quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Quase metade do PNB
                                                             
Entre 1970 e 2000, os dispêndios realizados nos EUA para combater o câncer resultaram em benefícios equivalentes a quase metade do Produto Nacional Bruto (PNB).

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Quarta-feira, 25 de junho de 2014
Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Paulo Márcio de Mello*


u      A doença mais onerosa e segunda maior causa de mortes nos EUA, o câncer, mata cerca de 1.600 norte-americanos por dia. Custa ao país mais de US$200 bilhões em serviços de saúde e perdas de produtividade do trabalho. Estima-se o crescimento dramático da enfermidade, transformando-se na maior causa de mortes em futuro próximo. É o que publica Nancy Davenport-Ennis, da National Patient Advocate Foundation (NPAF; www.npaf.com), no número mais recente da revista Scientific American.

u      Apesar dos dados preocupantes, há meios de reduzir os impactos deste flagelo, como ocorreu nos avanços alcançados na erradicação da pólio, em 1979, nos EUA, na transformação da AIDS em uma condição crônica, mas controlável, ou na obtenção de taxas de sobrevivência da leucemia infantil, da ordem de 90%.

u      Desde 1991, a taxa global de óbitos por câncer caiu em 20%, enquanto a sobrevida de cinco anos atingiu a marca de 68,5% nos casos diagnosticados, bem acima dos 48,7% observados em 1975. Em consequência, há hoje nos EUA 13,7 milhões de pessoas sobreviventes à doença, enquanto havia 2 milhões, em 1975, nas mesmas condições.

u      A autora afirma que a continuidade das inovações no combate ao câncer não está assegurada, pois tanto o investimento de risco em biotecnologia no país está decrescendo, desde 2007, quanto os gastos públicos em pesquisa medicinal básica caíram em 20%, desde 2010.

u      Comparados aos dois anos decorridos, em média, entre a descoberta e aprovação de uma droga para o tratamento do HIV, decorrem mais de nove anos até a aprovação de uma nova terapia para os pacientes de câncer. O risco no desenvolvimento de uma nova terapia reserva o sucesso até a colocação no mercado de uma a cada vinte iniciativas. Consequentemente, os custos neste caso são elevados. Estudo da Tufts University (http://csdd.thfts.edu/files/uploads/outlook-2010.pdf), de 2010, aponta que o custo de desenvolvimento de uma nova droga para o tratamento do câncer pode ultrapassar a cifra de US$ 1 bilhão.

u      Onde estão as saídas para acelerar as inovações no tratamento da doença? De acordo com Nancy Davenport-Ennis, a primeira possibilidade é a redução de obstáculos logísticos, através de processos aprovatórios mais padronizados, liberalizando os caminhos da pesquisa, permitindo a sua aplicação em pacientes, antes da liberação para uso geral, com o suporte dos dados centralizados para acesso e compartilhamento.

u      Outra alternativa indicada é a inovação na forma de financiamento da pesquisa, por um lado, com estímulos compensatórios para mitigar a incerteza de investidores e, por outro lado, incrementar os fundos públicos para a pesquisa, sobretudo a pesquisa biomédica básica, ignição da pesquisa avançada.

u      A última alternativa proposta é a de expandir a interação entre os provedores das inovações e os pacientes. Estima-se entre 2% a 5% o percentual de pacientes adultos envolvidos em caminhos das pesquisas clínicas. O baixo número é consequência de fatores como falta de engajamento, complexidade de procedimentos autorizadores e custos não reembolsados para os pacientes.

u      O elenco de partes interessadas, como pesquisadores, pacientes e suas famílias, provedores de serviços de saúde, governantes e futuras gerações, tem um papel decisivo na luta contra o câncer. Visto apenas pela perspectiva econômica, de importância menor do que as percepções éticas e afetivas, o empenho justifica-se, bastando observar poucos números.

u      Novas terapias estão relacionadas a 50 milhões de anos de vida humana poupados nos últimos 15 anos, assim como à economia de US$1,2 milhão em dispêndios em tratamentos por pessoa. Pode ser traduzido em cerca de US$3,2 trilhões agregados à economia por ano, entre 1970 e 2000. Quase metade do Produto Nacional Bruto dos EUA, no mesmo período!

u      No Brasil, as estimativas de incidência de câncer entre a população ultrapassa 518 mil casos por ano, mais de 1.419 casos diários. Nossa atenção para esta questão não pode ser negligenciada.

Paulo Márcio de Mello

Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

sábado, 18 de outubro de 2014

O guizo no gato...
                                                             
Nestle, Coca-Cola, Ypê, Natura, Eletrolux, Sansung, Fiat, Walmart, Hering, Pão de Açúcar, Ultrafarma, McDonalds, Leroy Merlin, Mercado Livre e TAM são destaques no estudo realizado pela Shopper Experience sobre consumo consciente.

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Quarta-feira, 18 de junho de 2014
Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Paulo Márcio de Mello*

u      No Brasil, o conceito de consumo consciente é mais bem representado pelas empresas Nestlé, na área de alimentos, para 26,4% dos consumidores; Coca-Cola, na área de refrigerantes (para 21,3% dos consumidores); Ypê (limpeza, para 23,7% dos consumidores); Natura (higiene pessoal e perfumaria, para 60,8% dos consumidores); Electrolux (eletrodomésticos, para 22,3%, dos consumidores); Sansung (Eletrônicos, para 19,4% dos consumidores); Fiat (carros nacionais, para 10,4% dos consumidores); Walmart (Varejo eletro, para 15% dos consumidores); Hering (varejo moda, para 29,2% dos consumidores); Pão de Açúcar (supermercado, para 29,9% dos consumidores); Walmart (hipermercados, para 15,6% dos consumidores); Ultrafarma (farmácia, para 15% dos consumidores); McDonald’s (fast-food, para 10,7% dos consumidores); Leroy Merlin (varejo materiais de construção, 27,8% dos consumidores); Mercado Livre (loja virtual, para 8,9% dos consumidores) e TAM (companhias aéreas, para 18,2% dos consumidores).

u      As práticas ambientais de consumo consciente associadas a empresas pelos consumidores são, em primeiro lugar, a utilização de materiais recicláveis e a reciclagem de lixo, com 59,8% e 59,0%, respectivamente. A não realização de testes de produtos em animais foi apontada em 34,38% das respostas.

u      No aspecto econômico, as empresas mais associadas ao consumo consciente são as que realizam programas de educação financeira para orientação do consumidor (48,5% das respostas) e têm programas de capacitação socioambiental para os colaboradores (48,0%).

u      No campo social, as empresas que merecem mais destaque são as que mantêm patrocínio ou apoio a projetos e causas sociais (51,1%), seguidas pelas que apoiam a educação do consumidor a respeito de práticas para um modo de vida mais sustentável (50,8%).

u  São conclusões do estudo conduzido pela Shopper Experience (www.shopperexperience.com.br), presidida por Stella Kochen Susskind, que registra, em 63,6% das respostas, que é do consumidor a responsabilidade pelas práticas de consumo consciente e, em 57,27% das respostas que é de governos a maior responsabilidade. Como principais responsáveis seguem empresas brasileiras (46%); empresas multinacionais (45,3%); organizações internacionais (36,5%); ONGs (36,2%); países ricos (32%); e países pobres (28,1%).

u      Foram realizadas 1.520 entrevistas, com homens e mulheres, das classes A, B e C, de 21 anos a 65 anos, residentes nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Curitiba. O estudo foi idealizado por Roberto Meir e realizado em parceria com a revista Consumidor Moderno (www.printeccomunicacao.com.br/).

u      O estudo apresenta também, como iniciativas do cidadão mais associadas ao consumo consciente, o não desperdício de água (64,1% das respostas); reciclagem e separação do lixo (60,8%); economia de energia elétrica (59,1%); compra de produtos de empresas socialmente responsáveis (52,1%); evitar descarte de alimentos (44,3%); compra de produtos orgânicos (42,8%); utilizar o transporte público (41,1%); utilizar-se de carro, dividir com caronas (40,4%); trocar o carro pela bicicleta (38,8%); e não consumir produtos testados em animais (30%).

u      Entre os aspectos econômicos, o consumo consciente manifesta-se ao evitar compras por impulso (alternativa mais apontada, com 57,6%, entre as alternativas). No plano social, a prática mais associada ao consumo consciente pessoal é evitar comprar produtos de empresas envolvidas em casos de exploração infantil e trabalho em locais inadequados (apontada com 55,3%, entre as alternativas apresentadas).No âmbito das práticas ambientais pessoais, consta, com maior frequência, a utilização de materiais recicláveis (apontada com 59,8%, entre as alternativas apresentadas).

O texto “Price Competition in 1955” (http://ablemesh.co.uk/PDFs/journal-of-retailing1955.pdf), do consultor de marketing Victor Lebow, é considerado um marco na transformação da sociedade de abastecimento, vivida até então, para a sociedade de consumo exacerbado dos nossos dias.

u     Diz ele que “(...) nossa economia enormemente produtiva requer que façamos do consumo o nosso modo de vida, que convertamos a compra e o uso de mercadorias em rituais (…) que busquemos a nossa satisfação espiritual ou do nosso ego no consumo (…) a medida do status social, da aceitação, do prestígio, está baseado em nosso padrão de consumo (...) a maior coerção sobre o indivíduo para formá-lo na defesa e aceitação dos padrões, tenda a expressar suas aspirações e individualidade em termos do que ele usa, dirige, come – sua casa, seu carro, seu padrão alimentar, seu lazer (...) nós precisamos de coisas consumidas, destruídas, gastas, substituídas e descartadas numa taxa continuamente crescente”.

u      As críticas a esta era de consumo, estão simbolizadas pela publicação, em 1972, do relatório intitulado Os Limites do Crescimento também conhecido como Relatório do Clube de Roma, ou Relatório Meadows, elaborado por uma equipe do MIT, contratada pelo Clube de Roma e chefiada por Dana Meadows. Começam então constatações, como as de que o planeta não dispõe dos recursos para manter este padrão de consumo, nem de receber todos os resíduos nele dispostos.

u      Hoje, a compreensão de que a mudança urgente e necessária é questão de sobrevivência já aparece em estudos. Resta saber como 99% da Humanidade vai colocar o guizo no gato do 1% privilegiado por este sistema.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Entrevista com Luan Oliveira Bernardo
                                       
“Mudar a cara da elite intelectual do país”. Este é o objetivo do Instituto Ismart, nas palavras do estudante de economia Luan Oliveira Bernardo. Luan fala sobre a sua trajetória e como ela cruzou com a do Instituto Smart. Acompanhe.

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Quarta-feira, 11 de junho de 2014
EMPRESA-CIDADÃ
Paulo Márcio de Mello*


Como é a sua vida hoje?
Sou aluno do 5º período de Economia da UERJ. Fui um dos integrantes do Centro Acadêmico na gestão passada e tentei fazer o que estava ao meu alcance para melhorar o curso. Fui um dos organizadores e realizadores da IV Semana de Economia. Posso não ter tido excelente aproveitamento em uma ou outra disciplina devido à alguma complicação externa ou por não ter tido tempo necessário para me dedicar ao máximo na matéria. Entretanto, me esforço para que isso não aconteça.

A UERJ é uma universidade pública e gratuita, mas ainda assim estudar tem despesas. Como você enfrenta esta dificuldade?
Sou bolsista, desde o ano de 2007, do Instituto Ismart (Instituto Social Para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos, http://www.ismart.org.br/). Ele foi criado em 1999 por Marcel Telles, com o objetivo de conceder bolsas de estudo integrais para alunos talentosos, de baixa renda, nas melhores escolas do país - tendo em vista a debilidade do ensino escolar público. Com isso, esses alunos têm ferramentas para disputar uma vaga na universidade com alunos que sempre estudaram em escolas particulares, além de carregarem uma bagagem cultural grande.

O que faz o Insituto Smart?
O objetivo do instituto, mais profundamente, é mudar a cara da elite intelectual do país, fazendo com que esses jovens, no futuro, sejam capazes de refletir sobre as verdadeiras necessidades do país e de ajudar a transformá-lo. O instituto é uma entidade privada, sem fins lucrativos, que identifica jovens talentos de baixa renda, de 12 a 14 anos de idade, e concede a eles bolsas em escolas particulares de excelência e o acesso a programas de desenvolvimento e orientação profissional, do ensino fundamental à universidade.

Qual é a missão do Instituto Ismart?
A missão do instituto é concretizar o pleno potencial profissional de jovens talentos acadêmicos de baixa renda através de programas calcados na valorização da excelência, da ética e da criatividade produtiva. A atuação do Ismart está pautada na convicção de que jovens talentos podem ser encontrados em todas as camadas da população, independentemente de faixa de renda, origem étnica ou social. A instituição acredita que, com acesso à educação de qualidade os bolsistas podem sonhar mais alto e atingir o sucesso profissional.

Como você ingressou no programa do Instituto?
No ano de 2006 (aos 13 anos) eu cursava a antiga 6ª série do ensino fundamental em uma escola municipal em Botafogo. Participei do processo seletivo para o instituto e passei em suas 5 fases. No ano seguinte, fui estudar no Colégio São Bento, com bolsa integral. Era uma espécie de "curso preparatório" para as provas que faria no final do ensino fundamental. Tive aula de todas as matérias com os professores de lá, assim como outros alunos do Ismart.

Era uma rotina intensa?
Estudava na parte da manhã no São Bento e, pela tarde, ainda estava matriculado na escola municipal. Foi uma dupla jornada que consegui levar durante dois anos (2007 e 2008). À noite, nas terças e quintas, cursava inglês, também com bolsa, mas não do Ismart, e nos finais de semana (além de estudar), andava de bicicleta, esporte que pratico até os dias de hoje. Claro, para conseguir acompanhar o nível do São Bento (que era bem distante da escola municipal) precisei estudar bastante.

Estudou em outras escolas?
No ensino médio, consegui bolsa em outros colégios particulares e passei em alguns públicos (Pedro II e Cap UFRJ). Optei por não ficar no São Bento e decidi estudar no pH, em Botafogo, também com bolsa integral concedida pelo Ismart. Quando digo bolsa integral, ganhava não só a mensalidade (quase R$ 3.000), mas também material, transporte e alimentação. Ao final do ensino médio, passei em quase todas as faculdades e acabei escolhendo a UERJ.

O que mais faz, além do curso de economia na UERJ?
Moro em um edifício em Laranjeiras, no Rio de Janeiro,  desde que nasci, no qual meu pai é o porteiro chefe, há cerca de 30 anos. Aqui, um dos porteiros não era alfabetizado. Consegui ajudá-lo e, depois de um tempo, ele ingressou no ensino regular. Ademais, comecei a trabalhar já no início da faculdade, sendo monitor no colégio pH durante um ano. Atualmente estagio em uma empresa do setor elétrico e faço parte de um comitê de alunos do Instituto Ismart, que tem como objetivo otimizar alguns processos e melhorar o instituto para os bolsistas, tendo em vista nossas demandas para alcançar bons resultados acadêmica e profissionalmente. Além de estudar em nossa faculdade, faço curso de espanhol, no mesmo curso que fiz inglês, também com bolsa, aos sábados.

Gostaria de acrescentar algo mais para os jovens que estão conhecendo agora o Instituto Ismart?

Por fim, não me alongando demais, gostaria que os possíveis interessados se informem sobre o processo seletivo, e assim, outros jovens como eu poderão ter uma oportunidade de alcançar melhores condições de vida e, mais importante, ajudar a melhorar o país.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Só vendo ...
                                                                                                               
Pode um banco adotar boas práticas de responsabilidade socioambiental por força de lei? O Banco Central acha que sim.

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Quarta-feira, 4 de junho de 2014
Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Paulo Márcio de Mello*


u      Em 2013, o banco Itaú e o Banco do Brasil registraram os maiores lucros líquidos contábeis da história dos bancos brasileiros, chegando a R$15,7 bilhões e R$15,8, respectivamente. Foram seguidos pelo banco Bradesco, com R$12 bilhões, e pelo banco Santander, com R$5,7 bilhões. Apesar do “pibinho”, da crise, e de outros males, 2013 foi um ano bom, o melhor deles para os bancos.

u      Talvez por este cenário, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central tenham decidido que os bancos se tornem socialmente responsáveis na marra e tenham editado a Resolução 4.327/14, que as instituições financeiras e outras instituições por eles reguladas aprovem e iniciem a implantação da Política de responsabilidade socioambiental (PRSA), até 28 de fevereiro de 2015.

u      Por que então, no ranking das dez empresas com o maior número de reclamações feitas no Procon, no estado de São Paulo, no mesmo ano dos super lucros, figurem o Grupo Itaú UNIBANCO, na segunda posição, com 7.199 reclamações, o Grupo Bradesco, em quarto lugar, com 5.897 queixas, e o Grupo Santander, em nono lugar, com 2.763 reclamações?

u      Por que então, no ano dourado, a satisfação dos clientes com os bancos de varejo no Brasil é tão baixa? Segundo o estudo divulgado pela consultoria J.D. Power, realizado também no Canadá, onde os bancos alcançaram 756 pontos, seguidos pelos dos Estados Unidos (752 pontos), da China (685) e da Grã-Bretanha (683), os bancos brasileiros ficaram nos 679 pontos.

u      A consultoria adota como indicadores a satisfação dos clientes com relação às atividades e informações sobre a conta, a oferta de serviços, as instalações físicas, as taxas e a capacidade de solucionar problemas, dispostas em uma escala que pode chegar até mil pontos. O estudo abordou 3 mil clientes.

u      Por que então, no rastro do ano de ouro, já no primeiro quadrimestre de 2014, as instituições financeiras fecharam 2.567 postos de trabalho? É o que registra a Pesquisa de Emprego Bancário, da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), como saldo do balanço de 11.080 empregados contratados e 13.647 cortados. O estado de São Paulo lidera os cortes, com 1.301 demitidos, seguido do Rio Grande do Sul, com 381, Rio de Janeiro, com 362 e Minas Gerais, com 251 cortes.

u      O estudo é feito em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), utilizando dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego.

u      Na contra mão dos cortes estão a Caixa Econômica Federal, que abriu 1.256 vagas e a economia brasileira, que gerou 458.145 novos empregos formais, no mesmo período.

u      Em relação aos salários, a média dos admitidos pelos bancos no primeiro quadrimestre, foi de R$3.221,18, contra o salário médio de R$ 5.206,73 dos demitidos, ou seja, uma redução drástica de 38%.

u      Entre os homens recém admitidos, média dos salários foi de R$ 3.660,01, enquanto entre as mulheres o salário médio é de R$ 2.776,30. Isto é, para os bancos, o valor do trabalho das mulheres é menor do que o dos homens em 24,1%.

u      A média dos salários dos homens demitidos no primeiro quadrimestre era de R$6.027,18. Já a remuneração média das mulheres demitidas era de R$ 4.333,27. Ou seja, para os bancos, isso significa que o valor da contribuição das mulheres para os bancos era 28,1% menor do que a dos homens.

u      São muitas as partes interessadas contrariadas, seja por falta de qualidade de serviço, desrespeito ou discriminação. Só vendo, para acreditar na aplicação verdadeira da Resolução 4.327/14, a da política de responsabilidade socioambiental pelas instituições financeiras.

Paulo Márcio de Mello

Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Economia
 ou  economia política da sustentabilidade?

                                                                                                           Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 102, set. 2001.

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Ademar Ribeiro Romeiro
Professor do Instituto de Economia da Unicamp.

Resumo

O objetivo principal do trabalho é o de mostrar como o desafio da sustentabilidade não tem como ser enfrentado a partir de uma perspectiva teórica que desconsidera as dimensões culturais e éticas no processo de tomada de decisão o qual, por sua vez, será supra-individual.
Sua estrutura analítica é composta de uma seção onde se discute a capacidade de intervenção humana na natureza e a noção de limites. Outra seção apresenta uma análise das duas principais correntes teóricas em economia sobre a questão ambiental. Em seguida se discute as dificuldades de mudança em função da contradição existente entre padrão de consumo e padrão de acumulação.
O trabalho termina com uma análise do processo de tomada de decisão sob incerteza, que inclui uma apresentação do Princípio da Precaução e de uma proposta metodológica de classificação e hierarquização dos problemas ambientais (ciência pós-normal).
Palavras-chave : Economia política; Economia ecológica; Economia; Economia do meio ambiente; Sustentabilidade; Ciência pós-normal.
Abstract
The paper aims at showing that sustainability can not be achieved in a individualistic basis, nor without taking into account the political and ethical dimensions involved in the decision processes.
That is what separates the standard approach of environmental economics (the economics of sustainability) from the alternative one of ecological economics (the political economy of sustainability). It discusses also the human capacity of intervention in nature and the notion of limits and the difficulties of changing consume habits as they are connected with the accumulation patterns of the system. Finally, it presents an analysis of the decision process under uncertainty, including a presentation of the Precautionary Principle and a methodological proposal to classify environmental problems according to the decision stakes and systemic uncertainty (Pos-Normal Science).
Key words: Political economy; Ecological economics; Economics; Environmental economics; Sustainability; Pos-normal Science.
Introdução
Tradicionalmente, o adjetivo política ao substantivo economia indica uma visão teórica que se distingue por incluir em seu esquema analítico considerações de ordem política em seu sentido amplo, isto é, inclui considerações morais e éticas em contraposição à economia sem adjetivo (economics), cuja visão teórica subjacente (neoclássica) pressupunha ser uma exigência científica a exclusão deste tipo de considerações (1).
(1)Em sua exortação pela volta à tradição ética em economia, Sen (1987) observa que desde Adam Smith duas tradições em economia se firmaram: uma, preocupada com a moral e a ética [que além dos autores clássicos como o próprio Smith, Marx, Ricardo, Stuart Mill, inclui autores como Veblen, Myrdal, entre outros, e toda a escola institucionalista contemporânea]; a outra (neoclássica), que ele classifica como uma espécie de “engenharia econômica”, onde esta preocupação não existiu.
Entretanto, como dizia Myrdal (1978), a economia é sempre economia política na medida em que todo ser humano pensa e age a partir de uma escala de valores. É ilusória a idéia positivista de que as proposições podem ser divididas claramente entre positivas e normativas. Existe sempre algum julgamento de valor ou aspecto ideológico em todos os conceitos, afirmações e teorias em economia.
Nesse sentido, como observa Soderbaum (1991), o hábito da economia convencional de olhar os valores e as preferências como exógenamente dados não é algo que decorre de uma posição cientificamente neutra.
No esquema analítico convencional, o que seria uma economia da sustentabilidade é visto como um problema, em ultima instância, de alocação intertemporal de recursos entre consumo e investimento por agentes econômicos racionais, cujas motivações são fundamentalmente maximizadoras de utilidade.
A ação coletiva (através do Estado) se faz necessária apenas para corrigir as falhas de mercado que ocorrem devido ao fato de boa parte dos serviços ambientais se constituir de bens públicos (ar, água, capacidade de assimilação de dejetos, etc.) não tendo, portanto, preços.
Uma vez corrigidas estas falhas, de modo a garantir a correta sinalização econômica da escassez relativa destes serviços ambientais, a dinâmica de alocação intertemporal de recursos tenderia a se processar de modo eficiente, não havendo problemas de incerteza e de risco de perdas irreversíveis.
No esquema analítico proposto, o problema da economia política da sustentabilidade é visto como um problema de distribuição intertemporal de recursos naturais finitos, o que pressupõe a definição de limites para seu uso (escala).
Além disso, trata-se de um processo envolvendo agentes econômicos cujo comportamento é complexo em suas motivações (as quais incluem dimensões sociais, culturais, morais e ideológicas) e que atuam num contexto de incertezas e de riscos de perdas irreversíveis que o progresso da ciência não tem como eliminar.
Desse modo, tanto a natureza como o papel da ação coletiva são completamente distintos daqueles pressupostos no esquema analítico convencional. Trata-se de um processo de escolha pública onde caberá à sociedade civil, em suas várias formas de organização (o Estado entre outras), decidir, em ultima instância, com base em considerações morais e éticas.
Desse modo, o objetivo principal do trabalho é o de mostrar como o desafio da sustentabilidade não tem como ser enfrentado a partir de uma perspectiva teórica que desconsidera as dimensões culturais e éticas no processo de tomada de decisão o qual, por sua vez, será supra-individual. Para atingir este objetivo, o texto se divide em mais 4 seções além desta introdução.
A primeira seção apresenta uma breve digressão sobre a evolução histórica da capacidade das sociedades humanas de transformar a natureza, marcada pelas revoluções agrícola e industrial. Busca-se deixar claro que embora esta evolução tenha sido marcada cada vez mais por desequilíbrios ecológicos, isto não é inevitável. É possível transformar radicalmente a natureza, como quando se faz agricultura sem, no entanto, desrespeitar as regras ecológicas básicas.
Outro ponto a notar refere-se à magnitude da escala atual das atividades humanas o que, independentemente destas atividades respeitarem ou não as regras ecológicas básicas, levanta o problema do limite da capacidade de suporte do planeta terra.
Nesse sentido, se enfatiza a necessidade de não apenas buscar-se uma melhor eficiência na utilização dos recursos naturais, reduzindo drasticamente e/ou eliminando a poluição, como também a necessidade de estabilizar os níveis de consumo de recursos naturais per capita dentro dos limites da capacidade de suporte do planeta.
Na seção seguinte discute -se a questão do desenvolvimento sustentável de uma perspectiva teórica. São apresentados os fundamentos das duas principais correntes teóricas em economia que tratam dos problemas de sustentabilidade: a economia ambiental (neoclássica) e a economia ecológica. As diferenças entre as duas abordagens são assinaladas não apenas do ponto de vista teórico, como também daquele das implicações concretas destas duas visões analíticas em termos das políticas ambientais que inspiram e suas conseqüências.
A seção 3 apresenta uma análise dos limites à mudança decorrente das características próprias da dinâmica de acumulação de capitalista e do padrão de consumo correspondente, marcado pela criação incessante de novas necessidades de consumo.
Nesse sentido, a estabilização do consumo de recursos naturais per capita dependerá de uma mudança de valores. São apresentadas também as condições objetivas que podem contribuir para o sucesso de um movimento de educação ambiental visando esta mudança de valores com base, em ultima instância, em considerações de ordem ética.
Finalmente, na ultima seção, são brevemente sumariadas as condições históricas que explicam o surgimento de um instrumento jurídico, o Princípio de Precaução, que se configura como um importante inovação institucional aplicável em processos de tomada de decisões sob incerteza. Apresenta-se também uma proposta metodológica de classificação e hierarquização dos problemas ambientais segundo os níveis de incerteza sistêmica e de risco de perdas irreversíveis.
1 Desenvolvimento sustentável – Perspectiva histórica
Num passado distante, antes do controle do fogo pela espécie humana, a interação desta com a natureza era semelhante àquela dos animais mais próximos na cadeia evolutiva, como os grandes primatas. O controle do fogo abriu caminho para que esta interação assumisse características próprias cada vez mais distintas.
Sobrevivem, entretanto, ainda hoje, amostras de povos, como os Yanomamis, vivendo no neolítico, testemunhos vivos de que o controle do fogo por si só pode não levar a mudanças radicais e progressivas no modo de inserção da espécie humana na natureza.
Do ponto de vista ecológico, o modo de vida de povos como os Yanomamis, ou mesmo de outros povos indígenas mais evoluídos no sentido de usar mais largamente o fogo como técnica agroflorestal e outros instrumentos, não provoca nenhum desequilíbrio comprometedor do ecossistema, embora o modifique.
Seu modo de vida conduz a transformações na paisagem florestal que, embora não facilmente perceptíveis para olhos não treinados, são reais e bastante marcadas em determinados locais. Mas são transformações de tal modo integradas com o ambiente florestal que não se diferenciam muito do tipo de transformações que certas espécies animais podem causar no ecossistema onde estão inseridas.
Portanto, um ecossistema em equilíbrio não quer dizer um ecossistema estático. É um sistema dinâmico, que se modifica, embora lentamente, graças à interações entre as diversas espécies nele contidas, num processo conhecido como coevolução.
Com a invenção da agricultura há cerca de dez mil anos atrás, a humanidade deu um passo decisivo na diferenciação de seu modo de inserção na natureza em relação àquela das demais espécies animais. A agricultura provoca uma modificação radical nos ecossistemas.
A imensa variedade de espécies de um ecossistema florestal, por exemplo, é substituída pelo cultivo/criação de umas poucas espécies, selecionadas em função de seu valor seja como alimento, seja como fonte de outros tipos de matérias-primas que os seres humanos considerem importantes.
Entretanto, apesar de modificar radicalmente o ecossistema original, a agricultura não é necessariamente incompatível com a preservação dos equilíbrios ambientais fundamentais. É possível construir um ecossistema agrícola baseado em sistemas de produção que preservem certos mecanismos básicos de regulação ecológica. Por exemplo, pode-se reduzir a infestação de pragas nas culturas com a alternância do cultivo de espécies distintas numa mesma área (rotações de culturas).
