terça-feira, 27 de setembro de 2016

Pesquisa apresentada em uma edição longínqua do Fórum Econômico Mundial (WEF), mostrava que, para os executivos norte-americanos de grandes corporações, o risco mais preocupante é o da imagem da corporação.


coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 28 de setembro de 2016
Paulo Márcio de Mello*

É a poluição que mata?


 Uma das mais importantes consultorias empresariais na atualidade é a EisnerAmper, que através da pesquisa Concerns About Risks Confronting Boards reiterou o relatório apresentado no WEF. 66% das preocupações dos entrevistados estão na preservação da imagem, ou reputação, das empresas. Seguem Regulação e compliance (59%), Planejamanento e sucessão do CEO (53%); Riscos de TI (54%); Gerenciamento de Crises (47%); Privacidade e segurança de informação (36%) e riscos fiscais (9%), entre outros.

Como hipotéticas causas das preocupações, constam Confiabilidade e Qualidade do Produto/Satisfação dos Clientes; Fraudes/Problemas Éticos; Percepção do Público; e Meio Ambiente, entre outros.

Como antídotos aos fatores de risco, as empresas optam principalmente por soluções domésticas, como troca de informações entre diretorias e comitês relacionados aos assuntos mais ameaçadores, ou através do aconselhamento de consultores.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) recém divulgou um relatório referindo-se à baixa qualidade do ar que a maior parte dos habitantes do planeta respira, chegando a até 92% da população mundial.

A pesquisa incluiu 3 mil situações em áreas urbanas e rurais de103 países. Os dados mais recentes (2012) revelam que 6,5 milhões de pessoas adoeceram e 3 milhões morreram, em consequência da poluição. Entre as principais fontes de poluição estão modelos ineficazes de transporte, queima de combustível; queima de resíduos; centrais elétricas e atividades industriais.
Os principais poluentes são as micropartículas (diâmetro inferior a 2,5 micrometros) de sulfato, nitrato e fuligem.
As regiões mencionadas como de pior qualidade do ar são o Sudeste da Ásia, o Mediterrâneo Oriental e o Pacífico Ocidental.
Por outro lado, a qualidade do ar é adequada para 75% da população dos países com alta renda das Américas e para 20% da população que vive em nações de rendas média e baixa da mesma região. Uma situação que também ocorre em menos de 20% dos países europeus e nos países ricos do Pacífico Ocidental.
Os países com mais vítimas relacionadas à qualidade do ar são Turquemenistão (com 108 mortes por 100 mil habitantes); Afeganistão, (81 mortes por 100 mil habitantes); Egito (77 por 100 mil); China (70 por 100 mil); e Índia com (68 por 100 mil).
Cerca de 94% das mortes se devem sobretudo a doenças cardiovasculares, acidentes cerebrovasculares, pneumopatia obstrutiva crônica e câncer de pulmão. A contaminação do ar também aumenta o risco de infecções respiratórias agudas.

Em 2008, depois da queda do muro que escondia o bom-mocismo em empresas privadas, desde o caso do Pinto da Ford Motors; uma urna incendiária, passando pelas fraudes contábeis da Enron/Andersen, pela “mágica” da redução de emissões da Das auto (Volksgate); pelos perigos do talquinho cancerígeno da Johnson&Jonhson; pela destruição empreendida pela SAMARCO/VALE/BHP, entre muitos outros, as grandes corporações têm muitas chances de criar a imagem de serial killers.


Como uma boa imagem vale mais do que mil balanços, a procura por tutela antecipada das corporações tem no relatório da OMS um indicador de eficientes soluções. É só adicionar uma gota de criatividade.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Um  aumento de 5% do transporte rodoviário no mundo, até 2030, poderá aumentar o uso da água na agricultura em até 20%, em decorrência da produção de biocombustíveis, conforme a Agência Internacional de Energia. Pela correspondência existente, o tema escolhido pela ONU para o Dia Mundial da Água de 2014 foi “Água e Energia”.

Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Paulo Márcio de Mello*


Água e energia no contexto geopolítico.


u      Segundo o relatório “Conjuntura de Recursos Hídricos no Brasil – Informe 2013”, editado pela Agência Nacional de Águas (ANA), no Brasil há cerca de 1.064 empreendimentos hidrelétricos, dos quais 407 são centrais de geração (CGH), 452 são pequenas centrais (PCH) e 205 são usinas (UHE). Quase 70% da capacidade total do sistema de produção de energia elétrica instalada no Brasil é hidrelétrica. Outras modalidades de geração também são dependentes do uso de água, como a térmica e a nuclear.

Manifesto

Um grupo de 100 pesquisadores ambientais brasileiros, de universidades e institutos, de diferentes estados, redigiu o Manifesto de Cientistas pela Defesa de Nossos Rios.” O documento resgata a Moção sobre Barramentos, aprovada no X Congresso de Ecologia do Brasil (http://www.cpap.embrapa.br/pesca/online/PESCA2011_10CEB1.pdf), de setembro de 2011.

A finalidade da divulgação do manifesto é apelar por políticas públicas eficientes em garantir a manutenção da diversidade, incluindo-se as culturas humanas tradicionais dos ribeirinhos e os remanescentes de ecossistemas fluviais e de sistemas associados, como as matas ciliares, diante do crescimento de empreendimentos hidrelétricos no Brasil.

Segundo o manifesto, a Amazônia é a grande fronteira prevista para este crescimento. Há aproximadamente dois anos, o governo federal anunciou empreendimentos, diminuindo em mais de 90 mil hectares algumas grandes Unidades de Conservação da Amazônia.

Um dos casos mais notórios é o da hidrelétrica de Belo Monte (PA), em região já conflagrada, pela existência conversão de florestas em pastagens e consequente desmatamento. Na Amazônia, há também impactos derivados de duas grandes hidrelétricas do rio Madeira (Santo Antônio e Jirau; RO). No Pantanal, mais de 130 pequenas e médias hidrelétricas estão previstas ou em construção, em série nas cabeceiras dos rios dos estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.

No sul do Brasil, os planos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE, do MME) para o rio Uruguai preveem pelo menos 11 barramentos em série, o que causaria perdas da biodiversidade, como o peixe dourado, que vem desaparecendo na região.

Cientistas apontam a falta de pesquisas de ecologia e de etnoecologia, a fim de se romper a atual forma de geração de estudos pontuais e parciais, por consultorias financiadas pelo setor elétrico, para contemplar o interesse dos mesmos interessados na expansão das hidrelétricas no País.

Cerca de 2/3 dos projetos de grandes, médias e pequenas hidrelétricas estão incidindo justamente no Mapa Oficial das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade (Port. MMA n. 9, 23/01/2007). O mapa das áreas definidas como de “Extrema Importância” possui cerca de ¼ dos projetos de hidrelétricas previstos para os próximos anos.

O manifesto destaca a necessidade de compromissos governamentais na realização de estudos mais abrangentes, denominados Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) ou Integrada (AAI). Estas avaliações mais abrangentes do que os estudos de impacto ambiental (EIA-RIMA) apresentam metodologias próximas de um zoneamento ecológico-econômico e resultados de grande importância para os tomadores de decisão.

Estas metodologias, com base no Princípio da Precaução, que o Brasil assumiu perante acordos internacionais, fortalecem a visão inteligente de se avaliar, previamente, as alternativas locacionais, energéticas e de dimensão de empreendimentos.

Alternativas cada vez mais viáveis e baratas poderiam gerar muito mais energia elétrica do que hoje se utiliza no Brasil. Na Alemanha, a energia solar já é responsável por uma geração de 30GW, descentralizada, maior do que a capacidade de geração da usina de Itaipu.

No atual cenário geopolítico do mundo, o domínio sobre a água é crítico e seu confisco se faz de formas sutis, às vezes, como no caso da produção de alimentos irrigada sem a preocupação com a conservação. E então, países como o nosso exportam água na forma de comodities, com um simples balançar especulativo de curto prazo nos preços dos alimentos.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).

Através dela, são apresentados casos de empreendedores e empresas, pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à responsabilidade social, à ética, à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

EVASÃO ESCOLAR
 Entre os graves problemas na educação no Brasil, talvez se destaque como o mais dramático, o da evasão. É o caso de crianças expelidas por um ambiente hostil a ponto de rejeitá-las. Ou de um entorno que as suga com tal força que não lhes restam alternativas.


EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 14 de maio de 2016
Paulo Márcio de Mello*

O pavio da evasão escolar está aceso. Aqui e nos EUA.

      Entre os graves problemas na educação no Brasil, talvez se destaque como o mais dramático, o da evasão. É o caso de crianças expelidas por um ambiente hostil a ponto de rejeitá-las. Ou de um entorno que as suga com tal força que não lhes restam alternativas. Crianças e jovens que, por motivos acumulados, de natureza econômica, social ou projeto político, não têm acesso, sucesso nem permanência na escola. A evasão é o ponto final da esperança na educação.
       Dados apresentados pela Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE; brasilemsinteseibge.gov.br/edu.html) indicam que, no período 2007/2011, houve até uma melhora no indicador da evasão, insuficiente para ser aceitável, porém.
      Partindo de uma taxa total de abandono escolar brasileira, de 13,2%, em 2007, passando por 12,6%, em 2008 e 11,5%, em 2009, chegamos a 2010, com a taxa de 10,3%, Se olharmos lá dentro das taxas de evasão, entenderemos onde estão os vetores deste fracasso nacional.
      Cerca de 45% das crianças com até três anos de idade, originárias das famílias localizadas no topo da pirâmide, os 10% mais ricos, frequentam creches. Entre as famílias na base da pirâmide, os 10% mais pobres, o acesso à creche situou-se em torno de apenas 12%.
      A distância entre estas crianças também aumentou. Entre 2001 e 2011, na proporção entre as que frequentaram creches, observou-se um crescimento de 14 pontos percentuais entre os 10% mais ricos, enquanto entre as crianças situadas nos 10% mais pobres, o crescimento foi menor, de 6 pontos percentuais.
      Outro aspecto importante está retratado no artigo "Fracasso Escolar e Desigualdade do Ensino Fundamental", realizado pela pesquisadora Paula Louzano e publicado no relatório "De Olho nas Metas de 2012", lançado pelo movimento Todos pela Educação, com base no questionário da Prova Brasil 2011, respondido por 2,3 milhões de alunos do 5º ano, em âmbito nacional. O artigo conclui que, quando os estudantes chegam ao 6º ano do ensino fundamental, 7% dos alunos brancos têm mais de dois anos de atraso escolar. Entre os negros, no entanto, o indicador de atraso escolar chega a 14%.
      Em relação aos casos de reprovação ou abandono, um terço das crianças já havia experimentado a situação de insucesso na escola. Destes, 43% se autodeclaram pretos, 34% pardos e 27% brancos. Observados os resultados regionais, verifica-se que na região Sudeste, a que apresenta os menores índices nacionais de reprovação ou abandono, o insucesso escolar atingiu 36% dos alunos pretos, 27% dos pardos e de 22% dos brancos.
       A diferença de gêneros também pondera os resultados. Os menores índices de fracasso na escola (ou da escola...), observados na região Sudeste, para meninos pretos é de 42,3% e para meninas pretas é 29.8%. Entre meninos brancos, o percentual dos que não obtiveram sucesso é de 26,5%, enquanto entre as meninas brancas é de 17,3%.
      No Nordeste, estudantes do sexo masculino, autodeclarados pretos, têm 59% de chances de serem flagelados pelo fracasso escolar. No Norte, o índice é de 59,3%. A expectativa de uma menina, autodeclarada preta, fracassar na região Nordeste é 45,5% e de 45,8%, na região Norte.
      Entre os alunos, autodeclarados brancos, observou-se o índice de 50,9% de insucesso na região Nordeste e de 52,2%, na região Norte. Entre as meninas, os índices são de 37,5% na região Nordeste e de 38,8% na região Norte.
      Na contramão dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), aumentou a escassez de recursos para que os países de baixa renda universalizem o ensino básico, nos últimos três anos, conforme números do relatório "Tornar a Educação Acessível até 2015 e no Período Posterior" (Making Education for All Affordable by 2015 and Beyond), apresentado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
      Dos necessários US$ 53 bilhões anuais para universalizar o ensino fundamental, apenas metade foi investida, acarretando um déficit de cerca de US$ 26 bilhões anuais. Se o ensino médio for incluído na conta, a necessidade de recursos passa para US$ 77 bilhões anuais, elevando o déficit para US$ 38 bilhões anuais.
      O movimento Occupy Wall Street (OWS), nas críticas que dirige ao modo capitalista de produção e consumo, cunhou um lema que se difundiu pelas redes sociais: "We are the 99%". O lema expressa a intolerância de 99% da população diante da ganância e da corrupção do 1% mais rico.
       O movimento mantém uma agenda extensa de eventos (http://occupywallst.org) e tem no sistema financeiro um dos seus focos. Transformou a expressão "too big to fail" (traduzida livremente por "grandes demais para falir"), muito repetida após a crise deflagrada em 2008, para justificar liminarmente o apoio financeiro governamental aos grandes bancos. Pela impunidade com que a gestão irresponsável no setor financeiro foi presenteada, além dos fabulosos bônus que seus dirigentes continuam a receber, a expressão foi reescrita pelo movimento como "too big to jail" ("grandes demais para irem para a cadeia").
       Nova Iorque revela hoje os valores das suas principais personagens através de algumas campanhas de comunicação.  Na Wall Street, núcleo dinâmico do capitalismo financeiro combatido pelo movimento OWS, podem ser vistos avisos na forma de galhardetes ("banners"), colocados pela soberba da empresa Bizantium Insurance International: "Não somos para qualquer um. Só para o 1% que tem importância". A empresa chega a oferecer um teste para que o possível cliente veja se faz parte do 1% mais privilegiado mesmo. A região da Wall Street exibe diversas outras bizarrices, atribuindo-se a denominação de "capital financeira do mundo". De qual mundo, não especifica.
       Próximo dali, na forma de denúncia, pontos de ônibus exibem um cartaz em que a organização BoostUp alerta para deficiências severas do sistema de ensino, com a afirmação de que, diariamente, dois campos de futebol poderiam ser preenchidos com as carteiras escolares deixadas vazias pelos alunos que se evadem da escola, coladinhas umas às outras.
       Em um endereço eletrônico bem elaborado (www.boostup.org), oferece estatísticas sobre a evasão escolar. Nos EUA, a taxa anual de evasão alcança 22%, sendo de 16% entre descendentes de asiáticos, 17% entre brancos, 21% entre descendentes de hispânicos, 32% entre negros e de 33% entre índios. Apresentados por estados, fortes discrepâncias podem ser constatadas. Verifica-se, por exemplo, que muito acima da média nacional, encontra-se o Distrito de Colúmbia, onde está localizada a capital Washington, com a taxa anual de 41% de evasão escolar. Entre negros e hispânicos, chega a 42% e 45%, respectivamente. Lá também o pavio foi aceso.
       Algumas iniciativas desenvolvidas para mitigar o problema, no cenário de um país tido como desenvolvido, são realizadas pela Pencil (pencil.org), criada em 1995, para canalizar a oferta voluntária de pessoas, que disponibilizam seus conhecimentos para melhorar a qualidade da escola pública. Vale-se, para tanto, de dois programas. Um deles (Partnership program) é, basicamente, uma iniciativa que coloca à disposição das escolas conhecimentos de planejamento estratégico, de gestão de organizações e marketing, através de voluntários originários do setor empresarial privado. Parte de uma controvertida suposição implícita, da superioridade e universalidade dos métodos empresariais de gestão.
       O outro programa adotado pela Pencil (Fellows program) é uma iniciativa que, nos últimos cinco anos, proporcionou a 600 estudantes do ensino médio, atividades de treinamento profissionalizante em empresas líderes nos seus setores, durante seis semanas, com o oferecimento de uma bolsa auxílio. Como indicador do sucesso do programa, a Pencil dá ênfase à baixa evasão.
       Outra iniciativa foi implantada pela Values, The Foundation for a Better Life (www.values.com). A fundação realiza um trabalho de difusão de valores morais, tidos como adequados. Um dos rostos mais notados nas peças publicitárias é o da bilionária apresentadora Oprah Winfrey. A Values proclama que os valores que busca difundir são "universais" e que "são os que fazem a diferença", além de tornarem-se mais fortes, quando compartilhados.
       Entre 27 valores que relaciona como próprios, constam Humildade, Ambição, Misericórdia, Tolerância, Responsabilidade, Força, Liderança, Trabalho em Equipe e Boas Maneiras. Uma das versões de cartazes espalhados pela cidade apresenta a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, com a inscrição "Sorria". Em volta, não se vê mais do que 1% das pessoas sorrindo. Sorrirão 99% um dia?

