quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Petrobras. A volta por cima?
                                                             
A Petrobras exalta a força de trabalho
como o “maior ativo” de que dispõe para a recuperação.
No entanto, precariza o seu “maior ativo” com uma relação
De mais de três empregados terceirizados
para cada empregado efetivo.


blog do professor paulo márcio
economia&arte

Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 12 de agosto de 2015

u      Na mensagem de abertura do relatório anual de sustentabilidade da Petrobras, apresentado em seu site, em 11 de agosto, o presidente Aldemir Bendime atribui a redução no ritmo de investimentos e nas perspectivas futuras da empresa a três fatores, a saber. O declínio dos preços internacionais do petróleo, a apreciação do dólar e a necessidade de reduzir o endividamento.

u       Sobre os efeitos da operação “Lava Jato’, realizada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, refere-se ao empenho em esclarecer fatos e adotar medidas necessárias. Diz isto, no entanto, de forma inespecífica, com expressões como “reforçamos nossos padrões” (de quê?), “acionamos nossos mecanismos de controle”, etc.

u       Entre os muitos “estatutos éticos” com os quais poderia se comprometer, reforça apenas o comprometimento com “a evolução contínua no cumprimento” dos dez princípios do Pacto Global. Frustrante, para quem afirma “buscar sempre o desenvolvimento das localidades onde atuamos, o respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente, melhorias das nossas práticas de gestão, a transparência e a geração de valor aos nossos públicos de interesse”. Por fim, exalta o “maior ativo” para a recuperação, “que é a força de trabalho”.

u       Em 2014, os dois principais produtos da companhia foram o diesel (38,2% do total de receita de vendas no mercado interno) e a gasolina automotiva (28,2%). O terço complementar é constituído por eletricidade; gás natural; outros derivados de petróleo; nafta; querosene de aviação; óleo combustível; etanol, nitrogenados e renováveis; e gás liquefeito de petróleo.

Responsabilidade Social

No âmbito dos projetos de investimento, a gestão da responsabilidade social se desdobra em duas dimensões, Direitos Humanos e Desenvolvimento Local. Há dez temas prioritários, a saber. Povos indígenas e comunidades tradicionais; Acesso a meios de vida e ao ambiente saudável; Grupos socialmente vulneráveis; Práticas trabalhistas na cadeia de fornecedores; Direito à integridade e ao ambiente seguro; Educação e formação profissional; Geração de renda e oportunidade de trabalho; Desenvolvimento tecnológico e acesso às tecnologias; e Infraestrutura e serviços públicos.

O gerenciamento da responsabilidade social contará com uma matriz de riscos sociais de cada projeto de investimento, para atuar com vistas à mitigação de “evento incerto decorrente da interação entre as atividades do projeto e as comunidades do entorno e outras partes interessadas”. São relacionados treze grupos de partes interessadas. São eles “clientes; comunidade científica e acadêmica; comunidades; concorrentes; consumidores; fornecedores; imprensa; investidores; organizações da sociedade civil; parceiros; poder público; público interno; e revendedores”.

Aspectos financeiros

Em relação ao ano anterior, em 2014, apesar de um aumento no consumo mundial de petróleo de 0,7%, observou-se a queda de 9% do preço médio do barril (Brent). O resultado (prejuízo) apurado pela Petrobras foi de R$21,5 bilhões.

A considerar o primeiro semestre de 2015, este poderá ser um ano melhor. Neste semestre, a empresa obteve o lucro líquido de R$5,8 bilhões e o lucro operacional de R$22,8 bilhões. Comparado ao lucro líquido do mesmo período do ano anterior, observa-se uma queda de 43%. Se for comparado ao lucro da BP, ou da Chevron ou ainda ao da Exxon Mobil, verifica-se que essas gigantes viram o lucro desabar em 144%, 69% e 49%, respectivamente.

