA-CIDADÃ é uma coluna publicada, desde 2001, toda quarta-feira, no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br/consultas).
Através dela, são apresentados casos de empreendedores e empresas, pesquisas, resenhas, editais ou agenda de eventos, relativos à responsabilidade social, à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável.