quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Na União Européia não pode
                                                    
Desde 2003, a vivissecção e o uso de animais
em testes da indústria de cosméticos é proibida,
uma solução ética.
A propósito, você sabe mesmo o que está comendo?
 
blog do professor paulo márcio
 
economia&arte
 
Quarta-feira, 30 de outubro de 2013
coluna EMPRESA-CIDADÃ
por Paulo Márcio de Mello*
 
u      Em 16 de janeiro de 2003, há mais de dez anos, portanto, o Parlamento Europeu aprovou a lei que veta testes de cosméticos em animais, dentro da União Européia (UE), a partir de 2009. Além disso, a lei proíbe a venda, dentro do bloco, de produtos de beleza testados em animais em qualquer outro país.
 
u      A lei, resultante de um acordo firmado entre países membros da EU, em novembro de 2002, permite que apenas três tipos de testes de toxidade continuem, até 2013, prazo estabelecido para possibilitar o desenvolvimento de métodos alternativos.
 
u      O Parlamento Europeu, por uma grande margem de votos, deixou claro que não aceitará mais que animais sofram para o desenvolvimento de produtos direcionados à satisfação da vaidade humana – declarou o deputado britânico Chris Davies.
 
u      Em outros países, os cosméticos, de cremes para as mãos a batons e perfumes, são testados em animais. Defensores dos direitos dos animais estimam que 38 mil morram, anualmente, sem necessidade, em testes de novos produtos.
 
u      Alguns países da UE resistiram inicialmente aos esforços de proibição desses sacrifícios, sob o pretexto de que poderiam ser acusados por países exportadores, de impor barreiras não alfandegárias. Mas a Comissão Européia, órgão executivo da UE, considerou que a lei não viola as regras de comércio internacional, além de deixar um rastro ético no universo.
 
u      No Brasil, a indústria dos cosméticos, um mercado que movimenta mais de R$110 milhões, por ano, em uma época como a que vivemos, de valorização da imagem, está diante de importantes responsabilidades a serem assumidas, tanto no que se refere à destinação final, ambientalmente adequada, das embalagens, quanto na escolha de processos e fornecedores éticos, que não testem em animais. É mais do que tempo dessa gente elegante parar de externalizar custos.
 
u      As mulheres, que correspondem a mais de 90% dos compradores e que são determinantes nas decisões de compras, inclusive dos produtos masculinos serão, por certo, as indutoras dessas mudanças.
 
Você sabe o que está comendo?
 
Existe uma hierarquia ética, relativa ao bem comum, nos produtos oferecidos por uma empresa. Há casos notórios de artigos mal situados na escala, como o fumo, a pornografia e as armas de fogo. Minas terrestres, então, nem pensar.
 
Outros, preventivamente, buscam um reposicionamento estratégico, para não serem atropelados pela crescente disciplina ética, como os alimentos fortemente adoçados, salgados ou gordurosos. Adiam assim o encontro com outra realidade, inevitável, associando suas marcas a outras, mais  saudáveis, procurando diferentes pontos de venda, em que não sejam vistos com as “más companhias”.
 
Geralmente, são recusados pelos investidores institucionais que compõem as suas carteiras com ações de empresas, de acordo com um diferencial ético, ambiental e social, além do econômico. Sem falar dos casos inequívocos, há outros que são jogados prá lá e prá cá, na correnteza de interesses comerciais ou de paixões por marcas, que são como religiões modernas, de muitos consumidores-fiéis.
 
Alguns escondem do conhecimento do consumidor o processo produtivo que agride a ética dos bens. Quem come a carne clara e macia da vitela, por exemplo, sabe o que está comendo?
 
No início, a vitela era obtida de um filhote macho, abatido com 50 quilos, no máximo, assim que começava a comer por conta própria. O pouco peso fornecia pouca carne ou, da perspectiva de negócios, pouca “mercadoria”.
 
Para aumentar a produção, produtores passaram então a deixar os animais em caixotes estreitos de madeira, de 56 cm por 1,37 m, em média, presos pelo pescoço para não se mexerem. No caixote não há palha para se deitarem, para que não a comam. O piso é de ripas distantes umas da outras, para facilitar o escoamento de urina e fezes. Como foi visto recentemente nas baias destinadas aos cães dóceis, da raça beagle, no Instituto Royal, em São Roque (SP).
 
Durante 120 dias, são alimentados com um mingau de leite em pó desnatado, enriquecido com vitaminas, sais minerais e químicos, para que engordem. A sede é fomentada através do aquecimento, para aumentar o interesse pelo mingau. A escuridão faz com que não se agitem e não percam peso. Logo, chegarão aos 200 quilos e seus cadáveres oferecerão a carne macia, clara e cara.
 
Bens produzidos desta forma dificilmente poderiam ser situados favoravelmente em uma escala de hierarquia ética. Mesmo na sociedade em que a ética é do Homem.
 
Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
 
A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados casos de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à responsabilidade social, à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável.
 

