quarta-feira, 29 de maio de 2013

A galinha e o mosquito.
 
                                                                                                                                                           Quarta-feira, 29 de maio de 2013
coluna Empresa-Cidadã
Paulo Márcio de Mello
 
 Na última semana, o Brasil assistiu as imagens do incêndio monumental, no depósito de combustível em Jardim Primavera, no município de Duque de Caxias (RJ), iniciado em 23 de maio. A empresa (ir)responsável pelo incidente, a Petrogold, está instalada indevidamente em área residencial, tendo chegado à região após a presença dos moradores.
 
Em consequência do incêndio, houve a morte de um cidadão, sete feridos, danos materiais e morais, com a destruição de algumas casas e a interdição de mais de cem outras, a interrupção do fornecimento de energia elétrica, a morte de animais de estimação, a suspensão de aulas, a mobilização de recursos públicos, como os que foram comprometidos com a mobilização de seis quartéis do corpo de bombeiros do estado, dos serviços de saúde, de caminhões com material contra incêndio da Petrobras (refinaria REDUC), além de danos ambientais com a emissão de toneladas de carbono na atmosfera.
 
Como acontece em episódios desta espécie, um conjunto de causas responde pela tragédia anunciada. Nestas causas, estão emaranhados órgãos públicos, como a prefeitura municipal, tanto a gestão passada, responsável pelo licenciamento precário desta bomba incendiária em área residencial, quanto a gestão atual que, após cinco meses no poder, mostra-se surpresa com os acontecimentos e promete agora, depois da porta arrombada, uma ação profilática, com a remoção do bairro residencial de outras empresas bomba, como a que explodiu. O limite do prazo previsto é o final do ano! Até lá...
 
Em nota, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) informou que a Petrogold atendia às exigências das Portarias ANP nºs 29 e 202, de 1999, incluindo o alvará concedido pela Prefeitura municipal de Duque de Caxias e o certificado de vistoria do Corpo de bombeiros do estado, “dentro dos prazos de validade".
 
Apesar da então diretora-geral da ANP, Magda Chambriard (substituída em 28 de maio), ter anunciado um reforço na fiscalização, com a admissão de 152 fiscais aprovados em concurso público, em fase de treinamento, não parece haver insuficiência de força de fiscalização na ANP já que, segundo a nota, a Petrogold já teria sido fiscalizada quatro vezes em 2013 (quase uma fiscalização por mês). E nenhuma notificação de irregularidade foi feita.
 
Em consequência de operação da Polícia Federal e da Secretaria de estado do ambiente, um inquérito foi instaurado, em julho de 2012, para apurar possíveis crimes ambientais cometidos pela Petrogold, com base nos artigos 54, 56 e 60, da Lei 9.605/98, referentes à poluição, armazenamento e comercialização indevidas de substâncias tóxicas e funcionamento sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes. No dia 6 de agosto daquele ano, o inquérito foi remetido ao Ministério Público.
 
O Ministério Público do Rio de Janeiro responsabiliza o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), ao informar, em nota divulgada no dia 24 de maio, que o “inquérito civil está em trâmite até a presente data, sem que a empresa apresentasse a licença de operação a ser concedida pelo Inea. O Inea, por sua vez, órgão ambiental competente para fiscalizar a empresa e com poder de polícia para interditar o estabelecimento, até a data do incêndio, não havia adotado nenhuma providência mais contundente, limitando-se a enviar cópias a esta Promotoria de Justiça do procedimento de concessão da licença, onde se verificam a estipulação de diversas exigências à empresa para que a licença fosse concedida”.
 
Está previsto que o Inea deverá custar para o cidadão do estado do Rio de Janeiro R$ 576.115.142,00, conforme a Lei nº 6.380, de 09 de janeiro de 2013, que aprova o Orçamento anual do estado para o exercício de 2013 (disponível em rj.gov.br/documentos; pág. 592). É caro.
 
Em sua página (petrogold.com.br), a Petrogold informa que, nos seus negócios, “há o compromisso de respeito às pessoas e ao meio ambiente, e através de um desenvolvimento sustentável, busca a divulgação e a valorização da cultura brasileira, por meio de ações de alcance social e ambiental”. Com um premonitório erro de omissão do pronome, diz também que a “Petrogold preocupa com toda a sociedade brasileira”.
 
Enquanto isso, o mosquito aedes aegypti já tinha causado mais de 714 mil vítimas de dengue no país e uma galinha, vinda não se sabe de onde, entrou sem pagar na estação Flamengo (Rio de Janeiro, RJ) do metro, circulou pelos trilhos e interrompeu a circulação dos trens. Voou quando quis para fora da estação, sem ser capturada, apesar das tentativas e da tarifa do metro custar R$ 3,50, para utilização de 35 estações, 2 linhas e malha total de 40,9 km. É caro. Para a utilização de 468 estações, 24 linhas e malha total de 1056 km, o metro de Nova York cobra uma tarifa de US$ 2,25.
 
Paulo Márcio de Mello
paulomm@paulomm.pro.br
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001,
toda quarta-feira, no jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados conceitos relativos
à responsabilidade social, à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável,
casos de empreendedores e empresas, pesquisas, resenhas, editais ou agenda.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Você sabe o que é sujeira? 
 
 
                                                                                                                                                           Quarta-feira, 22 de maio de 2013
coluna EMPRESA-CIDADÃ

Paulo Márcio de Mello*
 
u        Você sabe o que é sujeira e como o sabão ou detergente agem para removê-la? Com esta pergunta, Fernanda Cristina Romero e um grupo de estudantes do curso de Licenciatura plena em ciências da Unifesp iniciam as palestras que realizam em escolas públicas de Diadema (SP), com o propósito de fomentar o senso crítico sobre a exploração dos recursos naturais e sobre o desenvolvimento de modos alternativos de produção e consumo, com respeito ao ambiente. Fernanda é “Embaixadora Ambiental da Bayer”, em consequência da premiação do projeto Consumo responsável de detergentes, no Programa Bayer Jovens Embaixadores Ambientais, edição 2012.
 
u        Outras iniciativas foram premiadas, como a de Claudio Felipe Boer Cavalcante, outro embaixador ambiental, denominada Gestão do resíduo de gesso. O projeto decorre da constatação de que resíduos gerados pela construção civil representam 60% do lixo urbano e que 5% correspondem aos restos de gesso, cujo principal componente é o sulfato de cálcio. Um dos vencedores do certame de 2012, o projeto tem por objetivo contribuir para o fomento de alternativas para o reuso e reciclagem de resíduos de gesso.
 
u        Além destes, foram premiados Roger Friedrich Werner Koeppl (projeto YouGreen), Rafael Ferraz de Barros (projeto Atropelados: ecologia das estradas, para diminuir as mortes de animais silvestres nas estradas), Ricardo Thaler Beck (Cadico minhocas), Bárbara Pereira Borges (Reciclagem do óleo de cozinha), Gabriel Estevam Domingos (Reutilização de fosfogesso) e Alan Henrique Marques de Abreu (Produção de mudas).
 
u        O Programa Bayer Jovens Embaixadores Ambientais é uma iniciativa conjunta com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), realizada, desde 1998, na Tailândia, com participação de Filipinas e Cingapura. Atualmente, é realizada em dezenove países, entre eles o Brasil, desde 2004. Podem se inscrever estudantes do ensino médio, superior ou de pós-graduação, entre 18 e 24 anos, que participem de projetos socioambientais.
 
u        Os projetos inscritos são avaliados por uma comissão, que seleciona oito deles, em duas etapas, no período de 17 de julho a 09 de setembro de 2013. Na primeira etapa, são considerados os critérios de contribuição do projeto para a preservação do meio ambiente e para a promoção do desenvolvimento sustentável; avaliação da efetiva contribuição do estudante para o desenvolvimento e sucesso do projeto; resultados ambientais e sociais obtidos ou esperados com o projeto; e possibilidade de adequação do projeto para multiplicar a experiência. Desde 2012, o voto popular pode ser atribuído pelo Facebook, resultando em um acréscimo na nota final dos participantes.
 
u        A segunda etapa do processo de seleção inclui entrevista com o estudante inscrito, teste de conhecimentos no idioma inglês, entrevista com a pessoa de referência indicada, apresentação de autorização para a inscrição do projeto e visita pessoal de representante da Bayer ao projeto. A premiação inclui a possibilidade de intercâmbios e a atribuição de valores correspondentes a R$ 3 mil para o 8º colocado, até R$ 20 mil para o 1º lugar. Os premiados serão conhecidos no dia 10 de setembro de 2013 e as inscrições podem ser feitas até o dia 28 de junho, conforme orientações disponíveis na página www.bayerjovens.com.br .
 
