quarta-feira, 26 de março de 2014

Nutrição e sustentabilidade
                                                              
Além de saciar a fome, as práticas nutricionais representam padrões de consumo, orientação do investimento econômico, processos de tomada de decisões nos planos empresarial, público e internacional, acesso digno à renda e à riqueza, à informação, ao saber e aos recursos ambientais.
 
blog do professor paulo márcio
economia&arte
 
Quarta-feira, 26 de março de 2014
Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Paulo Márcio de Mello*
 
u        O Dia da Saúde e da Nutrição é uma data criada no Brasil, para ser lembrada no dia 31 de março e estimular o debate sobre a importância das práticas nutricionais corretas, bem como para a conferência das políticas públicas e empresariais.
 
u        Muito além de saciar a fome, as práticas nutricionais adequadas consideram também aspectos como padrões de consumo, orientação do investimento, processos de tomada de decisões nos planos empresarial, público e internacional, o acesso digno à renda e à riqueza, à informação, ao saber e aos recursos ambientais, entre outros.
 
u        Em relação ao primeiro objetivo dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, de erradicar a extrema pobreza e a fome, foi fixada a meta de reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população que sofre de fome, com base nos números verificados em 1990. Mesmo com a consideração crítica de que o indicador adotado, de crianças abaixo do peso não espelha toda a complexidade do objetivo, já que estar no peso, por si só, não significa estar bem nutrido, o Brasil já registrou sucesso, ao atingir, ainda em 2006, a proporção de 1,8% da população flagelada pela fome, enquanto a meta é de 2,1%.
 
u        Outro desafio a ser enfrentado refere-se aos significados distintos da nutrição, como conjunto de práticas de saúde, versus alimentação, como conjunto de práticas culturais. Frequentemente, a população em geral, e os mais pobres, em especial são acusados de serem os principais responsáveis por suas insuficientes condições nutricionais, por não se utilizarem plenamente das propriedades dos alimentos ou pelo desperdício destas mesmas propriedades.
 
u        É comum, em campanhas nutricionais e nas peças publicitárias correspondentes, sugestões para a ingesta de compostos exóticos, como casca de ovo triturada, ou espinha de peixe moída, por que oferecem cálcio, cascas de frutas ou talos de verduras, por que oferecem nutrientes, leites de soja ou de outras oleaginosas, farinhas insossas, e muito mais do que a imaginação permite.
 
u        Sem questionar o que os laboratórios de pesquisa dizem sobre ricas propriedades destas matérias excêntricas, o que o crítico propõe é o que não utiliza para o próprio consumo ou dos seus mais queridos. Esquece-se de que a alimentação é norma cultural, representado mais do que nutrir, mas o pertencimento a um grupo social. Dietas ascéticas, em que a austeridade predomina sobre os prazeres, são próprias para se recomendar, mas não para praticar.
 
u        As possibilidades das práticas adequadas de nutrição contribuírem para a sustentabilidade são imensas. Uma agenda nutricional, para mais bem orientar a sociedade, é urgente, contemplando aspectos como dietas descarbonizadas. Em outras palavras, para orientar sobre a substituição da sobreingestão de carnes, que implica em um processo produtivo excludente e intensivo na emissão de gases causadores das mudanças climáticas.
 
u        Outros aspectos referem-se, por exemplo, à substituição dos processos que implicam na produção e preparação de alimentos intensivas em água. É só lembrar-se de que uma refeição frugal, como um filé de frango e uma saladinha, consome cerca de 1.000 litros de água, para chegar ao prato.
 
u        Ou processos economicamente excludentes e concentradores da renda e da riqueza, incluídos entre os causadores da atual epidemia de obesidade, principalmente nos países em que a criação do gado é estabulada e acarreta o desequilíbrio entre os fatores omega 3 e ômega 6, ou é feita com criação e abate cruéis, casos da carne de vitela, baby-beef ou paté de froi gras.
 
u        Ou ainda a aplicação da regra dos “erres” (reutilizar, reduzir, reciclar, etc) à produção e preparação de alimentos e ao uso de embalagens, ou o estímulo à produção de orgânicos, de produtos da agricultura familiar e da redução do uso exagerado de agrotóxicos, entre outros.
 
u        No Brasil, o profissional especialmente dedicado a estas questões é o nutricionista. Em 1939, o primeiro curso de Nutrição foi criado pela Universidade de São Paulo (USP). Em 31 de agosto de 1949, a institucionalização da Associação Brasileira de Nutricionistas (ABN), mais tarde Federação Brasileira de Nutrição (FEBRAN), foi outro marco que culminou com a regulamentação da profissão e definição das atividades privativas, através da Lei nº 8.234, de 1991, e com a Resolução CFN nº 380/2005, estabelece as áreas de atuação do nutricionista.
 
u        O estudo e a difusão das práticas nutricionais corretas representam aspectos importantes na sustentabilidade e facilitam a chegada a padrões civilizados de consumo, compatíveis com a justiça social, impedindo que 99% da população sejam sacrificados pelo desfrute de apenas 1%.
 