O impacto da tributação de alimentos na saúde brasileira
                                                 
O brasileiro enfrenta dificuldades de saúde,
como obesidade, diabetes, hipertensão e outras
que encontram explicação nos seus costumes alimentares.
É possível manobrar a tributação
para melhorar a dieta do brasileiro?
 
blog do professor paulo márcio
 
economia&arte
 
por Ana Luísa Erthal
Aluna de graduação do Instituto de Nutrição da UERJ
30 de outubro de 2013
 
Segundo a Associação de Exportação de Sucos Cítricos (CitrusBR), São Paulo é responsável por quase 90% da produção de laranjas no Brasil. Em 2012 houve uma supersafra de laranjas, onde milhares de quilos da fruta foram jogadas no lixo. Esse desperdício está amplamente relacionado com o perfil nutricional brasileiro, não por questão cultural, mas por uma questão econômica atual.
 
O desperdício das laranjas incluiu diversas causas, porém uma delas é de grande relevância no âmbito nutricional. A concorrência entre bebidas na mesa do brasileiro é algo atualmente preocupante, visto que muitas vezes apresentam altos níveis de açúcar, em um cenário de grande índice de doenças crônicas como a obesidade. Essa concorrência não envolve apenas refrigerantes, mas sucos industrializados que são rotulados como saudáveis para os leigos.
 
Em qualquer restaurante ou lanchonete, é possível ter a prova real de que o consumo de bebidas não-saudáveis não é uma questão de fácil resolução. Uma lata de refrigerante de 350mL custa em média R$2,50 enquanto a mesma quantidade de suco de laranja chega a custar R$7,00. É importante ressaltar que a escolha das bebidas atualmente não envolve somente a questão econômica. Em uma sociedade com cada vez menos tempo livre para parar em uma cozinha e preparar suas refeições, é importante lidar também com a questão da praticidade. Nas prateleiras do super-mercado, encontram-se refrigerantes que  ultrapassam o volume de 3L. A mesma quantidade de suco de laranja demandaria algumas dezenas da fruta.
 
A questão das bebidas açucaradas versus suco de laranja proposta, é justamente propor a conscientização para a questão dos tributos aplicados aos alimentos. Em um país onde existe uma grande escala de produção de laranja, um suco da mesma custa muito mais do que deveria custar. O nível de tributação sobre os produtos e serviços no Brasil é absurdo, e afeta, mesmo que indiretamente, a saúde brasileira. Cabe ao governo estabelecer nova tributação dos alimentos não saudáveis, e tomar medidas mais severas em relação a veiculação de publicidade.
 
Uma pesquisa recente da USP, propõe  impor tributos aos alimentos com alto índice de açúcar, gordura ou sódio, e um aumento no subsídio de alimentos saudáveis, em uma tentativa de reverter o elevado índice de doenças crônicas no Brasil e propor um novo perfil nutricional. Uma interessante proposta final seria tentar inverter a conta: um refrigerante de 350mL a R$7,00 e o suco natural a R$2,50.
 
 


segunda-feira, 28 de outubro de 2013

(In) Justiça Fiscal
                                                    
Entre os maiores desafios que os cidadãos brasileiros enfrentam,
está a mudança na política fiscal, em busca da equidade,
da cidadania plena
e da sustentabilidade.
Algumas questões podem resumir as preocupações mais frequentes.
 
O brasileiro paga muito imposto?
O exercício da cidadania tem relação com a política fiscal?
Os tributos podem induzir melhores práticas
de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável?
 
blog do professor paulo márcio
economia&arte
 
 
paulo márcio de mello
28 de outubro de 2013
 
 
O brasileiro paga muito imposto?
 
A arrecadação administrada pela Superintendência da Receita Federal (SRF) atingiu, em agosto deste ano, a cifra de R$82.017 milhões, que representa um acréscimo nominal sobre a arrecadação do mesmo mês, em 2012, de 8,68%. Deflacionada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo, representa um acréscimo real de 2,44%, em relação ao mesmo mês, do ano anterior.
 
A arrecadação acumulada, de janeiro até agosto, no ano de 2013 alcançou a marca de R$696.421 milhões, superior em 1,15% (corrigida pelo IPCA) ao acumulado dos mesmos meses, no período, de 2012, de R$647.219 milhões.
 
A arrecadação federal administrada por outros órgãos, no período compreendido entre janeiro e agosto de 2013, atingiu R$25.813 milhões, inferior em 7,87% (corrigida pelo IPCA) à arrecadação correspondente ao mesmo período de 2012, quando alcançou R$26.357 milhões.
 
Os tributos federais que mais contribuíram para o acumulado entre janeiro e agosto de 2013 foram a Receita Previdenciária, com R$209.268 milhões (R$203.951 milhões, em 2012); a COFINS/PIS-PASEP, com R$158.947 milhões (R$152.700 milhões, em 2012); o IRPJ/CSLL, com R$128.805 milhões (R$124.289 milhões, em 2012); o IRRF-Rendimentos do Trabalho, com R$52.209 milhões (R$53.150 milhões, em 2012); o IRRF-Rendimentos do Capital, com R$20.436 milhões (R$22791 milhões, em 2012); o IPI (Exceto vinculado), com 20.738 milhões (R$21.404 milhões, em 2012); o IOF, com R$19.492 milhões (R$22.354 milhões, em 2012); o IRRF-De Residentes no Exterior, com R$10.259 milhões (R$9.387 milhões, em 2012) e a CIDE-Combustíveis, com R$8 milhões (R$2.945 milhões, em 2012). As Demais Receitas alcançaram R$83.369 milhões (R$82.594 milhões, em 2012).
 