A queda acentuada dos preços do barril de petróleo é uma das causas da crise que afeta a indústria do petróleo, no caso da Petrobrás, agravado pela variação cambial. Apesar do cenário, a empresa aumentou a produção de petróleo e gás natural em 9%, chegando à marca de mais de 2,7 milhões de barris por dia. No pré-sal, a produção atingiu o recorde de 747 mil barris por dia, no mês de junho.

Entre tributos e participações governamentais, foram destinados R$47,6 bilhões à alçada federal; R$48 bilhões a estados; R$431 milhões a municípios; e R$6,8 milhões a não residentes (fora do país), totalizando 70,2% do valor adicionado. Gastos com pessoal e com administradores alcançaram R$ 31 bilhões, incluindo remuneração direta, salários, participações nos lucros ou resultados e benefícios, como o Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário, que recebeu R$ 2,4 bilhões.

Pessoal

Ao final de 2014, o Sistema Petrobras registrou 80.908 empregados. Destes, 83,2% são homens e 16,8% mulheres. Entre os “cargos de liderança” a participação das mulheres é de 15,2%. O número de empregados de empresas prestadoras de serviço (terceirizados) foi de 291.074, o que sugere a precarização da qualidade do trabalho, chamado de “maior ativo” para a recuperação da empresa, na abertura do relatório. O número de estagiários foi de 1.746.

Emissões e uso da água

O volume total de emissão de gases causadores do efeito estufa (GEE) foi de 80,9 milhões de toneladas de CO2 equivalente. No ano anterior, o volume emitido foi de 73,3 milhões de toneladas, configurando um aumento de cerca de 10%. O volume captado de água foi de 206,5 milhões de m3. O reuso, no mesmo período foi de 24,5 milhões de m3.

O Relatório de Sustentabilidade 2014 do Sistema Petrobras retrata conquistas e desafios. É inespecífico quanto a muitos aspectos fundamentais, porém.


Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
São mais de 600 edições apresentando casos de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à sustentabilidade,
à responsabilidade social e ao desenvolvimento sustentável.

sábado, 8 de agosto de 2015

“Uma atrocidade, uma coisa terrível, desumanidade”
                                                             
Será que ainda vamos ter saudades dos tempos
em que “morrer na contramão” atrapalhava o trânsito?
Atualmente, é “só” passar por cima.

blog do professor paulo márcio
economia&arte

Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 5 de agosto de 2015

u      O vendedor ambulante Adílio Cabral dos Santos foi atropelado por um trem da SuperVia, concessionária do serviço de trens urbanos do Rio de Janeiro, na terça-feira, 28 de julho, próximo à Estação de Madureira. Ex-presidiário, ele vendia balas e doces nos trens, como tantos outros.

u      Após o atropelamento e mesmo antes que qualquer profissional da saúde atestasse a morte do vendedor ambulante, funcionários da SuperVia, autorizados pela empresa, determinaram a passagem de uma composição sobre o suposto cadáver de Adílio. O pretexto foi o de não interromper a circulação na via, de resto fato habitual na SuperVia.

u      É possível questionar o que fazia o vendedor na linha do trem, para ter sido atropelado. Como outros tantos que continuam se expondo, simplesmente, evitava as fiscalizações, tanto da SuperVia, quanto do município e estadual, que reprimem duramente e confiscam (para ser delicado) as mercadorias. Mesmo de um ex-presidiário, que “puxa uma tranca”, sem ter a oportunidade de aprender um ofício com que sobreviva do lado de fora da prisão.

u      A ética peculiar da empresa contrariou a poesia. Será que ainda vamos ter saudades dos tempos em que “morrer na contramão” atrapalhava o trânsito? Atualmente, é “só” passar por cima. Restou à mãe do ambulante, Eunice de Souza Feliciano (61), o desabafo, “foi uma atrocidade, uma coisa terrível, desumanidade”. O governador do estado disse que o culpado vai ser punido.

u      No caso do vendedor ambulante Adílio dos Santos, é barbada saber quem vai pagar o pato. As imagens gravadas por celulares de diversos usuários dos trens destacam as figuras de dois funcionários, chamando a composição para passar por cima do suposto cadáver de Adílio.

u      A declaração do governador, no entanto, de que o culpado vai ser punido, abre uma questão central nas concessões de serviços públicos a empresas ou consórcios privados. Saber quem são os culpados pelas inúmeras atrocidades? Eles têm um rosto, um endereço, número do cpf? Questionável sob diversos aspectos, o processo de privatizações, que transformou o transporte coletivo em mercadoria, esconde quem responde pela segurança, higiene e qualidade dos serviços.