Este resultado é obtido na medida em que a rotação de culturas é uma forma de garantir um mínimo de biodiversidade, que é o principal mecanismo da natureza para manter o equilíbrio do ecossistema. Do mesmo modo, pode-se obter efeito semelhante através da manutenção de uma paisagem agrícola diversificada, entremeada de bosques e matas, de áreas de aguadas, etc.
Em relação à manutenção da fertilidade do solo, para garantir a sustentabilidade é preciso não apenas repor os nutrientes exportados com as culturas, mas fazê-lo de modo equilibrado, isto é, de acordo com os processos naturais de reciclagem de nutrientes. Uma fertilização química desequilibrada tem impactos negativos no próprio solo, bem como sobre os recursos hídricos do ecossistema.
Enfim, é possível, em princípio, transformar radicalmente um dado ecossistema natural, substituindo-o por outro, “artificial”, mas também equilibrado do ponto de vista ecológico. A diferença fundamental neste ultimo caso é que a manutenção do equilíbrio terá que contar com a participação ativa dos seres humanos, agindo com base em certos princípios básicos de regulação ecológica (diversidade biológica, reciclagem de nutrientes, etc.).
Com a Revolução Industrial a capacidade da humanidade de intervir na natureza dá um novo salto colossal e que continua a aumentar sem cessar. É interessante notar que esta enorme capacidade de intervenção ao mesmo tempo em que provocou grandes danos ambientais, também ofereceu em muitas situações os meios para que a humanidade afastasse a ameaça imediata que estes danos pudessem representar para sua sobrevivência e, com isso, retardasse a adoção de técnicas e procedimentos mais sustentáveis.
Um exemplo significativo neste sentido foi o uso intensivo de fertilizantes químicos baratos que, em muitas regiões, mascarou o efeito da erosão dos solos sobre a produtividade agrícola.
Para além dos desequilíbrios ambientais decorrentes desta maior capacidade de intervenção, a Revolução Industrial baseada no uso intensivo de grandes reservas de combustíveis fósseis, abriu caminho para uma expansão inédita da escala das atividades humanas, que pressiona fortemente a base de recursos naturais do planeta.
Ou seja, mesmo se todas as atividades produtivas humanas respeitassem princípios ecológicos básicos, sua expansão não poderia ultrapassar os limites ambientais globais que definem a “capacidade de carga” (carrying capacity) do planeta.
A magnitude da punção exercida pelas sociedades humanas sobre o meio ambiente, sua “pegada ecológica” (ecological footprint – Box 1), resulta do tamanho da população multiplicado pelo consumo per capita de recursos naturais, dada a tecnologia. O progresso técnico pode atenuar relativamente esta pressão, mas não eliminá-la.
A “capacidade de carga” do planeta terra não poderá ser ultrapassada sem que ocorram grandes catástrofes ambientais. Entretanto, como não se conhece qual é esta capacidade de carga, e que será muito difícil conhecê-la com precisão, é necessário adotar uma postura precavida que implica agir sem esperar para ter certeza.
Nesse sentido, é preciso criar o quanto antes as condições socioeconômicas, institucionais e culturais que estimulem não apenas um rápido progresso tecnológico poupador de recursos naturais, como também uma mudança em direção a padrões de consumo que não impliquem o crescimento contínuo e ilimitado do uso de recursos naturais per capita.
Como veremos mais adiante, é mais fácil atingir boa parte do primeiro destes objetivos do que o segundo. Em relação a este ultimo, a grande dificuldade está em que a estabilização dos níveis de consumo per capita pressupõe uma mudança de atitude, de valores, que contraria aquela prevalecente ligada à lógica do processo de acumulação de capital em vigor desde a ascensão do capitalismo, que se caracteriza pela criação incessante de novas necessidades de consumo. Haveria, portanto, que se passar de uma “civilização do ter” para uma “civilização do ser” (Sachs, 1993).
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Box 1
“Pegada Ecológica” (Ecological Footprint)
 O conceito de “pegada ecológica” é baseado na idéia de que para a maioria dos tipos de consumo material e energético corresponde uma área mensurável de terra e de água nos diversos ecossistemas que deverá fornecer os fluxos de recursos naturais necessários para cada tipo de consumo, bem como a capacidade de assimilação dos rejeitos gerados.
Desse modo, para se estimar a pegada ecológica de uma determinada sociedade é preciso considerar as implicações (coeficientes técnicos) de cada tipo de consumo em termos de demanda por recursos naturais.
Atualmente existem estimativas com base em 6 categorias de uso da terra: terra degradada ou consumida (por exemplo, aquela sob áreas construídas), terra sob jardins, terra agrícola, pastagens, florestas plantadas e terra de energia. As áreas sob águas, notadamente o oceano, ainda coloca dificuldades importantes para sua avaliação.
A terra de energia pode ser definida de dois modos:
a-) como a área média necessária para produzir um determinado fluxo de energia de biomassa equivalente ao fluxo atual obtido com a queima de combustíveis fósseis;
b-) como a área média de florestas “sequestradoras de carbono” necessária para absorver as emissões atuais de dióxido de carbono. A primeira seria a escolhida no caso de abandono do uso de combustíveis fósseis. A segunda no caso de se continuar queimando estes combustíveis fósseis.
É claro que estes são exercícios ainda bastante precários e que, provavelmente, não poderão superar todos os obstáculos metodológicos para se obter uma medida acurada da punção exercida pelas sociedades humanas sobre o meio ambiente.
No entanto, apesar das controvérsias, são exercícios úteis que, juntamente com outras medidas agregadas de impactos ambientais (indicadores de sustentabilidade e contas ambientais) podem ter um papel importante tanto do ponto de vista pedagógico, de conscientização ecológica, como também para orientar a definição de políticas ambientais.
Para uma discussão mais detalhada, ver o número especial dedicado a este tema da revista Ecological Economics, v. 32, n. 3, Mar. 2000.
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2 Desenvolvimento sustentável – Perspectiva teórica
O conceito de desenvolvimento sustentável é um conceito normativo que surgiu com o nome de ecodesenvolvimento no início da década de 70 (3). Ele surgiu num contexto de controvérsia sobre as relações entre crescimento econômico e meio ambiente, exacerbada principalmente pela publicação do relatório do Clube de Roma que pregava o crescimento zero como forma de evitar a catástrofe ambiental.
(3)A autoria do termo não é bem estabelecida, mas existe concordância geral em atribuir a Ignacy Sachs, da Escola de Altos em Ciências Sociais de Paris, uma preeminência nas suas qualificações conceituais.
Ele emerge deste contexto como uma proposição conciliadora, onde se reconhece que o progresso técnico efetivamente relativiza os limites ambientais, mas não os elimina e que o crescimento econômico é condição necessária, mas não suficiente para a eliminação da pobreza e disparidades sociais.
O tempo jogou a favor de uma ampla aceitação desta proposição mas que, por esta ser basicamente normativa, não foi capaz de eliminar as divergências quanto à sua interpretação. As dificuldades desse entendimento revelam-se não apenas nas incontáveis definições de desenvolvimento sustentável, como também nas diferenças de interpretação de uma mesma definição.
No Relatório Brundtland (CMMAD, 1988), por exemplo, ele é definido basicamente como “aquele que satisfaz as necessidades atuais sem sacrificar a habilidade do futuro satisfazer as suas”. Mas o que isso quer dizer exatamente? Como se traduz em termos de políticas públicas?
No debate acadêmico em economia do meio ambiente as opiniões se dividem entre duas correntes principais de interpretação (4):
(a) A primeira corrente é representada principalmente pela chamada Economia Ambiental (o main stream neoclássico) e considera que os recursos naturais (como fonte de insumos e como capacidade de assimilação de impactos dos ecosistemas) não representam, a longo prazo, um limite absoluto à expansão da economia. Pelo contrário, inicialmente estes recursos sequer apareciam em suas representações analíticas da realidade econômica como, por exemplo, na especificação de função de produção onde entravam apenas o capital e o trabalho. A economia funcionava sem recursos naturais (Figura 1A). Esta visão implícita de infinitude dos recursos naturais na análise neoclássica foi objeto de crítica pioneira e sistemática por Nicolas Georgescu-Roegen (Box 2).
(4)Uma primeira versão desta visão crítica foi publicada em Romeiro, A.R.(1999).
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Box 2
Nicolas Georgescu-Roegen
Com o tempo, os recursos naturais passaram a ser incluídos nas representações de função de produção, mas mantendo a sua forma multiplicativa, o que significa a substitubilidade perfeita entre capital, trabalho e recursos naturais (5) e, portanto, a suposição de que os limites impostos pela disponibilidade de recursos naturais podem ser indefinidamente superados pelo progresso técnico que os substitui por capital (ou trabalho). Em outras palavras, o sistema econômico é visto como suficientemente grande para que a disponibilidade de recursos naturais (RN) se torne uma restrição à sua expansão, mas uma restrição apenas relativa, superável indefinidamente pelo progresso científico e tecnológico (Figura 1B).
(5) Y= f(K,L,R), o que significa que a quantidade de recursos naturais (R) requerida pode ser tão pequena quanto se deseja desde que a quantidade de capital (K) seja suficientemente grande. Georgescu-Roegen criticou essa nova versão da função de produção neoclássica (que ele batiza de variante Solow-Stiglitz) chamando-a de “passe de mágica”.
Nicolas Georgescu-Roegen, matemático e economista de origem romena, ocupa uma posição singular na história do pensamento econômico. Economista reconhecido por suas contribuições ao main-stream, publicou em 1971 a obra seminal intitulada The Entropy Law and the Economic Process que, embora saudada por Paul Samuelson como uma obra revolucionária, passou todos esses anos sob o silencio da maioria dos economistas convencionais, incluindo os trabalhos posteriores do próprio Samuelson!
A razão deste silencio na verdade não é difícil de entender. A consideração da Lei da Entropia no raciocínio econômico forçaria a revisões profundas no corpo teórico convencional. A começar pela representação básica do funcionamento da economia através do diagrama do fluxo circular entre firmas e unidades de consumo onde não há lugar para os recursos naturais como insumos e como rejeitos lançados ao meio ambiente.
Aparentemente seria fácil incluir o meio ambiente nesta representação analítica. No entanto, como observa Daly (1996), esta representação de fluxo circular é inerente à epistemologia mecanicista do paradigma teórico neoclássico, onde existem apenas movimentos reversíveis e qualitativamente neutros.