Neste ano, o Impostômetro, criado pela Associação Comercial de São Paulo, registrou a ultrapassagem da marca de R$1 trilhão de tributos arrecadados, em 27 de agosto. Em 2012, esta marca foi atingida em 29 de agosto e, assim como acontece desde que o Impostômetro foi apresentado, a marca do trilhão é alcançada cada vez mais cedo. No primeiro ano (2008), só foi atingida em 29 de dezembro.
 
Na composição do trilhão de tributos, somados, os tributos federais representam R$ 691 bilhões, equivalentes a 69,08% do total. Individualmente, no entanto, o tributo que mais pesa é o ICMS (estadual), com R$207 bilhões. Os tributos estaduais somaram R$253 bilhões (25,25%) e os tributos municipais totalizaram R$57 bilhões, que correspondem a 5,66%.
 
Do total da arrecadação, a região Sudeste responde por 63,52%. Seguem as regiões Sul, com 13,41%, Centro-Oeste, com 10,61%, Nordeste, com 9,07% e Norte, com 3,39%.
 
São Paulo é o estado líder em arrecadação, com 37,58%. Seguem o Rio de Janeiro, com 16,17%; Minas Gerais, com 6,98%; Distrito Federal, com 6,92%; Paraná, com 5,38% e Rio Grande do Sul com 4,91%. O Acre, com 0,12% do total; Amapá, com 0,11% e Roraima, com 0,09%, são os estados onde menos tributos federais foram arrecadados.
 
No ano passado, a carga tributária representou 36,27% do PIB de R$4,402 trilhões. Os tributos federais corresponderam a 25,38% do PIB; os estaduais 8,96% e os municipais 1,93%. Em 2002, os tributos federais correspondiam a 23,11% do PIB, os estaduais 8,27% e os municipais 1,27%, perfazendo uma carga de 32,64% do PIB de R$1,477 trilhão. Em 1992, de um PIB de R$355 bilhões, os tributos federais representaram 17%, os estaduais representaram 7,4% e os municipais 0,98%, no total de 25,38% do PIB.
 
O Instituto Brasileiro de Planejamento Ambiental (IBPT; www.ibpt.org.br) estima que a arrecadação tributária de 2013 alcançará R$1,620 trilhão, nominalmente superior à de 2012, em 2%.
 
Os contribuintes brasileiros pagam mais ou menos tributos
do que os contribuintes de outros países?
 
Para concluir se os brasileiros pagam muito de impostos, os números que vimos ainda representam pouco. É necessário o estabelecimento de algumas referências. Uma das possibilidades é a comparação com outros países.
 
O relatório “Estatísticas sobre Receita na América Latina”, publicado em 13.11.2012, pelo Centro Interamericano de Administrações Tributárias (CIAT) e pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), aponta que, em 2010, a relação média (não ponderada) entre a arrecadação tributária e o PIB de 15 países latino-americanos selecionados foi de 19,4%. Entre os países da América Latina, o Brasil, então com 32,2% do PIB (33,56, segundo a SRF), só foi ultrapassado pela Argentina (33,5%).
 
Entre os 34 países da OCDE, a mesma relação média (arrecadação/PIB) foi de 33,8%. O Brasil está mais próximo da média observada no âmbito da OCDE. Nesta comparação, foi o 17º colocado, com a relação arrecadação/PIB mais alta do que Austrália, Canadá, Japão, Nova Zelândia, Espanha, Suíça e Estados Unidos, entre outros.
 
Em 2012, foram observados os seguintes percentuais da arrecadação, calculados sobre o PIB, para alguns países, como exemplos: Dinamarca (48,2%), Suécia (46,4%), Itália (43,5%), Bélgica (43,2%), Finlândia (43,1%), Áustria (42,8%), França (41,9%), Noruega (41%), Hungria (39,1%), Eslovênia (37,9%), Luxemburgo (37,5%), Alemanha (37%), República Tcheca (34,8%) e Brasil (36,3%).
 
O tamanho da carga tributária,
ou comparações internacionais da relação tributos/PIB,
são suficientes como medida da justiça fiscal?
 
Preliminarmente, quatro considerações podem ser feitas para avaliar se o peso da carga tributária sobre o cidadão é iníqua ou justa. É o caso de considerar as características de progressividade ou regressividade do sistema tributário (tributos e gastos públicos, simultaneamente). Ou considerar a participação de tributos diretos e indiretos na composição da receita fiscal. Ou considerar também a ênfase que se atribui aos diferentes princípios que orientam a criação dos tributos. Ou ainda considerar a quantidade e a qualidade de serviços oferecidos, como retorno proporcionado pelos tributos arrecadados, nas formas de serviços públicos (indivisíveis) de justiça, defesa e preservação ambiental, ou de serviços públicos divisíveis e geradores de economias externas (meritórios), de educação, saúde, transporte, comunicação, preservação ambiental, e outros.
 
Arrecadação e gastos públicos progressivos ou regressivos?
 