Coca-Cola condenada
 
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, em grau de recurso, manteve a multa de R$ 460 mil, aplicada pelo Procon à Minas Gerais Ltda., produtora da Coca-Cola. Na sessão de 14 de maio passada, o STJ decidiu pela pena por que a empresa reduziu o conteúdo envazado nas garrafas de Coca-Cola, Sprite, Fanta e Kuat, de 600 ml para 500 ml, sem informar adequadamente aos consumidores, caracterizando assim “aumento disfarçado” de preços.
 
Por considerar que os consumidores já desenvolveram o costume de levar em consideração a marca, mais do que os detalhes do rótulo, a empresa deveria ter atuado preventivamente para que a informação sobre a redução de volume fosse ostensiva, clara e precisa, zelando assim pela confiança do consumidor, conforme o relator do recurso, Ministro Humberto Martins.
 
Conheço quem ache que, pela redução do volume envazado, a empresa deveria ser premiada e não punida...
 
Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
 
A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001,
toda quarta-feira, no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados casos de empreendedores e empresas, pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à responsabilidade social, à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável.
 

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Na contramão.

                                                                                                                                                                 Quarta-feira, 15 de maio de 2013
coluna Empresa-Cidadã 
Paulo Márcio de Mello

Quando maio de 2015 começar, estará concluído o ciclo dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), instituídos pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2000, como “maior esforço global de combate à pobreza da História”, no dizer do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

Os oito objetivos estipulados são erradicar a extrema pobreza e a fome; atingir a universalização do ensino básico; promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental e; estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.

Para alcançar as metas até 2015, a ONU está realizando uma campanha de mobilização, denominada MDG Momentum: 1000 Days of Action, em que há uma forte expectativa de contribuição das mídias sociais para o derradeiro esforço da campanha. A hashtag#MDGmomentum será mobilizada nesta reta final.

No Brasil, alguns aspectos que ainda podem impactar os ODMs merecem especial atenção, como no caso do ingresso das crianças na educação infantil. Apesar da porcentagem de crianças até 6 anos em extrema pobreza ter caído de 13,3% para cerca de 3%, ainda se observa uma forte discrepância entre as situações, conforme as classes sociais.

Dados apresentados pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República indicam que, em 2011, 45% das crianças com até três anos de idade, originárias das famílias localizadas no topo da pirâmide, os 10% mais ricos, frequentavam creches. Entre as famílias na base da pirâmide, os 10% mais pobres, o acesso à creche situou-se em torno de apenas 12%.

A distância entre estas crianças também aumentou. Entre 2001 e 2011, na proporção entre as que frequentaram creches, observou-se um crescimento de 14 pontos percentuais, entre os 10% mais ricos, enquanto entre as crianças situadas nos 10% mais pobres, o crescimento foi menor, de 6 pontos percentuais.

Outro aspecto importante está retratado no artigo “Fracasso Escolar e Desigualdade do Ensino Fundamental”, realizado pela pesquisadora Paula Louzano e publicado no relatório “De Olho nas Metas de 2012”, lançado pelo movimento Todos pela Educação, com base no questionário da Prova Brasil 2011, respondido por 2,3 milhões de alunos do 5º ano, em âmbito nacional. O artigo conclui que, quando os estudantes chegam ao 6º ano do ensino fundamental, 7% dos alunos brancos têm mais de dois anos de atraso escolar, mas entre os negros, o indicador chega a 14%.

