(In) Justiça Fiscal
Entre os maiores
desafios que os cidadãos brasileiros enfrentam,
está a mudança
na política fiscal, em busca da equidade,
da cidadania
plena
e da
sustentabilidade.
Algumas questões
podem resumir as preocupações mais frequentes.
O brasileiro
paga muito imposto?
O exercício da
cidadania tem relação com a política fiscal?
Os tributos podem
induzir melhores práticas
de
sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável?
blog
do professor paulo márcio
economia&arte
paulo márcio de mello
28 de outubro de 2013
O brasileiro paga muito imposto?
A arrecadação administrada pela
Superintendência da Receita Federal (SRF) atingiu, em agosto deste ano, a cifra
de R$82.017 milhões, que representa um acréscimo nominal sobre a arrecadação do
mesmo mês, em 2012, de 8,68%. Deflacionada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo,
representa um acréscimo real de 2,44%, em relação ao mesmo mês, do ano
anterior.
A arrecadação acumulada, de janeiro até
agosto, no ano de 2013 alcançou a marca de R$696.421 milhões, superior em 1,15%
(corrigida pelo IPCA) ao acumulado dos mesmos meses, no período, de 2012, de
R$647.219 milhões.
A arrecadação federal administrada por
outros órgãos, no período compreendido entre janeiro e agosto de 2013, atingiu
R$25.813 milhões, inferior em 7,87% (corrigida pelo IPCA) à arrecadação
correspondente ao mesmo período de 2012, quando alcançou R$26.357 milhões.
Os tributos federais que mais
contribuíram para o acumulado entre janeiro e agosto de 2013 foram a Receita
Previdenciária, com R$209.268 milhões (R$203.951 milhões, em 2012); a
COFINS/PIS-PASEP, com R$158.947 milhões (R$152.700 milhões, em 2012); o
IRPJ/CSLL, com R$128.805 milhões (R$124.289 milhões, em 2012); o
IRRF-Rendimentos do Trabalho, com R$52.209 milhões (R$53.150 milhões, em 2012);
o IRRF-Rendimentos do Capital, com R$20.436 milhões (R$22791 milhões, em 2012);
o IPI (Exceto vinculado), com 20.738 milhões (R$21.404 milhões, em 2012); o
IOF, com R$19.492 milhões (R$22.354 milhões, em 2012); o IRRF-De Residentes no
Exterior, com R$10.259 milhões (R$9.387 milhões, em 2012) e a
CIDE-Combustíveis, com R$8 milhões (R$2.945 milhões, em 2012). As Demais
Receitas alcançaram R$83.369 milhões (R$82.594 milhões, em 2012).
Neste ano, o Impostômetro, criado pela
Associação Comercial de São Paulo, registrou a ultrapassagem da marca de R$1
trilhão de tributos arrecadados, em 27 de agosto. Em 2012, esta marca foi
atingida em 29 de agosto e, assim como acontece desde que o Impostômetro foi
apresentado, a marca do trilhão é alcançada cada vez mais cedo. No primeiro ano
(2008), só foi atingida em 29 de dezembro.
Na composição do trilhão de tributos,
somados, os tributos federais representam R$ 691 bilhões, equivalentes a 69,08%
do total. Individualmente, no entanto, o tributo que mais pesa é o ICMS
(estadual), com R$207 bilhões. Os tributos estaduais somaram R$253 bilhões
(25,25%) e os tributos municipais totalizaram R$57 bilhões, que correspondem a
5,66%.
Do total da arrecadação, a região
Sudeste responde por 63,52%. Seguem as regiões Sul, com 13,41%, Centro-Oeste,
com 10,61%, Nordeste, com 9,07% e Norte, com 3,39%.
São Paulo é o estado líder em arrecadação,
com 37,58%. Seguem o Rio de Janeiro, com 16,17%; Minas Gerais, com 6,98%;
Distrito Federal, com 6,92%; Paraná, com 5,38% e Rio Grande do Sul com 4,91%. O
Acre, com 0,12% do total; Amapá, com 0,11% e Roraima, com 0,09%, são os estados
onde menos tributos federais foram arrecadados.
No ano passado, a carga tributária
representou 36,27% do PIB de R$4,402 trilhões. Os tributos federais
corresponderam a 25,38% do PIB; os estaduais 8,96% e os municipais 1,93%. Em
2002, os tributos federais correspondiam a 23,11% do PIB, os estaduais 8,27% e
os municipais 1,27%, perfazendo uma carga de 32,64% do PIB de R$1,477 trilhão.