*Paulo Márcio de Mello
paulomm@paulomm.pro.br

Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Políticas de sustentabilidade e de responsabilidade social têm na formação de cartéis um importante obstáculo, aplicando golpes sucedidos de golpes na população.

Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 2 de agosto de 2016
Paulo Márcio de Mello*

Cartéis contra a democracia

Políticas de sustentabilidade e de responsabilidade social têm na formação de cartéis um importante obstáculo, aplicando golpes sucedidos de golpes na população. Não se trata de atribuir ao mercado uma capacidade mágica de que ele não dispõe: de aumentar o acesso das pessoas à cesta de bens de que elas necessitam, através da regulação dos preços pela concorrência e que pelos golpes aplicados pelos cartéis seriam por eles obstadas nos seus interesses de consumo.

Refiro-me aqui ao fato de iludirem os cidadãos de forma mais nociva, por exemplo, quanto à qualidade dos bens e de falsa capacidade de proporcionarem os benefícios que anunciam ou de sonegar informações quanto aos malefícios que podem produzir.

Casos de “batismo” de combustíveis, de poder de cura ou de remediação de moléstias por medicamentos etc. Isto só é possível em ambientes de mercados cartelizados, sejam eles oligopolizados ou não. No setor de prestação de serviços a questão é mais sensível, pois trata-se de um setor em que são mais difíceis as correções substitutivas por importações.

No Brasil, há alguns órgãos públicos dedicados ao combate aos cartéis, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Nesta semana mesmo, o Cade homologou seis acordos de cessação em investigações de condutas anticoncorrenciais. Três deles foram aprovados por unanimidade, e outros três, por maioria dos votos dos conselheiros. Ao todo, espera-se a apuração de cerca de R$ 3,6 milhões ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

Cinco dos termos foram negociados no âmbito da Superintendência-Geral do Cade, responsável pela instrução dos processos administrativos. Já o acordo assinado com a editora Ediouro foi negociado pelo gabinete do conselheiro Paulo Burnier. Os processos estão suspensos, por enquanto.

No caso da Ediouro, o processo investiga infração à ordem econômica, por impedimento da constituição e desenvolvimento de concorrentes no mercado de revistas de passatempo no Brasil, pela prática de abuso de direito de petição (sham litigation), acordos judiciais de não concorrência e tentativas de dificultar o acesso de concorrentes aos meios de distribuição. Não é pouca coisa.

Pelo acordo ajustado, a empresa se compromete a cessar as práticas apuradas, além de adotar medidas para que os procedimentos ilícitos não voltem a acontecer. Obriga-se também a recolher ao Fundo contribuição no valor de cerca de R$ 1,7 milhão.