A primeira consideração é sobre as características da arrecadação (tributos), quanto à progressividade ou regressividade. Ou seja, o Estado arrecada mais de quem tem renda mais alta (tributos progressivos), ou de quem tem renda mais baixa (tributos regressivos)? Na primeira hipótese, as alíquotas (relação percentual entre o valor do tributo e a renda) devem aumentar, à medida que a renda aumenta (progressivas) e, na segunda  hipótese, as alíquotas diminuem (regressivas).
 
Simultaneamente, para se avaliar se o sistema tributário é progressivo ou regressivo, o mesmo tipo de análise cabe em relação aos gastos públicos. Diferentes alternativas poderão ser identificadas, quanto ao aspecto distributivo, a saber.
 
A) uma arrecadação progressiva pode ter os seus efeitos distributivos anulados por uma estrutura de gastos igualmente progressivos;
 
B) uma arrecadação progressiva pode ter os seus efeitos distributivos potencializados por uma estrutura de gastos regressivos;
 
C) uma arrecadação regressiva pode ter os seus efeitos concentradores compensados por uma estrutura de gastos progressivos; e
 
D) uma arrecadação regressiva pode ter os seus efeitos concentradores aumentados por uma estrutura de gastos também regressivos.
 
Tributos diretos ou indiretos?
 
A segunda consideração refere-se à participação relativa de tributos diretos ou tributos indiretos na composição da receita tributária. Inicialmente, recorda-se aqui o que os conceitos significam. Tributos indiretos são aqueles em o contribuinte não é responsável pelo ônus do tributo, calculados sobre os preços de bens e serviços, enquanto tributos diretos são aqueles em que o contribuinte é também o responsável pelo ônus do tributo, calculado sobre renda (fluxo) ou riqueza (estoque ou patrimônio).
 
São exemplos de tributos diretos o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU, municipal), o Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA, estadual), ou o Imposto sobre a Renda Pessoa Física (IRPF, federal). De tributos indiretos, são exemplos o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS, estadual) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI, federal).
 
Os tributos indiretos são mais fáceis de serem “escondidos” nos preços das mercadorias. Quem sabe, por exemplo, que do preço de uma bola de futebol, 46,49% são impostos? Ou que, do preço de um cartucho de videogame, 72,18% são impostos? Ou ainda, que 15,52% do preço de um livro são representados por impostos, incidentes sobre folha de pagamentos e sobre o lucro, apesar de livros terem imunidade fiscal no processo produtivo.
 
Entre os responsáveis pela instituição ou cobrança de tributos, muitos preferem passar despercebidos. Diferentemente, do que ocorre quando as prefeituras distribuem as guias de cobrança do IPTU, ou entre os governantes estaduais, quando é hora do contribuinte recolher o IPVA, ou ainda, como ocorre com o governo federal, quando é o mês de pagar o IRPF. Assim, no Brasil, o peso dos tributos indiretos na composição da receita fiscal é alta.
 
A preferência da ação fiscal pelos tributos indiretos implica em um prejuízo para a equidade, por que o peso deste tipo de imposto no preço dos bens e serviços é o mesmo, independentemente da renda de quem adquire os mesmos bens e serviços. Ou seja, o tributo é mesmo, para ricos ou pobres.
 
O relatório “Estatísticas sobre Receita na América Latina”, publicado em 13.11.2012, pelo Centro Interamericano de Administrações Tributárias (CIAT) e pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), aponta que, em 2010, a carga tributária é mais pesada no Brasil do que no resto da América Latina, pelos critérios comparáveis, principalmente por causa de tributos indiretos.
 
Os impostos sobre bens e serviços corresponderam a 14,2% do fluxo de produto produzido no país em 2010, ante uma média de 9,9% para os 15 países comparados da região. A carga de tributos indiretos no Brasil superou inclusive a média da OCDE, que alcançou 11%.
 
Os impostos sobre propriedade também representaram maior fatia do PIB no Brasil (1,9%) do que entre os países da OCDE (1,8%). Na média latino-americana, estes tributos atingiram 0,8% do PIB.
 
A tributação sobre a renda no Brasil, equivalente a 6,9% do PIB, também superou a média latino-americana (4,8%), mas ficou aquém da média dos países da OCDE, onde os tributos sobre salários, lucros, juros e outros fluxos de rendimentos chegaram, em média, 11,3% do PIB.
 
O nível de contribuições previdenciárias também foi mais alto na OCDE (9,1%) do que no Brasil (8,4%) e na média das nações latino-americanas selecionadas (3,6%).
 
Alguns países utilizam uma forma de cobrar tributos indiretos, mas sem escondê-los nos preços das mercadorias. A forma consiste em destacar o tributo do preço, muito mais pedagógica na formação da cidadania. No Brasil, a Lei 12.741, de 8 de dezembro de 2012, dispõe, em seu artigo 1º, que “Emitidos por ocasião da venda ao consumidor de mercadorias e serviços, em todo território nacional, deverá constar, dos documentos fiscais ou equivalentes, a informação do valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços de venda.”
 
No penúltimo artigo, a lei dispõe que “Decorrido o prazo de 12 (doze) meses, contado do início de vigência desta Lei, o descumprimento de suas disposições sujeitará o infrator às sanções previstas no Capítulo VII do Título I da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. (Redação dada pela Lei nº 12.868, de 2013)” e, no último artigo, que “Esta Lei entra em vigor 6 (seis) meses após a data de sua publicação”. Ou seja, a partir de 9 de junho de 2014. É um passo importante, ainda que preliminar, para a cidadania fiscal.
 
Princípios considerados na hora de tributar
 
A terceira consideração é sobre os princípios que o legislador leva em conta, quando institui um tributo. Entre os mais frequentes está o princípio do benefício. Por este, a tributação deve incidir mais sobre aquele que é mais beneficiado pela ação do Estado. Algumas dificuldades, no entanto, são interpostas quando se considera o princípio do benefício. Uma delas é que a atividade pública, também pode ser de caráter corretivo, compensando alguma forma de omissão ou distorção imposta anteriormente a um segmento social. Assim, não caberia cobrar a ação do setor público do beneficiado.
 
Há também um contra-argumento, relacionado ao fato de que, assim como realiza melhorias na vida dos cidadãos, pelas quais é possível pretender que o Estado seja ressarcido, ele também pode piorar as condições de vida de outros segmentos. Ademais, o nível de renda de eventuais beneficiados pode ser insuficiente para financiar a atividade pública através dos tributos.
 
Neste caso, invoca-se com frequência outro princípio, o da capacidade de contribuição. Independentemente do benefício recebido pelo cidadão, ele pode ser chamado a contribuir com o financiamento da atividade pública, uma benemerência imposta.
 
De fato, apesar da medida do benefício recebido pelo cidadão, ou da sua capacidade de pagamento, predomina com frequência um princípio de produtividade dos tributos. Prioriza-se, neste caso, a resposta do tributo em recursos arrecadados, considerando a sua base de cálculo, o fato gerador e outros fatores que influenciam a incidência da cobrança. Entre os outros fatores, inclui-se o conflito existente entre os diferentes grupos sociais, na medida da capacidade ou do poder de cada um de afastar de si o ônus de remunerar o Estado.
 
Os benefícios recebidos correspondem aos tributos pagos?
 
Uma quarta consideração pode ser feita, sobre a comparação entre o peso dos tributos que o cidadão paga ao Estado e o retorno recebido pelos pagamentos, na forma de serviços públicos. Recorrendo-se a conclusões do “Estudo sobre Carga Tributária/PIB X IDH”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), é possível complementar este entendimento.
 
O estudo hierarquiza trinta países, entre os quais o Brasil, conforme desempenho baseado no “Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade” (Irbes), criado pelo IBPT. O indicador é o resultado de um cálculo que leva em conta a carga tributária, divulgada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Quanto maior o valor do Irbes, melhor é o retorno da arrecadação dos tributos para a população.
 
O melhor desempenho junto ao Irbes é o da Austrália, que alcançou 164,18 pontos, para a relação de tributos em relação ao PIB de 25,9% e IDH de 0,929. Seguem os EUA, com 163,83 pontos, para a relação tributos/PIB de 24,80% e IDH de 0,910. A seguir, apresenta-se a Coréia do Sul, com 162,38 pontos, para a relação tributos/PIB de 25,1% e IDH de 0,897. Como quarto melhor desempenho, figura o Japão, com índice de 160,65, para a relação tributos/PIB de 26,9% e IDH de 0,901. A relação dos cinco melhores desempenhos é complementada com a Irlanda, com o Irbes de 159,98, para a relação tributos/PIB de 28% e IDH de 0,908.
 
Estes países são sucedidos por Suíça (157,49), Canadá (156,53), Nova Zelândia (156,19), Grécia (153,69), Eslováquia (153,23), Israel (153,22), Espanha (153,18), Uruguai (150,30), Alemanha (149,72), Islândia (149,59), Argentina (149,40), República Tcheca (148,39), Reino Unido (146,96), Eslovênia (146,79), Luxemburgo (146,49), Noruega (145,94), Áustria (141,93), Finlândia (141,56), Suécia (141,15) e Dinamarca (140,41).
 
Os cinco últimos posicionados, segundo o desempenho no Irbes, são França, com 140,52, para a relação tributos/PIB de 43,15% e IDH de 0,884; Hungria, com 140,37, para a relação tributos/PIB de 38,25% e IDH de 0,816; Bélgica, com 139,94, para a relação tributos/PIB de 43,8% e IDH de 0,886; e Itália, com 139,84, para a relação tributos/PIB de 43% e IDH de 0,874.
 
Na última posição, na comparação entre o peso dos tributos que o cidadão paga ao Estado e o retorno recebido pelos pagamentos, expressa pelo Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade” (Irbes), está o Brasil, com 135,83 pontos, para a relação tributos/PIB considerada de 35,13% e IDH de 0,718.
 
COFINS, CIDE, CSLL, CPSS ... A sopa de letras das contribuições
 
A complexidade do tema permitiria a inclusão de outras considerações. É o caso da modalidade de tributos representada pelas contribuições, muito importantes na composição da receita tributária. Elas são recolhidas compulsoriamente e, como qualquer outro imposto, são devidas a partir de um fato gerador que permite quantificar a base de cálculo.
 
De janeiro até agosto deste ano, as contribuições somaram R$218.450 milhões, equivalentes a 31,05% do total da arrecadação tributária consolidada, enquanto a arrecadação do terceiro maior elemento da receita fiscal, o Imposto de Renda (IRPF), representa 27,37% do total, e a arrecadação do segundo maior elemento, as Receitas Previdenciárias, representa 29,74% do total.
 