A SuperVia tem “sobrenome”. É Odebrecht...

u      Consta da página da Odebrecht (www.odebrecht.com.br) que a “SuperVia é o ativo da Odebrecht TransPort que administra os trens do Rio e o Teleférico do Alemão”. Um sobrevoo por seus dados contábeis, mostra que, em 2014, a SuperVia obteve a receita líquida de R$ 901,5 milhões, lucro bruto de R$ 155,5 milhões, e deduzidas as despesas, entre elas as de honorários da administração (R$ 4,8 milhões), apurou o lucro operacional de R$ 91,3 milhões, e o lucro líquido (descontados o imposto de renda e a CSLL) de R$ 16,6 milhões. Números que sugerem a possibilidade de serviços muito melhores.

u      Constituída em 1998, a SuperVia/Odebrecht TransPort é a detentora exclusiva dos direitos e obrigações do transporte coletivo de passageiros ferroviários do Rio de Janeiro, pelo prazo de 25 anos (até outubro de 2023), renováveis por mais 25 (até outubro de 2048). A tarifa sofre reajustes ordinários anuais (IGP-M) e a cada cinco anos. Também pode ser reajustada extraordinariamente, a qualquer momento, na vaga “ocorrência de circunstância que altere o equilíbrio econômico-financeiro do contrato”.

u      A renovação do ajuste pelo segundo período de 25 anos (aquele com vencimento em 2048) custou à empresa pouco mais de R$ 1,2 bilhão. Só que a SuperVia/Odebrecht TransPort não mete a mão no bolso. Este preço é saldado na modalidade de dação em pagamento, isto é, a empresa oferece como “moeda” algo de que ela disponha, sem mexer em dinheiro. No caso, a SuperVia oferece a vaga “revitalização de material permanente” (?), “aquisição de novo sistema de sinalização”, “aquisição de trens” e um mais inespecífico “etc”. Não há cronogramas, nem metas pactuadas.

u      Até hoje, no entanto, os únicos novos trens que entraram em operação foram os 30 “geladões”, adquiridos, pelo governo do estado, junto ao consórcio chinês China National Machinery Import&Export Corp. O governo do estado ainda se compromete com o reembolso à empresa de todo o passivo das extintas Central e Flumitrens transferido a SuperVia/Odebrecht TransPort, desde 28 de junho de 2007...

Os Jogos Olímpicos de 2016 aliviam o peso para a SuperVia/Odebrecht TransPort

u      Há menos de um ano, em 25 de agosto de 2014, novo termo aditivo firmado entre o governo do estado e a SuperVia/Odebrecht TransPort liberou a empresa do compromisso de adquirir 10 novas composições, de reformar outras 41, além de obrigar o estado a adquirir mais 22 novas composições, em troca da reforma de 6 estações, consideradas “estratégicas” para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, a saber, São Cristóvão, Deodoro, Magalhães Bastos, Vila Militar, Ricardo de Albuquerque e Engenho de Dentro.

u      As condições destas estações hoje, a um ano exato da abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, não sugerem qualquer vulto especial nas tais reformas, porém.

u      Alivia-se, assim, o peso da SuperVia/Odebrecht Transport, enquanto os “Adílios dos Santos” continuarão sentindo, às vezes literalmente, o peso do legado e do “a-legado” dos Jogos Olímpicos 2016.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
São mais de 600 edições apresentando casos de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à sustentabilidade,

à responsabilidade social e ao desenvolvimento sustentável.