Em outro episódio, duas pessoas físicas (a tentação de cartelizar não é exclusiva das empresas. Fazem-no pessoas físicas, partidos políticos etc) firmaram acordo com o Cade, em processo que investiga cartel no mercado de comercialização de produtos destinados à transmissão e distribuição de energia elétrica, no sistema elétrico de potência. O processo foi instaurado em virtude de novas evidências do suposto cartel que teriam sido praticadas por pessoas físicas e jurídicas que não integram o polo passivo de outro processo administrativo, que também investiga a conduta.

Além de terem reconhecido participação na conduta ilícita, os acusados comprometeram-se a contribuir com as investigações desenvolvidas pelo Cade e a recolher, no total, R$ 120 mil ao fundo.

Já a empresa Schaeffler Friction Products Gmbh, sucessora da representada Raybestos, comprometeu-se a pagar cerca de R$ 699 mil como contribuição pecuniária, através de acordo no processo que apura suposto cartel no mercado de comercialização de revestimentos de embreagens, também conhecidos como materiais de fricção. Pelo acordo, a signatária também reconheceu sua participação na conduta ilícita e se comprometeu a colaborar com a investigação.

Outros três acordos no âmbito do processo que apura suposto cartel no mercado de comercialização de capacitores eletrolíticos e de filmes foram assinados. Os acordos envolvem as empresas Rubycon Corporation, Hitachi AIC Inc., NEC Tokin Corporation, mais dois executivos ligados a essa última. Os signatários reconheceram participação na conduta investigada e se comprometeram a contribuir com as investigações desenvolvidas pelo Cade. Além disso, recolherão cerca de R$ 1,1 milhão, em contribuições em moeda.

Resta ver se as contribuições ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos serão efetivamente pagas e se a prática não é da índole determinista destas empresas e empresários, como tubarões indomesticáveis, permanentemente prontos a atacar as suas presas.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do estado do Rio de Janeiro (Uerj).
paulomm@paulomm.pro.br


Com informações da Assessoria de Imprensa do Cade e da Revista Consultor Jurídico, de 29 de julho de 2016.
A  Assembleia Geral das Nações Unidas declarou “o direito à água potável, limpa e  segura, e ao saneamento como um direito humano que é essencial para o pleno gozo da vida e de todos os direitos humanos”.

ColunaEmpresa-Cidadã
Quarta-feira 30 de agosto de 2016
Paulo Márcio de Mello*

La agua es nuestra - 1

O Aquífero Guarani ameaçado – 1


A resolução recebeu 122 votos a favor, nenhum voto contra e 41 países abstiveram-se. As abstenções foram, entre outros, da Armênia, Austrália, Áustria, Botswana, Bulgária, Canadá, Dinamarca, Eslováquia, EUA, Grécia, Guiana, Islândia, Irlanda, Israel, Japão, Kazakhstan, Luxemburgo, Malta, Holanda, Nova Zelândia, Polônia, República da Coreia, República Tcheca, Romênia, Suécia, Trinidad e Tobago, Turquia, Ucrânia e Reino Unido.

Estima-se que cerca de 1,1 bilhão de pessoas não têm acesso à água potável (no Brasil, são cerca de 40 milhões) e 2,5 bilhões de pessoas não são atendidas por serviços de saneamento (cerca de 100 milhões de brasileiros). Em consequência, mais de duas crianças morrem a cada minuto, por doenças de veiculação hídrica, isto é, complicações decorrentes da falta de qualidade da água.

O investimento anual para corrigir, até 2025, a falta de saneamento no mundo, é estimado em US$ 9,5 bilhões. Este investimento resultaria em US$ 66,5 bilhões anuais de economia em dispêndios, hoje realizados na solução dos problemas de saúde decorrentes da falta de saneamento e que, a cada ano, subtraem 5 bilhões de dias de trabalho e 443 milhões de dias de aula. Ou seja, a cada US$ 1 investido em saneamento, retornariam outros US$ 7.