Em 1992, de um PIB de R$355 bilhões, os tributos federais representaram 17%, os
estaduais representaram 7,4% e os municipais 0,98%, no total de 25,38% do PIB.
O Instituto Brasileiro de Planejamento
Ambiental (IBPT; www.ibpt.org.br) estima que a arrecadação tributária de 2013 alcançará
R$1,620 trilhão, nominalmente superior à de 2012, em 2%.
Os contribuintes brasileiros pagam mais ou menos
tributos
do que os contribuintes de outros países?
Para concluir se os brasileiros pagam
muito de impostos, os números que vimos ainda representam pouco. É necessário o
estabelecimento de algumas referências. Uma das possibilidades é a comparação com
outros países.
O relatório “Estatísticas sobre Receita
na América Latina”, publicado em 13.11.2012, pelo Centro Interamericano de
Administrações Tributárias (CIAT) e pela Comissão Econômica para a América
Latina e Caribe (Cepal), aponta que, em 2010, a
relação média (não ponderada) entre a arrecadação tributária e o PIB de 15
países latino-americanos selecionados foi de 19,4%.
Entre os países da América Latina, o Brasil, então com 32,2% do PIB (33,56,
segundo a SRF), só foi ultrapassado pela Argentina (33,5%).
Entre os 34 países da OCDE, a mesma
relação média (arrecadação/PIB) foi de 33,8%. O Brasil está mais próximo da
média observada no âmbito da OCDE. Nesta comparação, foi o 17º colocado, com a
relação arrecadação/PIB mais alta do que Austrália, Canadá, Japão, Nova
Zelândia, Espanha, Suíça e Estados Unidos, entre outros.
Em 2012, foram observados os seguintes
percentuais da arrecadação, calculados sobre o PIB, para alguns países, como
exemplos: Dinamarca (48,2%), Suécia (46,4%), Itália (43,5%), Bélgica (43,2%), Finlândia
(43,1%), Áustria (42,8%), França (41,9%), Noruega (41%), Hungria (39,1%),
Eslovênia (37,9%), Luxemburgo (37,5%), Alemanha (37%), República Tcheca (34,8%)
e Brasil (36,3%).
O tamanho da carga tributária,
ou comparações internacionais da relação
tributos/PIB,
são suficientes como medida da justiça fiscal?
Preliminarmente, quatro considerações
podem ser feitas para avaliar se o peso da carga tributária sobre o cidadão é
iníqua ou justa. É o caso de considerar as características de progressividade
ou regressividade do sistema tributário (tributos e gastos públicos,
simultaneamente). Ou considerar a participação de tributos diretos e indiretos
na composição da receita fiscal. Ou considerar também a ênfase que se atribui
aos diferentes princípios que orientam a criação dos tributos. Ou ainda considerar
a quantidade e a qualidade de serviços oferecidos, como retorno proporcionado
pelos tributos arrecadados, nas formas de serviços públicos (indivisíveis) de
justiça, defesa e preservação ambiental, ou de serviços públicos divisíveis e
geradores de economias externas (meritórios), de educação, saúde, transporte,
comunicação, preservação ambiental, e outros.
Arrecadação e gastos públicos progressivos ou
regressivos?
A primeira consideração é sobre as
características da arrecadação (tributos), quanto à progressividade ou
regressividade. Ou seja, o Estado arrecada mais de quem tem renda mais alta
(tributos progressivos), ou de quem tem renda mais baixa (tributos
regressivos)? Na primeira hipótese, as alíquotas (relação percentual entre o
valor do tributo e a renda) devem aumentar, à medida que a renda aumenta
(progressivas) e, na segunda hipótese,
as alíquotas diminuem (regressivas).
Simultaneamente, para se avaliar se o
sistema tributário é progressivo ou regressivo, o mesmo tipo de análise cabe em
relação aos gastos públicos. Diferentes alternativas poderão ser identificadas,
quanto ao aspecto distributivo, a saber.
A) uma arrecadação progressiva pode ter
os seus efeitos distributivos anulados por uma estrutura de gastos igualmente
progressivos;
B) uma arrecadação progressiva pode ter
os seus efeitos distributivos potencializados por uma estrutura de gastos
regressivos;
C) uma arrecadação regressiva pode ter
os seus efeitos concentradores compensados por uma estrutura de gastos
progressivos; e
D) uma arrecadação regressiva pode ter
os seus efeitos concentradores aumentados por uma estrutura de gastos também
regressivos.