O que é importante ressaltar da obra de Georgescu é a introdução da idéia de irreversibilidade e de limites na teoria econômica, que decorre da segunda lei da termodinâmica (lei da entropia) em contraposição à primeira lei da termodinâmica (sobre a transformação da matéria), onde esta idéia não faz sentido e sobre a qual se baseia implicitamente a teoria econômica convencional.
Para maiores detalhes da obra de Georgescu-Roegen ver o número especial da revista Ecological Economics, v. 22, n. 3, Sept. 1997, que lhe foi dedicado.
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Tudo se passa como se o sistema econômico fosse capaz de se mover suavemente de uma base de recursos para outra à medida que cada uma é esgotada, sendo o progresso científico e tecnológico a variável chave para garantir que esse processo de substituição não limite o crescimento econômico a longo prazo.
Para esta corrente, os mecanismos através dos quais se dá esta ampliação indefinida dos limites ambientais ao crescimento econômico devem ser principalmente mecanismos de mercado. No caso dos bens ambientais transacionados no mercado (insumos materiais e energéticos), a escassez crescente de um determinado bem se traduziria facilmente na elevação de seu preço, o que induz a introdução de inovações que permitem poupá-lo, substituindo-o por outro recurso mais abundante. Em se tratando dos serviços ambientais em geral não transacionados no mercado devido sua natureza de bens públicos (ar, água, ciclos bioquímicos globais de sustentação da vida, capacidade de assimilação de rejeitos, etc.), este mecanismo de mercado falha. Para corrigir esta falha é necessário intervir para que a disposição à pagar por esses serviços ambientais possa se expressar à medida em que sua escassez aumenta.
Empiricamente teria sido observado que a evolução natural das preferências dos indivíduos em função do próprio processo de crescimento econômico seria no sentido de uma menor tolerância à esta escassez crescente desses serviços devido à poluição, configurando o que pode ser expresso como uma curva de Kuznets (6) ambiental: à medida que a renda per capita se eleva com o crescimento econômico a degradação ambiental aumenta até um certo ponto, a partir do qual a qualidade ambiental começa a melhorar. A explicação para este fato estaria em que nos estágios iniciais do processo de desenvolvimento econômico a crescente degradação do meio ambiente é aceita como um efeito colateral ruim, mas inevitável. Entretanto, a partir de certo nível de bem estar econômico a população torna-se mais sensível e disposta a pagar pela melhoria da qualidade do meio ambiente, o que teria induzido a introdução de inovações institucionais e organizacionais necessárias para corrigir as falhas de mercado decorrentes do caráter público da maior parte dos serviços ambientais.
(6) A expressão curva de Kuznets ambiental tem sua origem num trabalho de Kuznets onde este mostrava empiricamente a existência de uma curva com a forma de U invertido correlacionando crescimento econômico e distribuição de renda.
As soluções ideais seriam aquelas que de algum modo criassem as condições para o livre funcionamento dos mecanismos de mercado: seja diretamente eliminando o caráter público desses bens e serviços através da definição de direitos de propriedade sobre eles (negociação coaseana); seja indiretamente através da valoração econômica da degradação destes bens e da imposição desses valores pelo Estado através de taxas (taxação pigouviana). A primeira implicaria a privatização de recursos como a água, o ar, etc. o que, entre outros obstáculos, esbarraria no elevado custo de transação decorrente de processos de barganha que envolveriam centenas ou mesmo milhares de agentes.
A segunda pressupõe ser possível calcular estes valores a partir de uma curva marginal de degradação ambiental. Desse modo, criaria-se para o agente econômico um trade off entre seus custos (marginais) de controle da poluição e os custos (marginais) dos impactos ambientais (externalidades) provocados por suas atividades produtivas, que ele seria forçado a “internalizar” através do pagamento das taxas correspondentes (Gráfico 1): o agente econômico vai procurar minimizar seu custo total que resulta da soma do quanto vai gastar para controlar a poluição (custo de controle) com a quantia a ser gasta com o pagamento de taxas por poluir (custo da degradação). O ponto de equilíbrio é chamado de “poluição ótima”.
Gráfico 1
Custos marginais custos marginais
Custos de controle da degradação
Poluição ótima produção/poluição
Reconhece-se, entretanto, que é uma ficção a concepção de uma curva
suave de custos marginais da degradação, que ignora o fato de que os impactos
ambientais evoluem de modo imprevisível devido a existência de efeitos sinérgicos,
12 Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 102, set. 2001.
de tresholds e de reações defasadas.7 Mas permanece o princípio de que a política
ambiental mais eficiente é aquela que cria as condições, através da precificação,
para que os agentes econômicos “internalizem” os custos da degradação que
provocam.
Figura 1A Figura 1B Figura 2
RN RN
Economia Economia Economia
(b) A segunda corrente de interpretação é representada principalmente pela
chamada Economia Ecológica, que vê o sistema econômico como um subsistema
de um todo maior que o contém, impondo uma restrição absoluta à sua expansão
(Figura 2). Capital e recursos naturais são essencialmente complementares. O
progresso científico e tecnológico é visto como fundamental para aumentar a
eficiência na utilização dos recursos naturais em geral (renováveis e não
renováveis) e, nesse aspecto, esta corrente partilha com a primeira a convicção de
que é possível instituir uma estrutura regulatória baseada em incentivos econômicos
capaz de aumentar imensamente esta eficiência (ve r Box 3). Permanece, entretanto,
a discordância fundamental em relação à capacidade de superação indefinida dos
limites ambientais globais. A longo prazo, portanto, a sustentabilidade do sistema
econômico não é possível sem estabilização dos níveis de consumo per capita de
acordo com a capacidade de carga do planeta.
(7) Dasgupta & Maler (1995: 2378) observam que os ecossistemas evoluem constantemente mudando
também sua “capacidade de carga” e de modo essencialmente imprevisível.
Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 102, set. 2001. 13
Box 3
Eficiência ecológica
A questão central para esta corrente de análise é, neste sentido, como fazer
com que a economia funcione considerando a existência destes limites. O
mecanismo de ajuste proposto pelo esquema analítico neoclássico por definição
desconsidera, como foi visto, a existência destes limites, supondo a possibilidade de
substituição ilimitada dos recursos que se tornam escassos por recursos abundantes.
No caso dos bens ambientais transacionados no mercado (insumos
materiais e energéticos), o esquema analítico convencional pressupõe que a
escassez crescente de um determinado bem eleva seu preço, o que induz a
introdução de inovações que permitem poupá -lo, substituindo-o por outros recursos
mais abundantes cujos estoques os agentes econômicos são supostos conhecer,
juntamente com o conhecimento das diferenças de qualidade, do curso futuro do
progresso tecnológico e da própria demanda. Na verdade, como assinala Daly
(1996), os preços refletem a disponibilidade de cada recurso independentemente do
estoque total de recursos, o que impede que eles possam servir para sinalizar um
processo de extração ótima do ponto de vista da sustentabilidade.
Atualmente, numa economia como a americana apenas 6% de todo o fluxo de materiais que
consome resulta em produtos. Em termos de bens duráveis esta relação cai para 1%. Estima-se
que cientifica e tecnologicamente se poderia hoje reduzir imensamente esta ineficiência
ecológica através de uma elevação radical da produtividade no uso dos recursos naturais, bem
como na redução não menos radical na geração de resíduos.
Em relação à primeira, a perspectiva é de que esta elevação poderia ser de no mínimo um fator
4 podendo atingir um fator 10. Não seria impossível, por exemplo, construir um motor de
automóvel capaz de fazê-lo rodar até 200 Km com um litro de gasolina. Em relação à segunda,
existe a perspectiva de construção de sistemas produtivos alternativos que mimetizam os
processos biológicos (biomimicry) pelos quais a natureza produz uma grande diversidade de
produtos altamente resistentes, maleáveis, etc. Além disso, engenheiros “meta-industriais”
estão criando parques industriais com emissão quase zero através da integração das industrias
em um complexo onde cada empresa usa como insumo os resíduos de outra.
Os investimentos necessários para esta revolução de produtividade seriam não apenas pagos
com o tempo pela economia de recursos que propiciam como também, em muitos casos,
podem reduzir os investimentos iniciais de capital. A enorme ineficiência que está causando
degradação ambiental quase sempre custa mais do que as medidas que iriam reverter a ituação.
O grande obstáculo à sua implementação está no fato de que os governos não só não acabaram,
como continuam a criar e administrar leis, políticas, taxas e subsídios que tornam estas medidas
antieconômicas. Entretanto, em alguns países este quadro começa a ser revertido através, por
exemplo, de reformas tributárias que aliviam a tributação sobre a renda das pessoas
aumentando, em contrapartida, a taxação sobre o uso de recursos naturais.
Para uma exposição detalhada destas perspectivas ver Hawken, Lovins & Lovins (1999).
14 Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 102, set. 2001.
No caso dos serviços ambientais não transacionados no mercado devido sua
natureza de bens públicos, o mecanismo de ajuste proposto não leva em conta
princípios ecológicos fundamentais para garantir a sustentabilidade, na medida em
que este mecanismo é baseado no cálculo de custo e benefício feito pelos agentes
econômicos visando a alocação de recursos entre investimentos em controle da
poluição e pagamentos de taxas por poluir de modo a minimizar o custo total. O
cálculo das taxas, por sua vez, será baseado num conjunto de metodologias de
valoração econômica que mensuram direta ou indiretamente a disposição à pagar
dos indivíduos por bens e serviços ambientais.
Portanto, o ponto de equilíbrio, chamado de “poluição ótima”, é de
equilíbrio econômico e não ecológico pois, como observa Godard (1992),
ecologicamente não se pode falar em equilíbrio quando a capacidade de assimilação
do meio é ultrapassada, como é o caso uma vez que a poluição permanece. O fato
da capacidade de assimilação ser ultrapassada em um dado período (t), reduz a
capacidade de assimilação no período seguinte e, assim, sucessivamente podendo
resultar numa perda irreversível. Existe, portanto, uma “destruição líquida”, sendo
que somente suas conseqüências de segunda ordem são levadas em conta, isto é,
aquelas que afetam o nível de bem estar, a curto prazo, de outros agentes.
Este mecanismo de ajuste implica que a tecnologia e as preferências (e,