Em relação aos casos de reprovação ou abandono, um terço das crianças havia experimentado a situação de insucesso na escola. Destes, 43% se autodeclararam pretos, 34% pardos e 27% brancos. Observados os resultados regionais, verifica-se que na região Sudeste, a que apresenta os menores índices nacionais de reprovação ou abandono, estas foram as opções de 36% dos alunos pretos, 27% dos pardos e de 22% dos brancos.

A diferença de gêneros também pondera os resultados. Os menores índices de fracasso na escola (ou da escola...), observados na região Sudeste, para meninos pretos é 42,3% e para meninas pretas é 29.8%. Entre meninos brancos, o percentual é de 26,5%, enquanto entre as meninas brancas é de 17,3%.

No Nordeste, estudantes do sexo masculino, autodeclarados pretos, têm 59% de chances de serem vitimados pelo fracasso escolar. No Norte, o índice é de 59,3%. A expectativa de uma menina, autodeclarada preta, fracassar na região Nordeste é 45,5% e de 45,8%, na região Norte.

Entre os alunos, autodeclarados brancos, observou-se o índice de 50,9% de insucesso na região Nordeste e de 52,2%, na região Norte. Entre as meninas, os índices são de 37,5% na região Nordeste e de 38,8% na região Norte.

Na contramão dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, aumentou a escassez de recursos para que os países de baixa renda universalizem o ensino básico, nos últimos três anos, conforme números do relatório “Tornar a Educação Acessível até 2015 e no Período Posterior” (Making Education for All Affordable by 2015 and Beyond), apresentado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Dos necessários US$ 53 bilhões anuais para universalizar o ensino fundamental, apenas metade é investida, acarretando um déficit de cerca de US$ 26 bilhões anuais. Se o ensino médio for incluído na conta, a necessidade de recursos passa para US$ 77 bilhões anuais, elevando o déficit para US$ 38 bilhões anuais.

Paulo Márcio de Mello
paulomm@paulomm.pro.br
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001,
toda quarta-feira, no jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
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à responsabilidade social, à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável,
casos de empreendedores e empresas, pesquisas, resenhas, editais ou agenda.

 

quarta-feira, 8 de maio de 2013

O Rana Plaza é aqui
 ou  “Meu Tipo Inesquecível”
 
 Quarta-feira, 8 de maio de 2013
coluna EMPRESA-CIDADÃ
Paulo Márcio de Mello*
 
u      De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), há no mundo 21 milhões de vítimas de trabalho escravo. Em 2012, eram 1,8 milhão no Brasil e demais países da América Latina, 11,7 milhões no Sudeste asiático, 3,7 milhões na África, 1,6 milhão na Ásia (exclusive o Oriente Médio e o Sudeste Asiático), 1,5 milhão na Europa e América do Norte e 600 mil no Oriente Médio. As mulheres são as mais atingidas, reunindo 11,4 milhões de vítimas, equivalentes a 54% do total.
 
u      Brasil, Bolívia, Peru, China, Índia, Paquistão, Etiópia, Nigéria, Zâmbia, Jordânia e Líbano estão incluídos na meta da OIT, de resgatar cerca de 6 milhões das vítimas desta condição, até 2015, ao custo estimado de US$15 milhões.
 
u      De acordo com a OIT, o setor privado reúne a maior parte dos empregadores de pessoas em situação de trabalho escravo e, apesar da existência de legislação que o pune na maior parte dos países, as penas não oferecem o rigor necessário para dissuadir os transgressores. No Brasil, a punição para quem se utiliza do trabalho em situação de escravidão compreende o pagamento de multa, dos salários devidos e indenizações, tanto para reparar danos causados às vítimas, quanto à sociedade.
 
u      No Congresso, tramita a Proposta de Emenda Constitucional (PEC do Trabalho Escravo), já votada na Câmara, que prevê a expropriação de terras rurais e urbanas de quem comprovadamente se utilize de trabalho escravo. Outra penalidade existente no Brasil é a inclusão de infratores, a partir do auto de infração lavrado pela fiscalização, na “lista suja” do Ministério de Trabalho e Emprego (MTE). Incluído nesta lista, é interditado o acesso do infrator ao crédito oferecido por instituições financeiras públicas.
 