Paulo Márcio de Mello

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)


 
A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001,
toda quarta-feira, no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados casos de empreendedores e empresas, pesquisas, resenhas, editais ou agendas sobre práticas de responsabilidade social, sustentabilidade
e desenvolvimento sustentável.


quarta-feira, 19 de março de 2014

Água e energia
                                                             
O aumento do uso dos transportes poderá acarretar um acréscimo ainda maior na necessidade de água para a agricultura, por conta dos biocombustíveis. E a agricultura já responde por quase dois terços desta demanda.
 
blog do professor paulo márcio
economia&arte
 
Quarta-feira, 19 de março de 2014
Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Paulo Márcio de Mello*
 
u        Um aumento de 5% do transporte rodoviário no mundo, até 2030, poderá aumentar o uso da água na agricultura em até 20%, em decorrência da produção de biocombustíveis, conforme a Agência Internacional de Energia. Pela correspondência existente, o tema escolhido pela ONU para o Dia Mundial da Água deste ano é Água e Energia.
 
u        Segundo o relatório Conjuntura de Recursos Hídricos no Brasil – Informe 2013, editado pela Agência Nacional de Águas (ANA), no Brasil há cerca de 1.064 empreendimentos hidrelétricos, dos quais 407 são centrais de geração (CGH), 452 são pequenas centrais (PCH) e 205 são usinas (UHE). Quase 70% da capacidade total do sistema de produção de energia elétrica instalada no Brasil é hidrelétrica. Outras modalidades de geração também são dependentes do uso de água, como a térmica e a nuclear.
 
Manifesto
 
Um grupo de 100 pesquisadores ambientais brasileiros, de universidades e institutos, de diferentes estados, encaminhou à Presidência da República e aos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e de Minas e Energia (MME), o Manifesto de Cientistas pela Defesa de Nossos Rios. O documento resgata a Moção sobre Barramentos, aprovada no X Congresso de Ecologia do Brasil (http://www.cpap.embrapa.br/pesca2011_10ceb1.pdf), de setembro de 2011.
 
A finalidade da divulgação do manifesto é apelar por políticas públicas eficientes em garantir a manutenção da diversidade, incluindo-se as culturas humanas tradicionais dos ribeirinhos e os remanescentes de ecossistemas fluviais e de sistemas associados, como as matas ciliares, diante do crescimento de empreendimentos hidrelétricos no Brasil.
 
Segundo o manifesto, a Amazônia é a grande fronteira prevista para este crescimento. Há aproximadamente dois anos, o governo federal anunciou empreendimentos, diminuindo em mais de 90 mil hectares algumas grandes Unidades de Conservação da Amazônia.
 
Um dos casos mais notórios é o da hidrelétrica de Belo Monte (PA), em região já conflagrada, pela existência conversão de florestas em pastagens e consequente desmatamento. Na Amazônia, há também impactos derivados de duas grandes hidrelétricas do rio Madeira (Santo Antônio e Jirau; RO). No Pantanal, mais de 130 pequenas e médias hidrelétricas estão previstas ou em construção, em série nas cabeceiras dos rios dos estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
 
No sul do Brasil, os planos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE, do MME) para o rio Uruguai preveem pelo menos 11 barramentos em série, o que causaria perdas da biodiversidade, como o peixe dourado, que vem desaparecendo na região.
 
Cientistas apontam a falta de pesquisas de ecologia e de etnoecologia, a fim de se romper a atual forma de geração de estudos pontuais e parciais, por consultorias financiadas pelo setor elétrico, para contemplar o interesse dos mesmos interessados na expansão das hidrelétricas no País.
 
Cerca de 2/3 dos projetos de grandes, médias e pequenas hidrelétricas está incidindo justamente no Mapa Oficial das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade (Port. MMA n. 9, 23/01/2007). O mapa das áreas definidas como de “Extrema Importância” possui cerca de ¼ dos projetos de hidrelétricas previstos para os próximos anos.
 
O manifesto destaca a necessidade de compromissos governamentais na realização de estudos mais abrangentes, denominados de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) ou Integrada (AAI). Estas avaliações mais abrangentes do que os estudos de impacto ambiental (EIA-RIMA) apresentam metodologias próximas de um zoneamento ecológico-econômico e resultados de grande importância para os tomadores de decisão.
 
Estas metodologias, com base no Princípio da Precaução, que o Brasil assumiu perante acordos internacionais, fortalecem a visão inteligente de se avaliar, previamente, as alternativas locacionais, energéticas e de dimensão de empreendimentos.
 
Alternativas cada vez mais viáveis e baratas poderiam gerar muito mais energia elétrica do que hoje se utiliza no Brasil. Na Alemanha, a energia solar já é responsável por uma geração de 30GW, descentralizada, maior do que a geração da usina de Itaipu.
 