implicitamente, a distribuição de renda) são tomadas como parâmetros não físicos
que determinam uma posição de equilíbrio onde se ajustam as variáveis físicas das
quantidades de bens e serviços ambientais usados (a escala) quando o correto seria,
ao contrário, tomar estas quantidades como os parâmetros físicos aos quais deverão
se ajustar as variáveis não físicas da tecnologia e das preferências. Estes parâmetros
de sustentabilidade, por sua vez, só podem ser socialmente definidos. A
determinação de uma escala sustentável, da mesma forma que uma distribuição
justa de renda, envolve valores outros que a busca individual de maximização do
ganho ou do bem estar, como a solidariedade inter e intra-gerações, valores estes
que têm que se afirmar num contexto de controvérsias e incertezas cientificas
decorrentes da complexidade dos problemas ambientais globais. São por estas
razões, portanto, que a determinação da escala que se considere sustentável só pode
ser realizada através de processos coletivos de tomada de decisão.
Desse modo, sem uma intervenção coletiva que defina a escala que a
sociedade considere sustentável, a melhoria da qualidade ambiental induzida pela
degradação ambiental (a curva de Kuznets ambiental) tende a se limitar àquela
degradação que afeta a curto prazo o nível de bem estar dos agentes (como a
provocada pelas emissões de gazes sulfurosos, de particulados, o despejo de esgoto
doméstico, etc.), deixando de lado aquela cujos efeitos envolvem custos mais
dispersos e de longo prazo, como é o caso por exemplo da degradação provocada
Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 102, set. 2001. 15
pela emissão de dióxido de carbono causadora do efeito estufa (ver Arrow et al.
1995). De modo geral, portanto, o declínio da poluição associado ao aumento da
renda se deveu a reformas institucionais locais, tais como legislação ambiental e
incentivos baseados em mecanismos de mercado, que não consideram suas
conseqüências internacionais e intergeracionais. Em outras palavras, essas reformas
não contribuem para evitar os problemas quando seus custos são suportados pelas
populações (via de regra pobres) de outros países ou pelas futuras gerações, ou seja,
não levam em conta os proble mas relacionados à justiça distributiva e à escala.
3 Capitalismo e meio ambiente
Como foi mencionado, a grande dificuldade para a adoção de uma atitude
precavida de buscar estabilizar o nível de consumo de recursos naturais está em que
esta estabilização pressupõe uma mudança de atitude que contraria a lógica do
processo de acumulação de capital em vigor desde a ascensão do capitalismo. Para
melhor compreender esta dificuldade é preciso ter em mente o que representou a
ascensão do sistema capitalista, comparado com o sistema feudal anterior, em
relação à atitude da sociedade face à produção e ao consumo.
Sob muitos aspectos, pode-se dizer que as organizações e instituições
feudais representavam uma espécie de expressão organizacional e institucional de
motivações não econômicas e/ou altruístas da sociedade. Isto porque através destas
instituições e organizações a sociedade feudal buscava submeter as atividades
produtivas a minuciosas regulações que refletiam o que ela entendia ser justo, de
acordo como uma determinada ordem considerada ideal: desde regras detalhadas de
apropriação dos recursos naturais e especificações técnicas sobre como produzir
para garantir uma determinada qualidade, passando pela regulação da quantidade a
ser produzida, até a determinação da distribuição do excedente e/ou do preço que
seria justo. Ou seja, era uma sociedade que buscava submeter a racionalidade
econômica a um conjunto de restrições de ordem não econômica e/ou altruísta.
O que caracteriza a ascensão das sociedades capitalistas modernas é, como
assinala Gorz (1991), precisamente a abolição destas restrições (de caráter religioso,
estético, cultural e social) às quais a racionalidade econômica estava subordinada.
Com o capitalismo, portanto, o uso dos recursos tanto os humanos como os naturais
passa a ter quase nenhum controle social. Esta liberação de todo tipo de restrição
regulatória da atividade econômica teve o efeito positivo de intensificar fortemente
o dinamismo tecnológico já presente na sociedade feudal (Box 4). O lado negativo,
entretanto, foi a enorme exploração do trabalho que se seguiu e que atingiu níveis
hoje inimagináveis, dando margem a uma grande reação intelectual e
organizacional expressa principalmente pelos movimentos socialistas e sindicais.
16 Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 102, set. 2001.
Em razão destes movimentos, pouco a pouco uma série de restrições à exploração
do trabalho foram sendo introduzidas, na forma de leis e regulações diversas
(limitação da jornada de trabalho, proibição do trabalho infantil, salário mínimo,
férias remuneradas, etc.). Como observa Daly (1996), algumas destas leis e
regulações são baseadas em princípios medievais, tais como o princípio escolástico
do preço justo.
Box 4
Tecnologia e civilização ocidental
O dinamismo tecnológico do Ocidente embora tenha se amplificado imensamente com a
ascensão do sistema capitalista baseado na propriedade privada dos meios de produção, decorre
de certos valores e instituições peculiares à Civilização Ocidental, presentes também desde o
início do feudalismo.
De um lado encontra-se sua visão antropocêntrica sobre o sentido da presença humana na terra
derivada da cosmologia judaico-cristã, na qual os seres humanos foram criados por Deus à sua
imagem e semelhança e aos quais toda a terra e seus recursos estão submetidas. Como
assinalam vários historiadores, esta visão representou uma extraordinária mudança de
mentalidade na história da humanidade e contribuiu para uma atitude fortemente pró-ativa no
sentido de manipular e transformar a natureza, inventando novos métodos e procedimentos.
De outro lado situa-se a fragmentação territorial e, dentro das regiões, a divisão de poder entre
o centro (a coroa) e o senhor feudal local, implicando a existência de multiplos centros de
decisão. Este fato representou um estímulo à inovação na medida em que tornou possível para
os agentes inovadores barganhar suas idéias com dirigentes em competição mútua.
Estas especificidades da Civilização Ocidental explicam o fato de que já durante o feudalismo
havia uma estrutura singular de incentivos para realizar o potencial de ganhos do progresso
técnico quando comparada com as civilizações contemporâneas, que não apenas estimulava a
criatividade tecnológica (invenções) como também o tipo de criatividade que tinha expressão
econômica (inovações), reduzindo o desgaste do trabalho e elevando o bem estar material da
população em geral.
Na antiguidade clássica as estruturas institucionais e organizacionais foram suficientes para
promover as condições para a expansão comercial. Mas o crescimento econômico resultante foi
relativamente limitado e beneficiou apenas uma pequena elite. As evidências provam que esta
civilização possuía potencial intelectual para criar aparelhos e instrumentos complicados, mas
apenas uma fração deste potencial se traduziu em progresso econômico. A Civilização
Islâmica, por sua vez, absorveu e aplicou as realizações culturais de outras civilizações, mas
não foi capaz desenvolve-las, transformando-as em fonte de dinamismo tecnológico com
expressão econômica. Ou ainda a Civilização Chinesa, onde a sofisticação intelectual e
estrutura institucional foram eficientes em prover os incentivos para uma expansão econômica
regular através do crescimento populacional, mas que também beneficiou apenas uma pequena
minoria. Sua grande inventividade também não teve muita expressão econômica.
Ver Jones (1993), Mokyr (1990), Landes (1997), Rosenberg & Birdsell (1986), White (1968),
entre outros.
Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 102, set. 2001. 17
Em relação aos recursos naturais só muito recentemente os agentes
econômicos passaram a sofrer restrições em relação à forma como os vinham
usando. Ainda assim, como foi visto, estas restrições regulatórias se concentraram
fundamentalmente sobre aquelas atividades cujos efeitos degradantes atingia m a
qualidade de vida das populações em seus locais de origem. A aceitação, por parte
destas populações (concentrada nos países afluentes), de restrições ambientais que
envolvam algum tipo de sacrifício em benefício de populações de outros países e/ou
de um futuro longínquo implica, forçosamente, uma certa dose de altruísmo.8
No esquema analítico convencional este tipo de altruísmo não existe, dado
seu postulado sobre o comportamento humano (como egoísta e maximizador de
utilidade). Nesse contexto analítico, a atitude da presente geração em relação ao
futuro é vista fundamentalmente como um problema de alocação intertemporal de
recursos entre gerações, a qual é regulada pelo que Howard & Norgaard (1995)
chamam de “laissez-faire” altruísta, onde cada geração busca deixar uma herança
para a geração seguinte. Os modelos de “gerações entrelaçadas” (overlaping
generations), por exemplo (Figura 3), consideram que a convivência em cada
momento de várias gerações (pais, filhos e netos) permitiria o estabelecimento de
uma “cadeia altruísta” entre gerações, através da qual as gerações futuras poderiam
ter seu padrão de vida preservado das conseqüências da degradação ambiental
provocada por seus antepassados.
Figura 3
O problema destes modelos é que eles ignoram o fato básico de que as
conseqüências dos problemas ambientais globais recairão muito mais à frente no
tempo, sobre uma descendência remota de cada família.9 Portanto, o sentimento
altruísta necessário para induzir atitudes solidárias em relação a gerações tão
distantes no tempo (e tão diferentes geneticamente) só pode ser um sentimento não
(8) Parte desta seção se baseia em Romeiro (2000).
(9) Daly & Cobb (1988) observam que em 5 gerações cada membro da ultima será um descendente de 16
pessoas de diferentes origens. Desse modo, não faz muito sentido alguém se preocupar e tomar alguma atitude em
relação a deixar uma herança para descendentes longinquos (contendo apenas 1/16 de sua herança genética).
1 2 3 4
5
18 Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 102, set. 2001.
filial de desprendimento. No entanto, se este sentimento existe, então o bem estar
das gerações futuras se torna um bem público e, como tal, exige uma ação coletiva
da sociedade organizada para evitar que esta transferência de recursos entre
gerações venha a ser considerada injusta (Marglin, 1963 e Sen, 1982). Para Daly
(1996), este sentimento existe nos seres humanos e pode ser estimulado através de
ações culturais/educacionais, principalmente (mas não exclusivamente) com o
apoio das grandes tradições religiosas, uma vez que todas possuem um conteúdo
importante em relação a uma gestão cuidadosa e responsável dos recursos naturais.
O progresso científico e tecnológico na avaliação dos impactos ambientais e
sua contabilização monetária são elementos importantes neste processo de educação