Entre as contribuições, de janeiro a agosto deste ano, a de maior arrecadação foi a Contribuição para o Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (FUNDAF, criado pelo DL 1.437/75). Arrecadou R$364.382 milhões, destinados a “fornecer recursos para financiar o reaparelhamento e reequipamento da Secretaria da Receita Federal, a atender aos demais encargos específicos inerentes ao desenvolvimento e aperfeiçoamento das atividades de fiscalização dos tributos federais e, especialmente, a intensificar a repressão às infrações relativas a mercadorias estrangeiras e a outras modalidades de fraude fiscal ou cambial, inclusive mediante a instituição de sistemas especiais de controle do valor externo de mercadorias e de exames laboratoriais”.
 
Segue a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), criada pela LC 70/91 e regida pela Lei 9.718/98. De janeiro a agosto deste ano, arrecadou R$125.581 milhões. São contribuintes da COFINS as pessoas jurídicas de direito privado em geral, inclusive as pessoas a elas equiparadas pela legislação do Imposto de Renda, exceto as microempresas e as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional. A base de cálculo da COFINS é a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevante o tipo de atividade por ela exercida e a alíquota é de 7,6%.
 
A terceira maior arrecadação entre as contribuições é da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), criada pela Lei 7.689/88 e regida pela Lei 8981/95. São contribuintes da CSLL as pessoas jurídicas e as pessoas físicas a elas equiparadas. A alíquota da CSLL é de 9% para as pessoas jurídicas em geral e de 15%, no caso das pessoas jurídicas consideradas instituições financeiras, de seguros privados e de capitalização, na maioria dos casos. A apuração da CSLL acompanha a forma de tributação do lucro, adotada para o IRPJ. Destina-se ao financiamento da seguridade social. Arrecadou R$44.093 milhões, no período de janeiro até agosto.
 
A quarta maior arrecadação entre as contribuições, de janeiro a agosto, é a da Contribuição para o Programa de Integração Social e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP). No período, foram arrecadados R$33.365 milhões, destinados a financiar o pagamento do seguro desemprego, abono e participação na receita dos órgãos e entidades para os trabalhadores. Incide sobre o faturamento das pessoas jurídicas de direito privado (até 3%), sobre o pagamento da folha de salários para entidades de relevância social e a arrecadação mensal de receitas correntes e o recebimento mensal de recursos, para entidades de direito público. A base de cálculo e fato gerador da contribuição são complexos.
 
Pelo tamanho da arrecadação, segue a Contribuição do Plano de Seguridade do Servidor (CPSS), instituída pela Lei no 10.887/2004. É devida por todo servidor público ativo dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações. Destina-se à manutenção do regime de previdência social. A alíquota de 11% incide sobre a totalidade da base de contribuição. No mesmo período de janeiro a agosto, a arrecadação da CPSS atingiu R$15.359 milhões.
 
Por último, aparece a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), instituída pela Lei no 10.336/2001. No período de janeiro a agosto, a CIDE arrecadou R$8 bilhões. Incide sobre a importação e a comercialização de gasolina, diesel, querosene de aviação, óleos combustíveis, GLP (inclusive os derivados de gás natural e de nafta) e álcool etílico combustível. O fato gerador é combustível em geral e os contribuintes são refinarias, laboratórios de pesquisa, importadores de combustíveis. A arrecadação é distribuída entre a União (71%), estados e DF (29%), proporcionalmente à extensão da malha rodoviária, à população e ao consumo de combustíveis. Os recursos devem ser aplicados em programas de infraestrutura de transportes, programas ambientais contra a poluição derivada do uso de combustíveis ou, contraditoriamente, a subsidiar a compra de combustíveis.
 
A recente escalada das contribuições na composição da receita tributária deve ser cotejada com os efeitos que este fenômeno produz nas transferências constitucionais a estados e municípios. A cultura e a tradição autoritária institucional brasileiras, concentra nas mãos do governo federal a maior parte dos recursos arrecadados compulsoriamente, na forma de tributos. Com isso, necessidades de recursos de estados e municípios, para serem atendidas, subordinam estas instâncias administrativas aos trâmites da máxima “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”.
 
Parte significativa dos impostos federais é recolhida com a prévia disposição constitucional de repartição com estados, municípios e Distrito Federal. Os principais mecanismos utilizados para esta função são o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), conforme disposto no artigo 159, da CF 88, além do Imposto Territorial Rural (ITR), do Imposto Sobre Operações Financeiras/Ouro (IOF/Ouro), do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) e do Fundo de Compensação pela Exportação de Produtos Industrializados (FPEX).
 
O FPE foi criado em 1967. É formado por 21,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A distribuição dos recursos utiliza como critério o direcionamento da maior parte para as Unidades da Federação com renda menor. Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste recebem 85% dos recursos e os 15% restantes são direcionados para os estados das regiões Sul e Sudeste.
 
