quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

 Espelho, espelho meu...
 
                                                                                                                                                                   Quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
coluna Empresa-Cidadã
por Paulo Márcio de Mello

► Menos de 4% das empresas brasileiras consideram como negativos os impactos dos seus negócios sobre a sustentabilidade, mesmo considerando os impactos indiretos, aqueles derivados das cadeias de produção e consumo. Menos de 26% delas consideram os impactos como neutros e cerca de 70% consideram os impactos como positivos.

► Entre mais de 30 aspectos da sustentabilidade considerados, nenhuma empresa (0% !) classificou como desfavorável o seu impacto sobre a discriminação e desigualdade racial, apesar da presença de negros nos seus quadros de colaboradores, especialmente entre os ocupantes de cargos de chefia, ser muito inferior à composição verificada na sociedade. O mesmo acontece com a percepção da empresa sobre o impacto por ela provocada na concentração da renda, apesar das espetaculares diferenças de remuneração entre os níveis hierárquicos.

► No caso da energia (“pressão gerada pelos padrões atuais de produção e consumo de produtos e serviços nas fontes de energia para as gerações presente e futuras”), somente 6,7% das empresas classificam o seu impacto como desfavorável.

► As empresas, em 54% dos casos, consideram como alta a importância dos aspectos da sustentabilidade para as atividades empresarias, 26,5% consideram como moderada e 19,6% classificam como de baixa importância.

► Em 53,5% dos casos, as empresas informam ter incorporado, nos seus objetivos ou ações estratégicos, aspectos da sustentabilidade, enquanto 12,6% afirmaram tê-los incorporados apenas aos cenários do planejamento. Pouco mais de um terço das empresas não os consideram.

► Os dez aspectos considerados mais importantes são energia, corrupção e falta de ética, comprometimento com valores e princípios, água, governança corporativa, concorrência desleal, precariedade dos sistemas de infra-estrutura, estresse, cadeia produtiva e equilíbrio dos ecossistemas e serviços ambientais.

► Os dez aspectos da sustentabilidade menos privilegiados pelas empresas no ranking de importância para os negócios são produção de alimentos (o último, com 10% de escolhas), oferta e condições de moradia, pandemias, envelhecimento da população, saúde pública, violência e tráfico, apoio político e políticas públicas, oportunidades de trabalho e renda, desigualdade de gênero, distribuição de renda e marketing.

► Os dados constam da pesquisa “Desafios para a Sustentabilidade e o Planejamento Estratégico das Empresas no Brasil”, realizada pelos professores Cláudio Bruzzi Boechat e Roberta Mokretz Paro, do Núcleo Andrade Gutierrez de Sustentabilidade e Responsabilidade Corporativa, da Fundação Dom Cabral (FDC, www.fdc.org.br/pt/sala_conhecimento).

► O conflito revelado pela pesquisa entre a importância da sustentabilidade e a percepção declarada dos impactos das próprias atividades sobre aspectos característicos da sustentabilidade é exponencialmente maior, quando se considera que foram pesquisadas empresas com compromisso explícito ou com práticas comprovadas de responsabilidade social ou sustentabilidade, como a participação formal em entidades como Pacto Global, Dow Jones Sustainability Index, Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa (ISE) ou a adoção das diretrizes de relato da Global Reporting Initiative (GRI).

► Foram relacionadas 134 empresas com estas características de perfil, das quais 81 aceitaram participar e 30 delas responderam às 155 questões fechadas do questionário. Participaram empresas dos ramos de energia (13%), financeiro (13%), siderúrgico (10%), eletroeletrônicos (7%), agroindustrial (7%), mineração (7%), da construção civil (7%), de outros ramos da indústria (19%) e de outros serviços (17%).

► A pesquisa revela questionamentos fundamentais sobre a (má) qualidade do diálogo entre empresas e suas partes interessadas, sobre a efetividade da gestão de risco referenciada na responsabilidade social e na sustentabilidade, sobre as diferenças da qualidade de gestão empresarial dos valores tangíveis e intangíveis, entre outros.

► A pesquisa contribui também para a compreensão dos motivos da distância entre a grande difusão do discurso corporativo sobre a responsabilidade social e ambiental nos últimos anos e a pequena transformação concreta nas práticas empresariais. Quando será que o espelho em que se miram começará a dizer a verdade?

Paulo Márcio de Mello
paulomm@paulomm.pro.br
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001,
toda quarta-feira, no jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados conceitos relativos
à responsabilidade social, à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável,
casos de empreendedores e empresas, pesquisas, resenhas, editais ou agenda.