Tributos diretos ou indiretos?
A segunda consideração refere-se à
participação relativa de tributos diretos ou tributos indiretos na composição
da receita tributária. Inicialmente, recorda-se aqui o que os conceitos
significam. Tributos indiretos são aqueles em o contribuinte não é responsável
pelo ônus do tributo, calculados sobre os preços de bens e serviços, enquanto
tributos diretos são aqueles em que o contribuinte é também o responsável pelo
ônus do tributo, calculado sobre renda (fluxo) ou riqueza (estoque ou
patrimônio).
São exemplos de tributos diretos o
Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU, municipal), o Imposto sobre a
Propriedade de Veículo Automotor (IPVA, estadual), ou o Imposto sobre a Renda
Pessoa Física (IRPF, federal). De tributos indiretos, são exemplos o Imposto
sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS, estadual) e o Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI, federal).
Os tributos indiretos são mais fáceis de
serem “escondidos” nos preços das mercadorias. Quem sabe, por exemplo, que do preço
de uma bola de futebol, 46,49% são impostos? Ou que, do preço de um cartucho de
videogame, 72,18% são impostos? Ou ainda, que 15,52% do preço de um livro são
representados por impostos, incidentes sobre folha de pagamentos e sobre o
lucro, apesar de livros terem imunidade fiscal no processo produtivo.
Entre os responsáveis pela instituição
ou cobrança de tributos, muitos preferem passar despercebidos. Diferentemente,
do que ocorre quando as prefeituras distribuem as guias de cobrança do IPTU, ou
entre os governantes estaduais, quando é hora do contribuinte recolher o IPVA,
ou ainda, como ocorre com o governo federal, quando é o mês de pagar o IRPF.
Assim, no Brasil, o peso dos tributos indiretos na composição da receita fiscal
é alta.
A preferência da ação fiscal pelos
tributos indiretos implica em um prejuízo para a equidade, por que o peso deste
tipo de imposto no preço dos bens e serviços é o mesmo, independentemente da
renda de quem adquire os mesmos bens e serviços. Ou seja, o tributo é mesmo,
para ricos ou pobres.
O relatório “Estatísticas sobre Receita
na América Latina”, publicado em 13.11.2012, pelo Centro Interamericano de
Administrações Tributárias (CIAT) e pela Comissão Econômica para a América
Latina e Caribe (Cepal), aponta que, em 2010, a carga tributária é mais pesada
no Brasil do que no resto da América Latina, pelos critérios comparáveis,
principalmente por causa de tributos indiretos.
Os impostos sobre bens e serviços corresponderam
a 14,2% do fluxo de produto produzido no país em 2010, ante uma média de 9,9%
para os 15 países comparados da região. A carga de tributos indiretos no Brasil
superou inclusive a média da OCDE, que alcançou 11%.
Os impostos sobre propriedade também
representaram maior fatia do PIB no Brasil (1,9%) do que entre os países da OCDE
(1,8%). Na média latino-americana, estes tributos atingiram 0,8% do PIB.
A tributação sobre a renda no Brasil, equivalente
a 6,9% do PIB, também superou a média latino-americana (4,8%), mas ficou aquém
da média dos países da OCDE, onde os tributos sobre salários, lucros, juros e
outros fluxos de rendimentos chegaram, em média, 11,3% do PIB.
O nível de contribuições previdenciárias
também foi mais alto na OCDE (9,1%) do que no Brasil (8,4%) e na média das
nações latino-americanas selecionadas (3,6%).
Alguns países utilizam uma forma de
cobrar tributos indiretos, mas sem escondê-los nos preços das mercadorias. A
forma consiste em destacar o tributo do preço, muito mais pedagógica na
formação da cidadania. No Brasil, a Lei 12.741, de 8 de dezembro de 2012,
dispõe, em seu artigo 1º, que “Emitidos por ocasião da venda ao consumidor de
mercadorias e serviços, em todo território nacional, deverá constar, dos
documentos fiscais ou equivalentes, a informação do valor aproximado
correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja
incidência influi na formação dos respectivos preços de venda.”
No penúltimo artigo, a lei dispõe que “Decorrido
o prazo de 12 (doze) meses, contado do início de vigência desta Lei, o
descumprimento de suas disposições sujeitará o infrator às sanções previstas no
Capítulo VII do Título I da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. (Redação
dada pela Lei nº 12.868, de 2013)” e, no último artigo, que “Esta Lei entra em
vigor 6 (seis) meses após a data de sua publicação”. Ou seja, a partir de 9 de
junho de 2014. É um passo importante, ainda que preliminar, para a cidadania
fiscal.
Princípios considerados na hora de tributar
A terceira consideração é sobre os princípios
que o legislador leva em conta, quando institui um tributo. Entre os mais
frequentes está o princípio do benefício. Por este, a tributação deve incidir
mais sobre aquele que é mais beneficiado pela ação do Estado. Algumas
dificuldades, no entanto, são interpostas quando se considera o princípio do
benefício. Uma delas é que a atividade pública, também pode ser de caráter
corretivo, compensando alguma forma de omissão ou distorção imposta
anteriormente a um segmento social. Assim, não caberia cobrar a ação do setor
público do beneficiado.
Há também um contra-argumento,
relacionado ao fato de que, assim como realiza melhorias na vida dos cidadãos,
pelas quais é possível pretender que o Estado seja ressarcido, ele também pode
piorar as condições de vida de outros segmentos. Ademais, o nível de renda de
eventuais beneficiados pode ser insuficiente para financiar a atividade pública
através dos tributos.
Neste caso, invoca-se com frequência outro
princípio, o da capacidade de contribuição. Independentemente do benefício
recebido pelo cidadão, ele pode ser chamado a contribuir com o financiamento da
atividade pública, uma benemerência imposta.
De fato, apesar da medida do benefício
recebido pelo cidadão, ou da sua capacidade de pagamento, predomina com
frequência um princípio de produtividade dos tributos. Prioriza-se, neste caso,
a resposta do tributo em recursos arrecadados, considerando a sua base de
cálculo, o fato gerador e outros fatores que influenciam a incidência da
cobrança. Entre os outros fatores, inclui-se o conflito existente entre os
diferentes grupos sociais, na medida da capacidade ou do poder de cada um de
afastar de si o ônus de remunerar o Estado.
Os benefícios recebidos correspondem aos tributos
pagos?
Uma quarta consideração pode ser feita,
sobre a comparação entre o peso dos tributos que o cidadão paga ao Estado e o
retorno recebido pelos pagamentos, na forma de serviços públicos. Recorrendo-se
a conclusões do “Estudo
sobre Carga Tributária/PIB X IDH”, realizado pelo Instituto Brasileiro de
Planejamento Tributário (IBPT), é possível complementar este entendimento.
O estudo hierarquiza trinta países, entre os quais
o Brasil, conforme desempenho baseado no “Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade”
(Irbes), criado pelo IBPT. O indicador é o resultado de um cálculo que leva em
conta a carga tributária, divulgada pela Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Quanto maior o
valor do Irbes, melhor é o retorno da arrecadação dos tributos para a
população.
O melhor desempenho junto ao Irbes é o
da Austrália, que alcançou 164,18 pontos, para a relação de tributos em relação
ao PIB de 25,9% e IDH de 0,929. Seguem os EUA, com 163,83 pontos, para a
relação tributos/PIB de 24,80% e IDH de 0,910. A seguir, apresenta-se a Coréia
do Sul, com 162,38 pontos, para a relação tributos/PIB de 25,1% e IDH de 0,897.
Como quarto melhor desempenho, figura o Japão, com índice de 160,65, para a
relação tributos/PIB de 26,9% e IDH de 0,901. A relação dos cinco melhores
desempenhos é complementada com a Irlanda, com o Irbes de 159,98, para a
relação tributos/PIB de 28% e IDH de 0,908.
Estes países são sucedidos por Suíça (157,49),
Canadá (156,53), Nova Zelândia (156,19), Grécia (153,69), Eslováquia (153,23),
Israel (153,22), Espanha (153,18), Uruguai (150,30), Alemanha (149,72),
Islândia (149,59), Argentina (149,40), República Tcheca (148,39), Reino Unido
(146,96), Eslovênia (146,79), Luxemburgo (146,49), Noruega (145,94), Áustria
(141,93), Finlândia (141,56), Suécia (141,15) e Dinamarca (140,41).
Os cinco últimos posicionados, segundo o
desempenho no Irbes, são França, com 140,52, para a relação tributos/PIB de 43,15%
e IDH de 0,884; Hungria, com 140,37, para a relação tributos/PIB de 38,25% e
IDH de 0,816; Bélgica, com 139,94, para a relação tributos/PIB de 43,8% e IDH
de 0,886; e Itália, com 139,84, para a relação tributos/PIB de 43% e IDH de
0,874.