u      Em 28 de janeiro, no estado de São Paulo, foi sancionada a Lei 1034, que cassa a inscrição da empresa infratora no cadastro de contribuintes do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), por até dez anos. Em março, 28 trabalhadores de nacionalidade boliviana foram resgatados dee uma oficina de confecções, na zona Leste da cidade de São Paulo, pela fiscalização do TEM, do Ministério Público do Trabalho e da Receita Federal.
 
u      A oficina fornecia para o Grupo Gep, responsável pelas marcas Gap, Cori, Emme e Luigi Bertolli. A empresa foi autuada pelo MPT. Em depoimento na Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais (CDD), da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, a empresa repetiu o bordão surrado de que “não tinha conhecimento” de que fornecedores subcontrataram outra empresa para confeccionar as peças e que contratou uma auditoria internacional, para verificar sua cadeia de produção, além de ter reduzido o número de fornecedores.
 
u      Enquanto não para de crescer a contagem de vítimas do desabamento do Rana Plaza, em Bangladesh, onde funcionavam oficinas precárias de fornecedores de grifes, como a espanhola Mango, a irlandesa Primark, a canadense Loblaw, distribuidora da indústria de vestuário Joe Fresh, as inglesas Tesco, Sainsbury’s e Next, a italiana Benetton e as norte-americanas H&M e Walmart, além da própria Gap, no centro da maior cidade do país vítimas do trabalho escravo, principalmente imigrantes, aguardam por libertação. Afinal, o Rana Plaza também é aqui.
 
Meu tipo inesquecível
 
Na minha adolescência, fui leitor assíduo da revista "Seleções de Reader’s Digest”. Uma seção me agradava especialmente, intitulada "Meu Tipo Inesquecível”. Trazia sempre um texto sobre alguém que, por atributos peculiares de personalidade, de forma profunda, marcava a vida de quem então relatava os atributos que faziam do “tipo inesquecível” uma personagem importante.
 
Este é o 13º ano em que assino a coluna Empresa-Cidadã, publicada pela primeira vez em 2001, no Monitor Mercantil. Ao longo de mais de 600 edições, jamais percebi qualquer limitação de opinião ou crítica, mesmo quando direcionada a grupos poderosos. Este espaço, alternativo às conhecidas posições do oligopólio da comunicação (ministro Joaquim Barbosa já o disse...), mantem o oxigênio da autêntica liberdade de imprensa.
 
Conheci no Monitor Mercantil, com sua vitalidade, humildade, alegria e capacidade de entusiasmar, além de apurado senso de humor, a liderança maior que, corajosamente, preservou esta trincheira. Acúrcio, o “meu tipo inesquecível”.
 
Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
 
A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001,
toda quarta-feira, no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados casos de empreendedores e empresas, pesquisas, resenhas, editais e agendas, referentes a responsabilidade social, sustentabilidade e desenvolvimento sustentável.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Rana Plaza. Até quando? 
                                                                                                                        As etiquetas “made in” Bangladesh, Vietnam, El Salvador, Honduras, China, podem esconder mais do que pechinchas.
Podem esconder a Vida. Como no Rana Plaza.


blog do professor paulo márcio
 
economia&arte
 
 Quarta-feira, 1º de maio de 2013
coluna EMPRESA-CIDADÃ
Paulo Márcio de Mello
 
u      Há pouco mais de uma semana, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou o relatório “The prevention of occupational diseases” (disponível também em espanhol ou francês, em www.ilo.org/publns), através do qual alerta para a morte de mais de 2 milhões e 340 mil pessoas a cada ano. São vítimas da pandemia de acidentes ou doenças contraídas por exposição a algum fator de risco relacionado ao trabalho.
 
u      Deste total, cerca de 320 mil óbitos acontecem em consequência de acidentes e mais de 2 milhões devidos a enfermidades do trabalho. São números que impressionam, com a média acima de 6.400 óbitos, diariamente! Ocorrem também mais de 160 milhões de enfermidades anualmente derivadas do trabalho, que não matam, mas maltratam.
 