A quota correspondente a cada Unidade da Federação é regulada por um índice calculado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), conforme disposto no artigo 5º, da LC 62/89. A população e a renda per capita são fatores determinantes para os cálculos. No exercício findo em 2012, o total distribuído pelo FPE alcançou R$49,5 bilhões. Os créditos devem ser feitos a cada dez dias [www.stn.fazenda.gov.br/estados_municipios/transferências_constitucionais.asp].
 
Em julho do ano em curso, o governo publicou nova lei de distribuição do FPE, mantendo os critérios de composição do fundo por 21,5% da arrecadação do IR e do IPI e o de distribuição orientada, diretamente, pelo tamanho da população dos estados e, inversamente, pelo nível de renda domiciliar per capita de cada unidade federativa, cabendo 85% para os estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e 15% para os estados das regiões Sul e Sudeste.
 
O texto publicado traz um só veto feito pela Presidência da República ao projeto encaminhado pelo Congresso. Foi vetada a exclusão dos efeitos da renúncia fiscal de IPI, praticada pelo governo federal, da parte transferida a estados e municípios. O ônus da renúncia fiscal incidiria exclusivamente sobre a parte da receita correspondente ao governo federal. O texto foi votado e publicado em corrida contra o tempo, para atender o prazo estipulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e evitar a suspensão de repasses, na falta de uma nova regra. O STF, em 2010, considerou-a inconstitucional por valer-se informações demográficas desatualizadas. As regras de rateio dos recursos do FPE serão mantidas até 2015 e, a partir de 2016, ficam assegurados aos estados os mesmos valores obtidos em 2015, sendo o excedente corrigido pelo IPCA e por 75% da variação do PIB.
 
Casos recentes
 
Para ilustrar a maneira como é feita a política fiscal no Brasil, dois casos recentes podem ser citados. Um deles é o chamado Refis da Crise e o segundo é o da desidratação da dívida dos estados e municípios.
 
O primeiro é o da aprovação da Medida Provisória no 615/2013, em setembro deste ano, conhecida como Refis da Crise. Sob o pretexto de compensar perdas de empresas exportadoras, supostamente prejudicadas pela crise econômica deflagrada em 2008 e pelo câmbio valorizado, o Congresso aprovou renúncia fiscal estimada em R$ 45 bilhões, em benefício de bancos e grandes corporações (estima-se que só a VALE poderia ser beneficiada em até R$ 30 bilhões). O governo abre mão de multa, juros de mora e aceita o pagamento de 20% de débitos fiscais à vista ou em 60 parcelas sem juros.
 
Outro caso, de 23 de outubro passado, é o da “desidratação” da dívida dos estados, para utilizar a expressão cunhada pelo Ministro da Fazenda, Guido Mantega, sobre a aprovação, pela Câmara, da alteração do critério de correção das dívidas de estados e municípios. Atualmente, as Unidades da Federação pagam as dívidas ao governo federal, conforme enquadramento em uma das categorias seguintes, corrigidas pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) mais 6% ao ano; ou IGP-DI mais 7,5% aa; ou ainda IGP-DI mais 9% aa. Atualmente, os estados pagam, em serviços das suas dívidas, cerca de 13% a 14% da receita corrente líquida, em média. O texto ainda precisa ser votado no Senado.
 
Com o texto aprovado na Câmara, os devedores passarão a pagar as dívidas corrigidas pela taxa básica de juros (Selic), atualmente em 9,5% aa, mesmo índice utilizado pelo governo federal para rolar a sua dívida, ou pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% aa, optando-se pelo que for menor. Dívidas dos estados de Goiás, Maranhão, Espírito Santo, Mato Grosso, Alagoas, Rio Grande do Sul, Bahia, Santa Catarina, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, Pernambuco e São Paulo, além do DF, existentes desde 1993, também obedecerão aos novos critérios.
 
O Ministro da Fazenda estima que, em 2013, a renúncia será de R$15 bilhões. Ressalta que uma resolução existente, do Conselho Monetário Nacional (CMN), assegurará o rigor no controle do endividamento de estados e municípios.
 
Já o Fundo Monetário Internacional (FMI), no relatório divulgado em 23 de outubro, mostra preocupação com o que classificou de “erosão” da estrutura fiscal do país. Segundo o relatório, a Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, foi determinante para a manutenção da estabilidade macroeconômica.
 
Esta lei estabeleceu normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Cap. II, Título VI, da CF 88. A LC 101/2000, pode ser ilustrada por seu Artigo 11, que prevê que “Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, a previsão e a efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação”.
 
O relatório do FMI acrescenta que “Em anos recentes, no entanto, tem havido uma crescente dependência em ganhos extraordinários e ‘ajustadores’ para alcançar a meta fiscal (...) Essas ações e políticas começaram a minar a credibilidade dessa estrutura e a reverter a tendência de queda da dívida nacional”.
 
O relatório critica que, nos últimos quatro anos, o governo se utilizou de procedimentos contábeis, para caracterizar a meta fiscal, como nos casos da compra, pelo BNDES, de dividendos que a União teria direito a receber da Eletrobras; a emissão de R$ 42,9 bilhões, em títulos públicos para pagar a sua parte da capitalização da Petrobras; o posterior recebimento de R$ 74,8 bilhões da Petrobras; e o pagamento de dividendos do BNDES e da Caixa Econômica Federal. O FMI sugere a redução da dívida como percentual do PIB.
 