Na última posição, na comparação entre o
peso dos tributos que o cidadão paga ao Estado e o retorno recebido pelos
pagamentos, expressa pelo Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade” (Irbes), está o Brasil,
com 135,83 pontos, para a relação tributos/PIB considerada de 35,13% e IDH de
0,718.
COFINS, CIDE, CSLL, CPSS ... A sopa de letras das
contribuições
A complexidade do tema permitiria a
inclusão de outras considerações. É o caso da modalidade de tributos
representada pelas contribuições, muito importantes na composição da receita
tributária. Elas são recolhidas compulsoriamente e, como qualquer outro
imposto, são devidas a partir de um fato gerador que permite quantificar a base
de cálculo.
De
janeiro até agosto deste ano, as contribuições somaram R$218.450 milhões,
equivalentes a 31,05% do total da arrecadação tributária consolidada, enquanto
a arrecadação do terceiro maior elemento da receita fiscal, o Imposto de Renda
(IRPF), representa 27,37% do total, e a arrecadação do segundo maior elemento,
as Receitas Previdenciárias, representa 29,74% do total.
Entre
as contribuições, de janeiro a agosto deste ano, a de maior arrecadação foi a
Contribuição para o Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das
Atividades de Fiscalização (FUNDAF, criado pelo DL 1.437/75). Arrecadou
R$364.382 milhões, destinados a “fornecer
recursos para financiar o reaparelhamento e reequipamento da Secretaria da
Receita Federal, a atender aos demais encargos específicos inerentes ao
desenvolvimento e aperfeiçoamento das atividades de fiscalização dos tributos
federais e, especialmente, a intensificar a repressão às infrações relativas a
mercadorias estrangeiras e a outras modalidades de fraude fiscal ou cambial,
inclusive mediante a instituição de sistemas especiais de controle do valor
externo de mercadorias e de exames laboratoriais”.
Segue a Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social (COFINS), criada pela LC 70/91 e regida pela
Lei 9.718/98. De janeiro a agosto deste ano, arrecadou R$125.581 milhões. São
contribuintes da COFINS as pessoas jurídicas de direito privado em geral,
inclusive as pessoas a elas equiparadas pela legislação do Imposto de Renda,
exceto as microempresas e as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples
Nacional. A base de cálculo da COFINS é a totalidade das receitas auferidas
pela pessoa jurídica, sendo irrelevante o tipo de atividade por ela exercida e
a alíquota é de 7,6%.
A terceira maior arrecadação entre as
contribuições é da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), criada
pela Lei 7.689/88 e regida pela Lei 8981/95. São contribuintes da CSLL as
pessoas jurídicas e as pessoas físicas a elas equiparadas. A alíquota da CSLL é
de 9% para as pessoas jurídicas em geral e de 15%, no caso das pessoas jurídicas
consideradas instituições financeiras, de seguros privados e de capitalização,
na maioria dos casos. A apuração da CSLL acompanha a forma de tributação do
lucro, adotada para o IRPJ. Destina-se ao financiamento da seguridade social. Arrecadou
R$44.093 milhões, no período de janeiro até agosto.
A quarta maior arrecadação entre as
contribuições, de janeiro a agosto, é a da Contribuição para o Programa de
Integração Social e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP).
No período, foram arrecadados R$33.365 milhões, destinados a financiar o pagamento do seguro desemprego, abono e
participação na receita dos órgãos e entidades para os trabalhadores. Incide sobre o faturamento das pessoas jurídicas de direito privado (até 3%), sobre o
pagamento da folha de salários para entidades de relevância social e a
arrecadação mensal de receitas correntes e o recebimento mensal de recursos,
para entidades de direito público. A base de cálculo e fato gerador da
contribuição são complexos.
Pelo tamanho da arrecadação, segue a
Contribuição do Plano de Seguridade do Servidor (CPSS), instituída pela Lei no
10.887/2004. É devida por todo servidor público ativo dos Poderes da União,
incluídas suas autarquias e fundações. Destina-se à manutenção do regime de
previdência social. A alíquota de 11% incide sobre a totalidade da base de
contribuição. No mesmo período de janeiro a agosto, a arrecadação da CPSS
atingiu R$15.359 milhões.