A resolução da ONU, apesar de discorrer sobre o óbvio, a água como direito fundamental, fortalece a discussão sobre a transformação da água em mercadoria, uma “commodity”.

O modelo econômico obsessivamente consumista e que ameaça com a privatização de fontes de água, mananciais, barragens e hidrovias, em escala mundial, é assim questionado. A insegurança hídrica dele resultante é questionada também no comprometimento da potabilidade, em consequência da emissão de efluentes e disposição inadequada de resíduos, caso recente e dramático do Rio Doce, praticamente extinto pela irresponsabilidade de empresas mineradoras (Samarco, Vale e BHP Billington, esta uma corporação multinacional).

A indisponibilidade de água para tamanha população, no entanto, resulta também do mau uso, representando mais do que mera disponibilização de “recursos financeiros, capacitação e tecnologia, através de ajuda e cooperação internacional, em particular aos países em desenvolvimento” como prevê a resolução, em seu artigo segundo.

Cerca de 70% do consumo total de água é para o uso agropecuário, onde a substituição das formas onerosas de abastecimento, como a dos pivôs centrais, por sistemas mais adequados de irrigação (canaletas e gotejamento, por exemplo) esbarra em interesses políticos e nos resquícios autoritários do agronegócio, sucessores das “plantations”, com seus coronéis congelados no século XVII e XVIII. O consumo pessoal, frequentemente acusado de desperdício, responde por apenas 2% do consumo total.

Outras formas menos evidentes de privatização deste direito fundamental, mas tão importantes quanto, estão representadas pela extração de madeira de florestas ou pela conversão de florestas para a agricultura ou para a criação de gado em grande escala. São casos também da mineração e da exploração de petróleo, na medida em que os produtos químicos usados ou liberados nestas atividades, interferem na disponibilidade de água potável.

Outras formas de apropriação privada derivam de reflorestamentos econômicos, que consomem grandes quantidades diárias de água ou do resfriamento e congelamento requerido na comercialização de carnes.

Outra significativa forma de preservar as reservas de água doce existentes corresponde aos aquíferos. Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina compartilham o Aquífero Guarani, reservatório colossal de águas subterrâneas, geologicamente formado por basalto, derramado nos períodos Triássico, Jurássico e Cretáceo Inferior, o que significa algo formado por 200 milhões a 130 milhões de anos.

As reservas permanentes de água doce do Aquífero Guarani são da ordem de 45.000km³. Estima-se que o potencial de exploração sem riscos de suas reservas seja de 40km³ anuais. Hoje, a maior ameaça ao Aquífero Guarani deriva da política econômica, com o risco de privatização das reservas de água e suas consequências, como se verá na continuidade desta coluna.

O modo de produção capitalista distancia-se do sistema ambiental, exigindo de governos, instituições, comunidades, universidades e agentes econômicos a gestão democrática das externalidades negativas, inerentes a uma sociedade baseada no consumo obsessivo e na consequente pressão sobre os recursos naturais.

Nenhuma atividade econômica que venha a comprometer os recursos hídricos pode mais ser aceita e já há registros de lutas contra a privatização deste bem comum, herança do planeta e direito fundamental do Homem. É o caso da “Guerra pela Água”, iniciada em 1999, que veremos na próxima edição.

*Paulo Márcio de Mello
paulomm@paulomm.pro.br

Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
A água declarada direito humano essencial pela Assembleia Geral da ONU, em julho de 2010, vem sendo alvo de corporações que procuram dela se apropriar. Há casos de resistência civil, porém. Entre lutas importantes para religar a economia ao bem comum, uma das mais significativas foi a Guerra pela Água, em Cochabamba (Bolívia).


Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Paulo Márcio de Mello*


“El agua es nuestra...” (II)
O Aquífero Guarani Ameaçado - II

► 

Em 1996, o Banco Mundial prometeu àquela municipalidade boliviana um empréstimo de US$ 14 milhões, para expandir o serviço de água. O Banco Mundial, tão bonzinho, condicionou o empréstimo à privatização do fornecimento da água da cidade.