e conscientização ecológica. Para autores como Siebenhuener (1999), a educação
ambiental poderia também ser programada para despertar sentimentos amigáveis
em relação à natureza que foram geneticamente condicionados. Segundo ele, a
psicologia evolucionária mostrou que a constituição biológica e, em grande medida,
a psicológica também, do homem moderno foi formada há cerca de 40 mil anos
atrás, quando os seres humanos eram caçadores e coletores. O modo como os seres
humanos reagem emocionalmente, sua sexualidade, seu desejo de exercer
atividades que tenham algum significado, bem como seus sentimentos em relação à
natureza, evoluíram e se estabilizaram até esta época.
Estes sentimentos, juntamente certos “programas” mentais que regulam
reações imediatas em casos de perigo, fome, sede, desejo sexual, etc., não estão
submetidos ao controle consciente, e foram importantes para a sobrevivência da
espécie humana e se transmitem geneticamente através das gerações. Em relação à
natureza, a sensação de simpatia, beleza e paz que esta desperta em muitas pessoas
refletiria, portanto, um sentimento geneticamente condicionado, o qual se encontra
amortecido pelo peso de um determinado desenvolvimento cultural, mas que
poderia ser reativado através da educação.
Existe também um conjunto de fatores, não estritamente ecológicos, que
podem ter um papel coadjuvante importante numa mudança de valores sócio -
culturais que permita a adoção de padrões de consumo mais equilibrados
ecologicamente. Como chama a atenção Abramovitz (1993), estes fatores têm
contribuído para abalar a firme convicção, prevalecente até os anos 60, de que o
crescimento econômico era condição necessária e suficiente para o bem estar.
Destes fatores vale ressaltar três em especial: os riscos ligados à qualidade de
produtos essenciais (como os alimentos), a própria idéia de que o aumento da
Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 102, set. 2001. 19
afluência material implica sempre no aumento do bem estar e a difusão do
sentimento de que o sistema é eficiente mas não produz justiça.
No que concerne o primeiro desses fatores, o caso recente da “vaca louca” é
um dos mais emblemáticos dos problemas que resultam da dinâmica de
funcionamento das sociedades industriais modernas. A lógica econômica
prevalecente induziu as firmas do agro-negócio a um busca por inovações na área
de nutrição animal que reduzissem custos, inovações estas que foram aprovadas
pelos órgãos reguladores com base em critérios científicos estabelecidos para a
determinação de padrões de segurança. Este caso mostrou de modo claro e
espetacular um tipo de relação de causa e efeito (entre a forma de produzir o
alimento e a doença) que até então tinha sido muito difícil de provar. No início dos
anos 60, Rachel Carson (1962) já havia descrito, como uma hipótese científica, uma
relação similar de causa e efeito, que foram os efeitos de novas substâncias
químicas sintéticas sobre os ecossistemas e os seres humanos a qual, no entanto, o
stablishment do agro-negócio foi capaz durante muito tempo de desqualificar
relativamente perante a opinião pública e as próprias autoridades responsáveis pela
qualidade alimentar.
Em relação ao segundo fator, o questionamento da idéia de que “mais é
sempre melhor” começou nos Estados Unidos quando repetidos surveys (Gallup e
National Opinion Research Center) mostraram que o crescimento da renda não foi
acompanhado de um aumento da felicidade das pessoas tal como elas percebiam
isto. Os resultados destas pesquisas foram analisados por Richard Easterlin, que
descobriu a seguinte situação: uma correlação positiva, no mesmo período de
tempo, entre nível de renda e grau de felicidade declarada à medida que se sobe na
escala de renda (ou seja, uma maior proporção de pessoas se declaram felizes nos
extratos superiores de renda); entretanto, em séries temporais essa correlação não
existe: a proporção de pessoas se declarando felizes permanece constante.
O primeiro caso não surpreende, até certo ponto, na medida em que sair da
pobreza e ampliar a capacidade de acesso a bens e serviços é sempre um motivo de
alívio e satisfação. O segundo resultado é algo paradoxal (o “paradoxo de
Easterlin”), mas pode ser explicado, segundo Abramovitz (1993), por um conjunto
de fatos psico-culturais. Um dos mais importantes seria o fato de que a satisfação
que cada indivíduo obtém com o aumento de sua capacidade de consumo é relativa
à capacidade de consumo dos demais concidadãos; ou seja, se a renda aumenta para
a sociedade como um todo, a percepção do aumento da capacidade de consumo se
esvanece. Assim, o cidadão americano dos anos 90 embora tenha uma capacidade
20 Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 102, set. 2001.
de consumo muito superior à de seu avô ou bisavô, não a percebe como algo para
fazê-lo mais feliz por isso.
Outro fato apontado refere-se à teoria psicológica contemporânea, segundo
a qual tanto animais como seres humanos encontram prazer na ação ou experiência
nova, e não na rotina. Para os humanos a aquisição de um novo bem pode produzir
também esta sensação. O problema está, então, em que esta sensação desaparece
com o uso rotineiro do bem adquirido. A implicação perturbadora desta teoria é que
ela diz que o nível de satisfação não depende (ou pelo menos não depende somente)
do nível de renda mas do seu crescimento. Tudo o mais constante, nós teríamos que
crescer cada vez mais rápido se quisermos ser mais felizes ou manter-nos crescendo
de modo a ficar no mesmo lugar.
É preciso considerar também, como um fato importante, que o aumento
geral do nível de renda eleva os preços do espaço e do tempo, de modo que a
família média com a renda se elevando não poderá nunca consumir muito mais de
espaço-tempo do que ela consumia antes ou que imaginava poder consumir.
Provavelmente consumirá menos. A pessoa média não importa quão rica ela se
torne não poderá nunca comandar o serviço de outra pessoa média. Finalmente,
cabe notar que o aumento do preço do tempo em relação ao dos bens direciona as
pessoas para o consumo que, além de não as satisfazer por muito tempo, diminui a
disponibilidade tempo para as atividades que, estas sim, seriam verdadeiramente
estimulantes e realizadoras, de relacionamentos pessoais e sociais, desenvolvimento
intelectual, artístico, cultural, etc.
No que se refere ao terceiro fator, os protestos cada vez mais intensos
contra a globalização em cada encontro entre chefes de Estado e/ou seus
representantes para discutir temas correlatos vêm se tornando emblemáticos do
sentimento de que o sistema pode ser eficiente mas não produz justiça. O
crescimento da afluência, a amplificação mediática e, sobretudo o acesso à
informação séria e a possibilidade de interação proporcionada pela Internet,
aumentaram em muito a proporção da população que pode participar do que antes
era uma espécie de “alta cultura” de contestação. Para muitos analistas isto mudou o
papel da cultura adversária na sociedade contemporânea, provocando a uma
disjunção inédita entre economia e cultura.
Esse quadro geral já deu origem a uma mudança importante no
funcionamento das instituições com o crescimento do peso do que se convencionou
chamar de terceiro setor (social empowerment) no processo de tomada de
Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 102, set. 2001. 21
decisões.10 Sua atuação, por sua vez, tem sido extremamente importante também
para o aprofundamento do processo de conscientização ecológica e da conseqüente
mudança de valores culturais que esta conscientização tende a estimular. Nesse
sentido, estão sendo criadas as condições objetivas que vão permitir o surgimento
de novas instituições capazes de impor restrições ambientais que atinjam mais
profundamente a racionalidade econômica atual. Um exemplo disso é a
possibilidade de aplicação do chamado “princípio de precaução”, que será discutido
na próxima seção.
4 Dinâmica da tomada de decisões sob incerteza
Como mostra Ewald (1997), as circunstâncias históricas que explicam a
emergência do Princípio da Precaução começam com a mudança da percepção de
risco da população decorrente da crescente complexidade da civilização industrial.
Durante o século XIX a obrigação moral de cada cidadão em relação a si próprio e
aos demais concidadãos era vista como mais importante do que as obrigações
jurídicas. O cidadão virtuoso era responsável e prudente no uso de sua liberdade o
que implicava, para começar, tomar as necessárias providências para proteger a ele
e a sua família. Em relação aos demais concidadãos ele devia o respeito e o
sentimento de responsabilidade moral de ajudar em caso de necessidade. Estava
claro, de qualquer modo, que se uma pessoa de desse mal na vida ela não poderia
culpar ninguém nem a sociedade por sua desgraça. As vítimas de infortúnios,
independentemente dos sentimentos de compaixão que pudessem despertar, eram
sempre supostas serem os únicos atores de seu destino, devendo agir em
conseqüência sendo prudentes.
Durante o século XX, com o sistema de seguridade social, as obrigações
legais tenderam a se tornar mais importantes que as obrigações morais. Um
conjunto de novos direitos sociais emergiu do sentimento crescente de que cada
cidadão possuía uma espécie de direito geral de ser compensado pelos danos
resultantes de quase todo tipo de eventos em sua vida. Esta nova maneira de pensar
resultou em grande medida de um sentimento utópico em relação à capacidade da
ciência e da tecnologia de prever e controlar todos os riscos. Foi o que permitiu a
estruturação de sistemas de proteção social, que se baseiam na presunção de que
(10) Opschoor (1992) propõe substituir a dicotomia mercado-governo pela tricotomia: transações (que
inclui o mercado) – força social (empowerment) – governo. Somente desse modo seria possível criar estruturas
institucionais eficientes, isto é, capazes de redirecionar o crescimento econômico no sentido da sustentablidade.
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todos os riscos são mensuráveis. Desse modo, um sentimento de solidariedade
social baseado em riscos mensuráveis substituiu o sentimento individual de
obrigação moral.
Os acidentes de trabalho, por exemplo, passaram a ser considerados como
fatores de risco mensuráveis, e não eventos singulares que resultam de erros
individuais. Foi esta noção que induziu a uma nova visão jurídica que estabeleceu o
direito de ser indenização pelo fato em si mesmo, independentemente de suas
causas; ou seja, a responsabilidade pessoal do indivíduo não é questionada. Nesse
sentido, o problema da igualdade foi reformulado em termos econômicos e não
mais morais.
No ultimo quartel do século XX, entretanto, esta estrutura institucional se
tornou progressivamente inadequada em face dos novos riscos decorrentes do
funcionamento das sociedades industriais complexas os quais, especialmente os
relacionados ao meio ambiente, são impossíveis de serem mensurados pela ciência.