Por último, aparece a Contribuição de
Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), instituída pela Lei no
10.336/2001. No período de janeiro a agosto, a CIDE arrecadou R$8 bilhões. Incide
sobre a importação e a comercialização de gasolina, diesel, querosene de
aviação, óleos combustíveis, GLP (inclusive os derivados de gás natural e de
nafta) e álcool etílico combustível. O fato gerador é combustível em geral e os
contribuintes são refinarias, laboratórios de pesquisa, importadores de
combustíveis. A arrecadação é distribuída entre a União (71%), estados e DF
(29%), proporcionalmente à extensão da malha rodoviária, à população e ao
consumo de combustíveis. Os recursos devem ser aplicados em programas de
infraestrutura de transportes, programas ambientais contra a poluição derivada
do uso de combustíveis ou, contraditoriamente, a subsidiar a compra de
combustíveis.
A recente escalada das contribuições na
composição da receita tributária deve ser cotejada com os efeitos que este
fenômeno produz nas transferências constitucionais a estados e municípios. A
cultura e a tradição autoritária institucional brasileiras, concentra nas mãos
do governo federal a maior parte dos recursos arrecadados compulsoriamente, na
forma de tributos. Com isso, necessidades de recursos de estados e municípios, para
serem atendidas, subordinam estas instâncias administrativas aos trâmites da
máxima “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”.
Parte significativa dos impostos
federais é recolhida com a prévia disposição constitucional de repartição com
estados, municípios e Distrito Federal. Os principais mecanismos utilizados
para esta função são o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo
de Participação dos Municípios (FPM), conforme disposto no artigo 159, da CF 88,
além do Imposto Territorial Rural (ITR), do Imposto Sobre Operações
Financeiras/Ouro (IOF/Ouro), do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) e do Fundo de Compensação
pela Exportação de Produtos Industrializados (FPEX).
O FPE foi
criado em 1967. É formado por 21,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e
do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A distribuição dos recursos
utiliza como critério o direcionamento da maior parte para as Unidades da
Federação com renda menor. Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste recebem
85% dos recursos e os 15% restantes são direcionados para os estados das
regiões Sul e Sudeste.
A quota correspondente a cada Unidade da
Federação é regulada por um índice calculado pelo Tribunal de Contas da União
(TCU), conforme disposto no artigo 5º, da LC 62/89. A população e a renda per
capita são fatores determinantes para os cálculos. No exercício findo em 2012,
o total distribuído pelo FPE alcançou R$49,5 bilhões. Os créditos devem ser
feitos a cada dez dias [www.stn.fazenda.gov.br/estados_municipios/transferências_constitucionais.asp].
Em julho do ano em curso, o governo
publicou nova lei de distribuição do FPE, mantendo os critérios de composição
do fundo por 21,5% da arrecadação do IR e do IPI e o de distribuição orientada,
diretamente, pelo tamanho da população dos estados e, inversamente, pelo nível
de renda domiciliar per capita de cada unidade federativa, cabendo 85% para os
estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e 15% para os estados das
regiões Sul e Sudeste.
O texto publicado traz um só veto feito
pela Presidência da República ao projeto encaminhado pelo Congresso. Foi vetada
a exclusão dos efeitos da renúncia fiscal de IPI, praticada pelo governo
federal, da parte transferida a estados e municípios. O ônus da renúncia fiscal
incidiria exclusivamente sobre a parte da receita correspondente ao governo
federal. O texto foi votado e publicado em corrida contra o tempo, para atender
o prazo estipulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e evitar a suspensão de
repasses, na falta de uma nova regra. O STF, em 2010, considerou-a
inconstitucional por valer-se informações demográficas desatualizadas. As
regras de rateio dos recursos do FPE serão mantidas até 2015 e, a partir de
2016, ficam assegurados aos estados os mesmos valores obtidos em 2015, sendo o
excedente corrigido pelo IPCA e por 75% da variação do PIB.
Casos recentes
Para ilustrar a maneira como é feita a política
fiscal no Brasil, dois casos recentes podem ser citados. Um deles é o chamado
Refis da Crise e o segundo é o da desidratação da dívida dos estados e
municípios.
O primeiro é o da aprovação da Medida Provisória
no 615/2013, em setembro deste ano, conhecida como Refis da Crise. Sob
o pretexto de compensar perdas de empresas exportadoras, supostamente
prejudicadas pela crise econômica deflagrada em 2008 e pelo câmbio valorizado,
o Congresso aprovou renúncia fiscal estimada em R$ 45 bilhões, em benefício de
bancos e grandes corporações (estima-se que só a VALE poderia ser beneficiada
em até R$ 30 bilhões). O governo abre mão de multa, juros de mora e aceita o pagamento de 20% de
débitos fiscais à vista ou em 60 parcelas sem juros.
