quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

As vezes, omitir é mentir.
                                                                                                                                     Quarta-feira, 11 de janeiro de 2006
coluna Empresa-Cidadã
Paulo-Márcio de Mello

As vezes, omitir é mentir. Como no caso do conceito de desenvolvimento sustentável.

O conceito de desenvolvimento sustentável foi apresentado no relatório da Comissão mundial da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, denominado “Nosso futuro comum”, editado pela Oxford University Press, em março de 1987.

De lá para cá, este conceito tornou-se o mais repetido entre as várias finalidades da responsabilidade social empresarial. Ele foi definido como aquele (desenvolvimento) que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades.

O que tem sido repetidamente omitido quando o conceito de desenvolvimento sustentável é apresentado no contexto da responsabilidade social é que ele apresenta dois aspectos que devem ser priorizados. Um deles, o de necessidade, refere-se explicitamente às necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a máxima prioridade. O outro aspecto prioritário é o do impedimento do meio ambiente em atender às necessidades presentes e futuras, considerando as limitações da tecnologia e da organização social.

Quando define o desenvolvimento sustentável, o relatório da Comissão mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento, também chamada Comissão Brundtland, referência à Sra. Gro Harlem Brundtland que a presidiu, não se omitiu ao afirmar que, nos países subdesenvolvidos, as necessidades básicas de grande número de pessoas não estão sendo atendidas e que estas pessoas aspiram legitimamente a uma qualidade de vida melhor.

Não se omitiu ao afirmar também que as necessidades são determinadas social e culturalmente, ou seja, são construídas pelos padrões de consumo e por costumes vigentes nos vários países e não por motivos naturais. Padrões de consumo e costumes, assim como são construídos, podem ser destruídos e reconstruídos, muitas vezes por necessidade de sobrevivência.

O conceito de desenvolvimento sustentável inclui explicitamente entre as possíveis necessidades de sobrevivência a promoção de valores que mantenham os padrões de consumo dentro dos limites das possibilidades ecológicas a que todos podem aspirar, de modo razoável. Nada mais contrário ao desenvolvimento sustentável do que a concentração da renda e da riqueza e a iniqüidade, inerentes à coexistência da atividade produtiva com a disseminação da pobreza.

O desenvolvimento sustentável é incompatível com a crença desenfreada nas possibilidades da tecnologia. Se é verdade que problemas imediatos podem ser resolvidos por ela, é verdade também que outros ainda maiores podem ser gerados, como o da marginalização de amplos segmentos da população pelo seu uso inadequado.

O relatório aponta que as intervenções humanas em sistemas naturais, até há pouco em pequena escala, já sugerem que desvios de cursos d’água, extrações minerais, emissões de gases nocivos na atmosfera e geração de calor e manipulação genética em escala maior ameaçam os sistemas que sustentam a vida. O desenvolvimento sustentável é, portanto, incompatível com a exposição dos sistemas naturais ao risco.

 Para que o desenvolvimento sustentável ocorra é necessário que as mudanças no ecossistema físico, decorrências inevitáveis do crescimento e do desenvolvimento econômico, controlem os impactos sobre os recursos renováveis e sobre os recursos não-renováveis. Em relação aos primeiros, a produtividade sustentável deve considerar a os limites de regeneração, de crescimento natural, da complexidade e da interligação entre os ecossistemas.

Em relação aos recursos não-renováveis, o uso deve considerar a disponibilidade, a possibilidade de controlar o esgotamento e a possibilidade de obtenção de substitutos, quer pela elevação de custos e redução de retornos econômicos, quer pela disponibilidade que será legada às gerações futuras.

O relatório “Nosso futuro comum” propõe objetivos para as políticas de desenvolvimento e ambientais, derivados do conceito de desenvolvimento sustentável. Entre outros, estão o crescimento econômico, a alteração da qualidade do desenvolvimento, o atendimento às necessidades de essenciais de emprego, de alimentação, de água, de energia e de saneamento, a manutenção de um nível populacional sustentável, a conservação e a melhoria da base de recursos naturais renováveis e não-renováveis, a reorientação da tecnologia e a inclusão do meio ambiente e da economia no processo de tomada de decisões. Uma pauta tão atual hoje quanto em 1987.

Paulo-Márcio de Mello
paulomm@paulomm.pro.br
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

EMPRESA-CIDADÃ
é uma coluna publicada, desde 2001, toda quarta-feira, no jornal Monitor Mercantil


Através dela, são discutidos conceitos relativos à responsabilidade social corporativa,
apresentados casos de sucesso de empreendedores e empresas-cidadãs,
pesquisas, resenhas e agenda de eventos.