u      A OIT estima que mais de 6,6 milhões de trabalhadores estejam expostos a riscos como pó de sílica (utilizada na produção de vidro e do cimento), que pode levar a pneumoconiose, ocasionando falta de ar, endurecimento do tecido pulmonar e até falência respiratória. Doenças musculoesqueléticas representam mais de 10% dos casos de incapacidade, por perda de movimentos. Podem atingir nervos, tendões, músculos e a coluna.
 
u      Transtornos mentais ou comportamentais, outro foco da OIT, segundo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), representaram cerca de 9% dos 166,4 mil casos de auxílios-doença concedidos no Brasil, no ano anterior. Entre eles, figura com destaque a depressão, com mais de 5,5 mil casos de episódios depressivos ou transtorno recorrente.
 
u      Além dos dramas pessoais, enfermidades como estas oneram os sistemas de saúde e previdenciário com encargos financeiros de cerca de US$ 2,8 trilhões anuais, cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.
 
u      No dia seguinte ao da divulgação do relatório da OIT, publicado por ocasião do Dia Mundial da Segurança e Saúde do Trabalho, ocorreu a tragédia do edifício Rana Plaza, que desabou com os seus oito andares, em Savar, subúrbio de Dacca, capital de Bangladesh. Na queda, morreram mais de 390 trabalhadores.
 
u      O Rana Plaza era ocupado por um número de trabalhadores entre 3 a 4 mil, distribuídos por cinco fábricas de roupas, entre outras ocupações. São trabalhadores com jornadas de trabalho superiores a 10 horas diárias, 7 dias por semana, sem férias e sem qualquer garantia ou benefício trabalhista. Em troca, recebem remunerações que não ultrapassam R$ 75 ao mês. A indústria de confecções responde por 80% das exportações de Bangladesh e por 40% da mão de obra industrial.
 
u      O desabamento foi anunciado com o aparecimento de rachaduras em paredes do Rana Plaza, mas segundo depoimentos de sobreviventes, foram forçados a permanecer nos postos de trabalho. Ano passado, na mesma região, um incêndio matou mais de 100 trabalhadores, ao queimar uma fábrica que produzia para a rede norte americana Walmart. no maior incidente deste tipo já ocorrido em Bangladesh. Em 2005, 61 trabalhadores do setor têxtil morreram e 86 ficaram feridos no desabamento de um edifício de 9 andares, que reunia fábricas deste mesmo ramo, na região do Rana Plaza.
 
u      Estas armadilhas existem em diversos países subdesenvolvidos, sob diferentes denominações, como fábricas dormitório, por que muitas vezes o trabalhador dorme em instalações precárias da própria fábrica, para que possa ser explorado até a última gota de suor.
 
u      Os beneficiários deste trabalho aviltado são grifes e etiquetas de países ricos. No caso das fábricas do Rana Plaza, estão a espanhola Mango, a irlandesa Primark, a canadense Loblaw, distribuidora da indústria de vestuário Joe Fresh, as inglesas Tesco, Sainsbury's e Next, a italiana Benetton e as norte-americanas H&M, Walmart e Gap.
 
u      Grifes que exploram os baixíssimos custos do trabalho, em todos os casos, repetem o mesmo mantra – desconheciam as condições de trabalho e passarão a exigir melhores condições dos seus fornecedores, enquanto abarrotam as suas lojas com peças de vestuário em que, silenciosas, mas eloquentes, constam as etiquetas “made in” Bangladesh, Vietnam, El Salvador, Honduras, China, etc.
 
u      O ciclo desta economia da morte é complementado por consumires locais ou turistas embriagados com os baixos preços exibidos nas etiquetas, e que não chegam a se perguntar como se chega a preços tão inferiores ao normal.
 
Gastos de brasileiros no exterior batem recorde
 
No mesmo dia em desabou o Rana Plaza, em Bangladesh, o Banco Central do Brasil anunciou que, em 2012, os gastos de brasileiros no exterior chegaram a US$ 21,2 bilhões. As despesas de brasileiros, feitas em viagens ao exterior, cresceram 29,2% em relação a 2010 (US$ 16,42 bilhões), o ano recordista até então.
 
Paulo Márcio de Mello
paulomm@paulomm.pro.br
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
 
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