Outro caso, de 23 de outubro passado, é o da
“desidratação” da dívida dos estados, para utilizar a expressão cunhada pelo
Ministro da Fazenda, Guido Mantega, sobre a aprovação, pela Câmara, da
alteração do critério de correção das dívidas de estados e municípios.
Atualmente, as Unidades da Federação pagam as dívidas ao governo federal, conforme
enquadramento em uma das categorias seguintes, corrigidas pelo Índice Geral de
Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) mais 6% ao ano; ou IGP-DI mais 7,5%
aa; ou ainda IGP-DI mais 9% aa. Atualmente, os estados pagam, em serviços das
suas dívidas, cerca de 13% a 14% da receita corrente líquida, em média. O texto
ainda precisa ser votado no Senado.
Com o texto aprovado na Câmara, os devedores passarão
a pagar as dívidas corrigidas pela taxa básica de juros (Selic), atualmente em
9,5% aa, mesmo índice utilizado pelo governo federal para rolar a sua dívida,
ou pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% aa, optando-se pelo
que for menor. Dívidas dos estados de Goiás, Maranhão, Espírito Santo, Mato
Grosso, Alagoas, Rio Grande do Sul, Bahia, Santa Catarina, Minas Gerais, Pará,
Rio de Janeiro, Pernambuco e São Paulo, além do DF, existentes desde 1993,
também obedecerão aos novos critérios.
O Ministro da Fazenda estima que, em 2013, a
renúncia será de R$15 bilhões. Ressalta que uma resolução existente, do
Conselho Monetário Nacional (CMN), assegurará o rigor no controle do
endividamento de estados e municípios.
Já o Fundo Monetário Internacional (FMI), no
relatório divulgado em 23 de outubro, mostra preocupação com o que classificou
de “erosão” da estrutura fiscal do país. Segundo o relatório, a Lei Complementar
no 101, de 4 de maio de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, foi determinante
para a manutenção da estabilidade macroeconômica.
Esta lei estabeleceu normas de finanças públicas
voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Cap. II,
Título VI, da CF 88. A LC 101/2000, pode ser ilustrada por seu Artigo 11, que
prevê que “Constituem requisitos essenciais da
responsabilidade na gestão fiscal a instituição,
a previsão e a efetiva arrecadação de
todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação”.
O relatório do FMI acrescenta que “Em
anos recentes, no entanto, tem havido uma crescente dependência em ganhos
extraordinários e ‘ajustadores’ para alcançar a meta fiscal (...) Essas ações e
políticas começaram a minar a credibilidade dessa estrutura e a reverter a
tendência de queda da dívida nacional”.
O relatório critica que, nos últimos quatro
anos, o governo se utilizou de procedimentos contábeis, para caracterizar a
meta fiscal, como nos casos da compra, pelo BNDES,
de dividendos que a União teria direito a receber da Eletrobras; a emissão de
R$ 42,9 bilhões, em títulos públicos para pagar a sua parte da capitalização da
Petrobras; o posterior recebimento de R$ 74,8 bilhões da Petrobras; e o
pagamento de dividendos do BNDES e da Caixa Econômica Federal. O FMI sugere a
redução da dívida como percentual do PIB.
Conclusão
Política fiscal também mata?
A política fiscal é reconhecida por suas
possibilidades como instrumento de políticas de produção de bens indivisíveis
(bens públicos) e de bens divisíveis (meritórios, como educação, saúde e
segurança alimentar), de políticas de promoção da estabilidade de preços e de
emprego de fatores de produção (como trabalho e capital), de políticas de indução
da eficiência empresarial e da eficácia na alocação de recursos, de políticas
de distribuição da renda e da riqueza, de políticas de equilíbrio externo e de políticas
de crescimento e de desenvolvimento econômico.
Além disso, a política fiscal pode ser indutora da
cidadania (ou não). É o caso do tratamento dado à presença e à (in)visibilidade
dos tributos indiretos na arrecadação, por exemplo. Ou também, na combinação de
instrumentos da política fiscal (e da política monetária), que beneficiam ou
penalizam de forma diferenciada os agentes econômicos. O efeito de medidas
econômicas sobre os diferentes atores é consequência da capacidade da expressão
política destes nas relações de poder.