Em setembro de 1999, em um processo silencioso, a água de Cochabamba foi arrendada, até 2039, para uma nova empresa chamada Aguas del Tunari. Logo se identificou que se tratava de testa de ferro da gigantesca corporação Bechtel (www.bechtel.com), da Califórnia, estado norte-americano com vastas áreas desérticas. O contrato assegurava o lucro assombroso de 16%, capitalizados a cada um dos 40 anos contratados!

A resistência popular foi se organizando, sob a denominação de La Coordinadora para a Defesa da Água e da Vida. A liderança era composta por representantes do sindicato dos trabalhadores de uma fábrica local, irrigadores, fazendeiros, grupos ambientalistas, economistas, alguns membros do Congresso e de organizações populares

Apesar de manifestações de protesto, em janeiro de 2000, a Bechtel aplicou um tarifaço de 200% sobre o serviço de água. A população reagiu com uma greve geral de três dias. Uma faixa foi fixada na sede provisória de La Coordinadora, anunciando “El Agua es Nuestra, Carajo”!

A população então deixou de recolher a tarifa de água e se manifestou publicamente. O governo reagiu com o uso violento de tropas, trazidas de outras regiões, para que não houvesse identidade entre as partes, dando início a uma ebulição que parou novamente Cochabamba, resultando na renúncia do governador, prisões, lei marcial, censura, pressão internacional sobre o CEO da Bechtel, Riley Bechtel e no assassinato do jovem Victor Hugo Daza.

Até que o governo central capitulou, anunciando o cancelamento do contrato e a fuga do país dos executivos da Bechtel. La Coordinadora e o governo indicaram os dirigentes da nova companhia de água de Cochabamba, SEMAPA.

Pareciam ter chegado a um final feliz, mas para a Bechtel ainda havia mais osso a roer. Em novembro de 2001, a multinacional da água reiniciou a guerra, ao apresentar uma demanda de US$25 milhões contra a Bolívia, através do Banco Mundial, a mesma instituição que forçou a privatização.

Uma vez mais, a resistência organizada inibiu a investida da Bechtel. Em agosto de 2002, lideranças populares de 41 países apresentaram a Petição Internacional de Cidadãos ao Banco Mundial, requerendo transparência nas decisões.

Pragmático, o Banco Mundial não prosseguiu com o processo, possivelmente percebendo que o mesmo mecanismo acionado pela Bechtel contra a Bolívia poderia ser mobilizado por outras empresas, buscando indenizações por leis ambientais, sanitárias ou trabalhistas, a pretexto de derrubar barreiras ao livre comércio.

O Brasil, país rico em água, com aquíferos significativos, como O Guarani (no Centro Sul) e Alter do Chão (na Amazônia), também apresenta registros de luta por este direito fundamental, caso da Campanha da Fraternidade de 2004. Desde então, o movimento social tem procurado compensar as participações oficiais brasileiras nos Fóruns Mundiais da Água, até aqui subordinadas aos interesses que tratam a água como mais uma “commodity”.

Cochabamba, em 2010, realizou a conferência internacional que, através de uma revolucionária declaração, a Carta da Mãe Terra, consagrou a água e outros recursos naturais como sujeitos de direito, impedindo assim que seja transformada em simples mercadoria.

O Brasil apanhado por uma crise internacional para a qual não contribuiu, nem se beneficiou, corre o risco de vender, na bacia das almas, suas reservas de água doce, como as do Aquífero Guarani, em nome da sede por recursos para financiar déficits de uma política econômica que só beneficia rentistas. Dirigentes ilegítimos não faltam para isso.

Paulo Márcio de Mello*

Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)


A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001,
toda quarta-feira, no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados conceitos relativos
à responsabilidade social, à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável,
casos de empreendedores e empresas, pesquisas, resenhas, editais ou agenda no assunto.