A noção de incerteza substituiu a noção de probabilidade, o que significa uma
admissão da incapacidade da sociedade em prever perdas catastróficas irreversíveis.
A ciência se tornou crescentemente questionada pelo fato de levantar, nesses casos,
mais dúvidas do que propor soluções. Foi isto que levou a sociedade a buscar
segurança em meio à incerteza através do Princípio da Precaução.
A aplicação desse princípio tem por objetivo precisamente tratar de
situações onde é necessário considerar legítima a adoção por antecipação de
medidas relativas a uma fonte potencial de danos sem esperar que se disponha de
certezas científicas quanto às relações de causalidade entre a atividade em questão e
o dano temido. 11 Esta postura representa efetivamente uma ruptura com as práticas
anteriores de prevenção que tinham o conhecimento racional por fundamento (o
arsenal científico e tecnológico da ciência normal). A Precaução, ao contrário,
implica tomar uma certa distância em relação à ciência e a tecnologia. Reflete
efetivamente a constatação de que não se pode ter o controle total (ou quase) de
acidentes e problemas que não são decorrências estatísticas regulares do próprio
funcionamento do sistema, tratáveis via sistemas de seguros, mas representam
situações e problemas onde predomina o sentimento da singularidade e
irreparabilidade.
(11) Ou como coloca Perrings (1991), o tipo de decisão à qual se aplica o Princípio da Precaução é aquela
para a qual a distribuição de probabilidades dos resultados futuros não pode ser conhecida com confiança.
Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 102, set. 2001. 23
Para um melhor entendimento das dificuldades e hesitações sobre como
interpretar o Princípio de Precaução, Godard (1997) assinala que é preciso
considerar que a mutação, ainda não plenamente assumida, da compreensão do
status dos conhecimentos científicos (mutação essa da qual esse Princípio é uma das
causas), implica o abandono da crença positivista em uma ciência que reflete o
mundo objetivo e sua substituição por concepções que fazem da ciência , antes de
mais nada, uma componente da cultura humana, marcada de escolhas e
compromissos de natureza ético-social no próprio cerne da constituição dos
conhecimentos. Nesse sentido, uma concepção positivista da Precaução conduziria
a um impasse prático. Mas ao mesmo tempo ficam claros os erros que são
cometidos quando o projeto da racionalidade positiva é totalmente afastado.
Portanto esse Princípio se situa na articulação de duas lógicas opostas: de
um lado, se encontra reafirmada a busca do enraizamento da inovação tecnológica e
da ação econômica no conhecimento científico dos riscos de modo a que as
decisões públicas sejam tomadas em todo conhecimento de causa; por outro lado, se
reconhece a incapacidade freqüente do conhecimento científico em fornecer em
tempo hábil as bases adequadas para uma decisão pública positivamente ou
substantivamente racional, fundada sobre provas científicas. Por esta razão a
Precaução é freqüentemente interpretada como um meio de restaurar a primazia do
político na definição dos problemas e na oportunidade de engajar uma ação pública.
A primeira das duas lógicas leva ao aumento da necessidade de
informações científicas para as decisões coletivas e, por conseguinte, a uma maior
responsabilidade e capacidade de influência dos cie ntistas. A segunda à necessidade
de maior ingerência da sociedade nos assuntos científicos (a intrusão do judiciário
nos assuntos científicos, uma maior importância dos trabalhos de sociologia da
ciência, etc.), tornando a ciência submetida de modo mais in tenso às estratégias de
influência ou de cooptação. A única maneira de evitar um impasse entre essas duas
lógicas opostas é, portanto, buscar soluções de compromisso que envolvam todas a
partes interessadas.
As circunstâncias que justificam a adoção do princípio da precaução podem
ser melhor compreendidas através de uma analogia, proposta por J. C. Hourcade
(1997), que compara o comportamento de dois motoristas em situações distintas:
aquele do piloto de fórmula 1 diante de uma série de curvas na pista de corrida com
aquele do motorista numa estrada de montanha no inverno. A “função objetiva” do
piloto de fórmula 1é maximizar a velocidade num contexto de incertezas não
desprezíveis em relação, por exemplo, à presença ou não de óleo ou areia na curva,
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à aderência dos pneus ou ao comportamento do piloto da frente. Mas sua decisão
depende de sua experiência acumulada, a qual lhe confere um tipo de conhecimento
estatístico e, nesse sentido, seu comportamento seria similar a um cálculo de
otimização: ele opta desde logo por uma dada trajetória que ele considera ótima
tendo em conta, implicitamente, a distribuição de probabilidades sobre parâmetros
incertos, confiando na própria experiência para permanecer no limite das
possibilidades de adaptação permitidas por seus reflexos. Este comportamento
equivale à aplicação de uma análise custo-benefício para decidir por uma dada
política ambiental.
No caso do motorista diante de curvas numa estrada de montanha no
inverno, seu comportamento de maximização será completamente diferente em
relação ao que teria numa pista de corrida. Ele não irá escolher desde logo uma
dada trajetória que ele considere ótima e ir em frente: os riscos são muito grandes,
pois ele não sabe se o que vai limitar suas possibilidades de adaptação numa curva
sobre um precipício será uma pista escorregadia ou a vinda de outro carro no
sentido contrário; a distribuição de probabilidades é desconhecida e a informação
útil (existência ou não de problemas na pista ou vinda de veículo em sentido
contrário) pode chegar tarde demais devido a inércia do veículo. Sua opção,
portanto, será um processo seqüencial no qual as primeiras decisões visam a
aumentar o tempo disponível para adquirir mais informações e ter tempo para
adaptar seu comportamento em função da informação obtida: tirar o pé do
acelerador, frear ligeiramente e ficar preparado para frear mais fortemente em caso
de necessidade ou acelerar no caso contrário. Ou seja, ele age de modo a
harmonizar a velocidade do carro com a melhoria da informação numa perspectiva
de aprendizagem. Esta é a analogia correta para definir um comportamento
precavido em face de problemas ambientais como aquele do “efeito estufa”, cuja
evolução a ciência deixa os tomadores de decisão numa nuvem de incertezas, não
tendo respostas para a questão central: se é verdade que o aquecimento global tem
origem antropogênica e que este aquecimento não pode ser naturalmente revertido
(a controvérsia sobre estes dois pontos está longe de acabar), qual o ritmo de
redução das emissões de carbono necessário para evitar uma catástrofe?
Do ponto de vista da redução do risco, o ideal seria mudar imediatamente a
matriz energética, de modo a eliminar rapidamente a emissão de gases geradores do
efeito estufa. Do ponto de vista político/econômico, entretanto, esta opção teria um
custo insuperável. A atitude Precavida é, portanto, aquela de reduzir o máximo
possível as emissões, enquanto se aceleram as pesquisas científicas destinadas a
Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 102, set. 2001. 25
avaliar melhor os riscos envolvidos e encontrar alternativas de energia limpa.
Entretanto, a definição do qual seria este máximo possível é controvertida, opondo
considerações de ordem político/econômica a considerações de ordem técnocientífica,
em meio a conflitos de interesses entre grupos e países.
Em ultima instância, a decisão sobre o quanto se irá pagar pela redução das
emissões dependerá da solidariedade das gerações presentes, concentradas nos
países afluentes, em relação às gerações futuras e às populações dos países pobres.
A relutância dos governos americanos em relação ao Protocolo de Kyoto, por
exemplo, reflete em ultima análise o sentimento de que a opinião pública americana
não aceitaria pagar este preço – que implicaria, entre outras coisas, o aumento no
preço da gasolina!
Portanto, o processo de tomada de decisões sobre a aplicação do Princípio
de Precaução não é simples, mas exige certos tipos de procedimentos. Funtowicz &
Ravetz (1991) propõem uma classificação e hierarquização destes procedimentos de
acordo com a importância do que está em jogo e com o nível de incerteza sistêmica
(Figura 4). O caso do “efeito estufa”, apresenta níveis “epistemológicos” de
incerteza (algo próximo da ignorância), no sentido de que esta incerteza decorre da
incapacidade ciência de eliminá-la ou reduzi-la a níveis razoáveis. Além disso, o
que está em jogo é algo muito importante, que representa perdas catastróficas.
Neste caso, o procedimento de tomada de decisão adequado deve ser baseado no
que eles chamam de ciência “pós-normal”.
O “pós-normal” quer dizer além do normal no sentido de que os
procedimentos usuais baseados na ciência (“normal”) não são suficientes, embora
continuem necessários, para orientar o processo de tomada de decisão. Funtowicz e
Ravetz propõem ampliar a “comunidade de pares” para incluir, além de cientistas e
especialistas, outras partes interessadas (stakeholders) que podem incluir desde
representantes de regiões e/ou países que serão mais gravemente afetados pelos
impactos ambientais previstos de um determinado problema (no caso, as
conseqüências do aquecimento da terra), passando por jornalistas e outros agentes
que, embora não sejam cientistas, podem ter informações relevantes (inclusive
cientificamente) para a tomada de decisão. A consideração destas informações
representa a inclusão de “fatos extendidos” (extended facts) que em circunstâncias
usuais ficariam de fora.
Uma vez que se chega a um consenso sobre os limites para determinado
tipo de impacto, que neste caso trata -se da definição das taxas de redução das
emissões, novas decisões se impõem embora com níveis menores de incerteza:
26 Texto para Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 102, set. 2001.
metodológica e técnica. A incerteza metodológica, neste caso, ocorre por exemplo
quando se vai decidir entre as opções de política energética de um país para atender
aos limites negociados. Ainda não é uma decisão que se possa tomar como um
resultado incontestável de uma análise científica, pois entram em jogo valores e
confiabilidade. É necessário chegar a um compromisso de equilíbrio entre opções
tecno-científicas e os interesses em jogo. Trata-se, portanto, de um processo que
exige “arte” além de ciência, um tipo de “arte aprendida” como a medicina ou a
engenharia, a ser levado à cabo por grupos de especialistas. Finalmente, a incerteza
técnica aparece em situações que podem ser enfrentadas com o recurso a rotinas
padrão derivadas de estatísticas e suplementadas por técnicas e convenções
desenvolvidas para cada campo em particular como, por exemplo, no processo de
otimização de uma dada opção energética.
Figura 4
O que está em jogo no processo de decisão
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