A declaração do professor da UnB, economista Dércio
Garcia Munhoz, sobre o aumento acumulado de 1,75 na taxa básica de juros (Selic,
sigla de Sistema Especial de Liquidação e Custódia), nos últimos doze meses,
ilustra a questão das relações de poder. A pretexto de combater a elevação dos
preços, a subida da Selic elevou o estoque da dívida pública em cerca de R$40
bilhões. Ou seja, muito mais do que o governo anunciou como bônus de assinatura
pago pelo consórcio vencedor do leilão do campo de petróleo de Libra.
Com o mesmo objetivo, outras medidas poderiam ter
sido executadas, alternativamente. Mas, no dizer do economista, “Quando remuneramos o estoque da dívida é benesse ao capital financeiro,
para sustentar um sistema insustentável.” Se a Selic aumenta, quem perde são os
tomadores de empréstimos e financiamentos, que ficam mais caros (cheque
especial, consignado, cartão de crédito, etc). Ganham, portanto, os rentistas
(remunerados por juros) e, como a taxa de câmbio fica mais apreciada
(“valorizada”), ganham também os importadores.
A política fiscal também pode servir de indutora da
sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável. Nos últimos anos, o governo
federal praticou a renúncia fiscal, na forma de redução do IPI incidente sobre
veículos automotivos, para estimular o funcionamento da economia, no cenário
agudo da crise pós 2008. Foram R$ 2,370 bilhões de renúncia, equivalentes à
redução de 25,64% na arrecadação deste imposto.
De acordo com o Anuário da Indústria
Automobilística Brasileira (ANFAVEA, 2013), da produção de 3.415.486 veículos
automotores, em 2012, São Paulo respondeu por 41,5%, Minas Gerais por 25,2%, o
Paraná por 15,4%, o Rio Grande do Sul por 6,1%, a Bahia por 5,6%, o Rio de
Janeiro por 4,4% e Goiás por 1,9%. Estes estados, beneficiados com a produção
estimulada pela renúncia fiscal, contrastam com outros que, não dispondo dos
segmentos industriais seletivamente contemplados pelas medidas de política
fiscal, dependem da quota parte do Fundo de Participação dos Estados (FPE),
reduzida pela queda da arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados,
um dos formadores do FPE.
A reiterada afirmação de que o enfrentamento das
mudanças climáticas é prioritário, como se ouviu durante a RIO+20 (2012), é
questionada por estas medidas recentes de redução do IPI sobre veículos
automotores (transporte individual), adotadas unilateralmente pelo governo
federal, sem negociar, junto às corporações montadoras de veículos, qualquer
contrapartida compensatória de melhoria de desempenho ambiental dos veículos.
Em São Paulo, no site do Movimento São
Paulo Merece Um Ar Mais Limpo, é possível encontrar dados que dão conta de que,
nos últimos dois anos, mais de 20 mil crianças e de 8 mil idosos foram
internados, em decorrência de problemas respiratórios, relacionados à poluição
atmosférica na capital de São Paulo.
Outra fonte, a pesquisa divulgada pelo
Instituto Saúde e Sustentabilidade indica que a poluição promovida por veículos
automotores causa cerca de 4,6 mil mortes, por ano, nesta cidade. Acrescenta que
o custo de atendimento de pacientes tratados em consequência da poluição
veicular pode chegar a R$1 bilhão, anualmente.
As condições políticas de receptividade
da opinião pública para que se avance no caminho da substituição das condições
de acessibilidade nas cidades estão dispostas. A Rede Nossa São Paulo e o Ibope
divulgaram na segunda-feira, 16 de setembro, as conclusões da sétima edição da
pesquisa sobre o tema. Entre elas, consta que, embora tenha aumentado para de
23%, em 2012, para 27%, neste ano, o número de paulistanos que utilizam carro
todos os dias, 91% consideram a poluição como um problema grave ou muito grave
e que o percentual de cidadãos dispostos a não utilizar carro, desde que haja
uma boa alternativa de transporte público, saltou de 44%, em 2012, para 61%, em
2013.
Há, portanto, uma correlação entre a
prática da política fiscal e o anúncio de mais de mais de 4,6 mil mortos, anualmente,
e gastos com saúde superiores a R$ 1 bilhão, ao ano, causados pela poluição na
região metropolitana da maior cidade do país. Até quando?