 
Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
 
A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados casos de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à responsabilidade social, à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável.


quarta-feira, 12 de março de 2014

A opção ambiental chinesa
                                                              
Os graves problemas de saúde, decorrentes da poluição, enfrentados pela população da China, levaram o país a um pacto interno, com a redução da taxa de crescimento em cerca de 30%, até 2020.
 
blog do professor paulo márcio
economia&arte
 

Coluna EMPRESA-CIDADÃ

Quarta-feira, 12 de março de 2014

Paulo Márcio de Mello*

 
        O governo chinês anunciou, em novembro do ano passado, a decisão de adotar horários mais flexíveis para o funcionamento das escolas, a exemplo do "snow day" norte-americano (quando a neve ameaça a saúde das crianças), e a suspensão das aulas quando os níveis de poluição atingirem cifras que justifiquem a interrupção.
 
        O anúncio, feito pelo Ministério da Proteção do Meio Ambiente, foi precipitado pela informação de que uma menina de oito anos adquirira câncer de pulmão, em consequência da exposição a que fora submetida, por viver próxima a uma estrada em Nankim.
 
        A intensa utilização do carvão pela China como fonte de energia é causa do aumento de 56% dos casos de incidência deste tipo de câncer, entre 2001 e 2010. Tornou-se a principal causa de morte entre os homens chineses e a segunda entre as mulheres.
 
        A nota oficial evoca a adoção de medidas para reduzir os níveis de poluição, quando eles assim justificarem, através da suspensão da produção fabril, da restrição da circulação de veículos e até da produção de comida nas ruas.
 
        Entre 2001 e 2010, o crescimento médio do consumo mundial de energia atingiu 1,5%, enquanto na China chegou a 15%. Os números destacados do crescimento chinês, no entanto, foram acompanhados de níveis acentuados de desigualdade, com o índice de Gini de 0,67 ponto.
 
        No Fórum Econômico Mundial de Davos (WEF), realizado em janeiro passado, no debate com representantes destacados dos BRICS sobre uma possível "crise de meia idade" do bloco (http://g1.globo.com/globo-news/globo-news-documento/videos/t/todos-os-videos/v/painel-debate-futuro-dos-brics-no-forum-economico-mundial-em-davos/3103897/), destacou-se Liu Mingkang, do Instituto Global Fung e ex-autoridade em regulação bancária chinesa.
 
        Indagado sobre uma desaceleração do ritmo do crescimento da economia chinesa, Liu Mingkang confirmou que, nos últimos três anos, esta desaceleração chegou a 30%, com a queda das taxas de crescimento do PIB, de 9% para algo entre 7% e 8%, e que, em 2014, talvez caia mais um pouco.
 
        Segundo ele, o povo e o governo chinês chegaram a um consenso. A história por trás de um crescimento acelerado foi criar um ambiente para investimentos em capital fixo e uma economia voltada para a exportação. E o que a China conseguiu com isso? Um aumento apenas marginal nas receitas geradas por tributos e alguns projetos econômicos, não inteiramente viáveis.
 
        Concluíram que o que deram à população chinesa foi poluição! Empregos foram criados, mas a poluição tornou-se parte da vida do povo chinês. E isto precisa ser mudado. O desejo é o de reduzir a marcha do crescimento em 30%, não mais do que isto, mantendo-o em torno de 6,9% ao ano, até 2020.
 
        Afirmou que pretendem utilizar este espaço como margem de manobra para atingir três objetivos. O primeiro é a redução da capacidade ociosa, por que a maior parte das indústrias com capacidade ociosa é pesada e está situada na siderurgia, indústria naval e extração do carvão. Este objetivo está interligado com a redução dos empréstimos dos governos locais.
 
        O entusiasmo das autoridades locais no sentido de aumentar o PIB gerou uma competição de província contra província, expandindo os empréstimos e o crédito. E isto não é bom. O terceiro objetivo é mudar paulatinamente o modelo de crescimento, reduzindo o investimento em capital fixo, mas aumentando o consumo interno, através de ganhos de produtividade.
 
        E o aumento da produtividade virá da inovação. Não se pensa mais na terra barata e na mão de obra barata. A inovação para alcançar o crescimento doméstico significativo, resultante de uma maior renda per capita e do aumento da produtividade, dependem de ousadia e da capacidade de realizar reformas e a abertura da economia.
 
        O equilíbrio entre ousadia e credibilidade é necessário para superar problemas. Entre os riscos, estão previstos o da queda da taxa de lucro e a automática valorização dos ativos. Leva tempo para se corrigir este trade-off. Algo como a poluição, que agora está criando um efeito adverso, obriga a pensar em como mudar o modelo de crescimento e em quanto tempo faze-lo.
 
        Liu Mingkang não deixaria de citar um provérbio chinês. Segundo ele, é recomendável manter as cartas próximas do peito. O processo será doloroso, mas sem dor, não há vitória.
 
*Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
 
 
A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados casos de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à responsabilidade social, à sustentabilidade
e ao desenvolvimento sustentável.