 
Conclusão
 
Política fiscal também mata?
 
A política fiscal é reconhecida por suas possibilidades como instrumento de políticas de produção de bens indivisíveis (bens públicos) e de bens divisíveis (meritórios, como educação, saúde e segurança alimentar), de políticas de promoção da estabilidade de preços e de emprego de fatores de produção (como trabalho e capital), de políticas de indução da eficiência empresarial e da eficácia na alocação de recursos, de políticas de distribuição da renda e da riqueza, de políticas de equilíbrio externo e de políticas de crescimento e de desenvolvimento econômico.
 
Além disso, a política fiscal pode ser indutora da cidadania (ou não). É o caso do tratamento dado à presença e à (in)visibilidade dos tributos indiretos na arrecadação, por exemplo. Ou também, na combinação de instrumentos da política fiscal (e da política monetária), que beneficiam ou penalizam de forma diferenciada os agentes econômicos. O efeito de medidas econômicas sobre os diferentes atores é consequência da capacidade da expressão política destes nas relações de poder.
 
A declaração do professor da UnB, economista Dércio Garcia Munhoz, sobre o aumento acumulado de 1,75 na taxa básica de juros (Selic, sigla de Sistema Especial de Liquidação e Custódia), nos últimos doze meses, ilustra a questão das relações de poder. A pretexto de combater a elevação dos preços, a subida da Selic elevou o estoque da dívida pública em cerca de R$40 bilhões. Ou seja, muito mais do que o governo anunciou como bônus de assinatura pago pelo consórcio vencedor do leilão do campo de petróleo de Libra.
 
Com o mesmo objetivo, outras medidas poderiam ter sido executadas, alternativamente. Mas, no dizer do economista, “Quando remuneramos o estoque da dívida é benesse ao capital financeiro, para sustentar um sistema insustentável.” Se a Selic aumenta, quem perde são os tomadores de empréstimos e financiamentos, que ficam mais caros (cheque especial, consignado, cartão de crédito, etc). Ganham, portanto, os rentistas (remunerados por juros) e, como a taxa de câmbio fica mais apreciada (“valorizada”), ganham também os importadores.
 
A política fiscal também pode servir de indutora da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável. Nos últimos anos, o governo federal praticou a renúncia fiscal, na forma de redução do IPI incidente sobre veículos automotivos, para estimular o funcionamento da economia, no cenário agudo da crise pós 2008. Foram R$ 2,370 bilhões de renúncia, equivalentes à redução de 25,64% na arrecadação deste imposto.
 
De acordo com o Anuário da Indústria Automobilística Brasileira (ANFAVEA, 2013), da produção de 3.415.486 veículos automotores, em 2012, São Paulo respondeu por 41,5%, Minas Gerais por 25,2%, o Paraná por 15,4%, o Rio Grande do Sul por 6,1%, a Bahia por 5,6%, o Rio de Janeiro por 4,4% e Goiás por 1,9%. Estes estados, beneficiados com a produção estimulada pela renúncia fiscal, contrastam com outros que, não dispondo dos segmentos industriais seletivamente contemplados pelas medidas de política fiscal, dependem da quota parte do Fundo de Participação dos Estados (FPE), reduzida pela queda da arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados, um dos formadores do FPE.
 
A reiterada afirmação de que o enfrentamento das mudanças climáticas é prioritário, como se ouviu durante a RIO+20 (2012), é questionada por estas medidas recentes de redução do IPI sobre veículos automotores (transporte individual), adotadas unilateralmente pelo governo federal, sem negociar, junto às corporações montadoras de veículos, qualquer contrapartida compensatória de melhoria de desempenho ambiental dos veículos.
 
Em São Paulo, no site do Movimento São Paulo Merece Um Ar Mais Limpo, é possível encontrar dados que dão conta de que, nos últimos dois anos, mais de 20 mil crianças e de 8 mil idosos foram internados, em decorrência de problemas respiratórios, relacionados à poluição atmosférica na capital de São Paulo.
 
Outra fonte, a pesquisa divulgada pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade indica que a poluição promovida por veículos automotores causa cerca de 4,6 mil mortes, por ano, nesta cidade. Acrescenta que o custo de atendimento de pacientes tratados em consequência da poluição veicular pode chegar a R$1 bilhão, anualmente.
 
As condições políticas de receptividade da opinião pública para que se avance no caminho da substituição das condições de acessibilidade nas cidades estão dispostas. A Rede Nossa São Paulo e o Ibope divulgaram na segunda-feira, 16 de setembro, as conclusões da sétima edição da pesquisa sobre o tema. Entre elas, consta que, embora tenha aumentado para de 23%, em 2012, para 27%, neste ano, o número de paulistanos que utilizam carro todos os dias, 91% consideram a poluição como um problema grave ou muito grave e que o percentual de cidadãos dispostos a não utilizar carro, desde que haja uma boa alternativa de transporte público, saltou de 44%, em 2012, para 61%, em 2013.
 
Há, portanto, uma correlação entre a prática da política fiscal e o anúncio de mais de mais de 4,6 mil mortos, anualmente, e gastos com saúde superiores a R$ 1 bilhão, ao ano, causados pela poluição na região metropolitana da maior cidade do país. Até quando?