quarta-feira, 3 de junho de 2015

A beleza e a intolerância
                                                                        
O plantio de árvores tem sido adotado como alternativa comum
na compensação das emissões de carbono e de outros gases.
Uma área reflorestada, no entanto,  pode levar até 150 anos
para ser totalmente restaurada na biodiversidade.
Qual a empresa que planeja com esta perspectiva de tempo, porém?

blog do professor paulo márcio
economia&arte

Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 3 de junho de 2015

u      No início da década de 1990, o engenheiro florestal Miguel Milano convenceu o fundador da empresa de cosméticos O Boticário, Miguel Krigsner, a alterar a intenção de plantar uma árvore para cada produto vendido nas lojas da rede, então vislumbrada como estratégia de marketing.

u      Na aritmética do marketing empresarial, prevaleceu a suposição da impossibilidade de se plantar a quantidade necessária de árvores, que poderia chegar a até seiscentas mil por mês. A intenção inicial foi então substituída pela criação da Fundação O Boticário de Proteção da Natureza.

u      Ao invés de plantar novas árvores, proteger áreas remanescentes de floresta, para compensar as emissões de carbono e de outros gases influentes na mudança climática, além de contribuir para conservar a biodiversidade.

u      Só quando a árvore chega à maturidade é que ela vai absorver a quantidade de carbono pretendida, o que muitas vezes é incompatível com a velocidade do crescimento da produção de mercadorias. Os monitoramentos, tanto do plantio de árvores, quanto do estoque acumulado de carbono, não cobrem o período necessário à verificação da reconstituição plena da biodiversidade, nem da integralização da cota desejada de absorção de carbono.

u      Por exigência da comunicação empresarial eficiente ao mercado, o plantio de árvores tem sido adotado como a alternativa mais frequente na mitigação das emissões de carbono e de outros gases, de tal forma que pode parecer que não há outros caminhos. A avaliação de alternativas fica assim inibida, prejudicando a possibilidade representada, não pelo plantio, mas pela conservação de florestas nativas remanescentes, no caso da Mata Atlântica, equivalente a não mais do que 3%.

u      Uma área próxima a áreas naturais conservadas pode demandar até 150 anos para ser totalmente restaurada na biodiversidade. Se não houver áreas naturais conservadas nas proximidades, no entanto, o projeto pode ser ineficiente. Qual a empresa que planeja com esta perspectiva de tempo, porém?

u      Além da preservação de remanescentes primários, outros aspectos podem ser considerados no estabelecimento de prioridades. É o caso da interligação de remanescentes secundários, equivalentes a 5% das áreas abaixo da Amazônia e das ameaças ao local a ser protegido, a exemplo da constituição de uma Reserva Natural do Patrimônio Natural (RPPN), à beira de uma rodovia, numa área potencialmente impactada pela presença humana.

u      O desmatamento evitado não gera créditos de carbono, mas é possível calcular o estoque de carbono de uma floresta e saber o quanto vale preserva-la. Como se estivessem na Idade Média, procurando uma indulgência para salvar a própria alma, algumas empresas descobriram a compensação de carbono emitido.

u      Neutralizar emissões é a nova forma de assegurar um lugarzinho no céu. Anunciam o plantio de árvores para compensar emissões derivadas de processos predatórios, como se bastasse isso, para que tudo mais esteja perdoado em matéria de danos ambientais.

u      Sejam as emissões decorrentes de um evento, ou de um show, ou de uma viagem de avião, recorre-se a projetos de reflorestamento, ainda que de eficácia discutível, na medida em que nem sempre contribuem com para a biodiversidade.

u      A “quase ética” das empresas do “eu faço a minha parte”, ao invés do fazer o que é preciso, entretanto, tem prevalecido, à medida que mais se informa sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas decorrentes, sem os necessários preparo e disposição para planejar soluções ajustadas às circunstâncias de mercados e características de empresas.

u      Em 1987, quando a Comissão Brundtland apresentou o conceito de desenvolvimento sustentável, uma intenção, expressa na sua definição, é a de que há necessidade de uma revisão incisiva nos padrões de consumo, distribuição e produção, com a adoção de estilos de vida compatíveis com os recursos ecológicos do planeta, pelos mais ricos. Esta é uma outra história, porém.

u      A Farmácia de manipulação O Boticário, criada em 1977, tornou-se uma importante referência nas boas práticas ambientais. Hoje, o Grupo O Boticário, com mais de sete mil colaboradores diretos, dos quais 70% constituídos por mulheres (48% dos cargos de chefia) e uma ampla cadeia de fornecedores, sustenta a manutenção de duas reservas naturais, através da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

u      Através delas, protege mais de 11 mil hectares dos dois biomas mais ameaçados do Brasil, a Mata Atlântica (Reserva Natural Salto Morato, em Guaraqueçaba, litoral do Paraná) e o Cerrado (Reserva Natural Serra do Tombador, em Cavalcante, interior de Goiás).

u      O Grupo Boticário, empresa genuinamente brasileira e pioneira na preservação da flora e da fauna, não realiza testes em animais e apoia a extinção dessa atividade. Adota as melhores práticas para o desenvolvimento dos produtos de suas unidades de negócios. Entre elas, utiliza os serviços de renomados  laboratórios, que adotam métodos in vitro e estudos de segurança de uso em voluntários (pesquisa clínica em humanos), dentro dos padrões éticos vigentes.

u      Atualmente, O Boticário veicula a campanha de Dia dos Namorados, em que traz diversos tipos de casais, entre eles um casal de gays e outro de lésbicas. A peça publicitaria foi criada pela AlmapBBDO, que tem o filme dirigido pelo Heitor Dhalia, da produtora Paranoid, e a campanha digital criada pela agência W3haus. O Boticário celebra a data com diferentes possibilidades de amor, lançando as sete tentações da fragrância multigênero Egeo, criadas especialmente para a comemoração.

u      Como nem tudo são flores, no entanto, inflamou grupos intolerantes com a diversidade, que estão propondo boicote ao vídeo e à marca. No Youtube, pessoas estão clicando em dislike para demonstrar seu descontentamento com O Boticário.

u      Em resposta, O Boticário afirma que acredita na beleza das relações, presente em toda a sua comunicação, e que a proposta da campanha ”Casais” é abordar, com respeito e sensibilidade, a ressonância sobre as mais diferentes formas de amor, independentemente de idade, raça, gênero ou orientação sexual. Reitera que valoriza a tolerância e respeita a diversidade de escolhas e pontos de vista.

u      Miguel Krigsner, Fundador e Presidente do Conselho de Administração do Grupo O Boticário, afirma, no Relatório de sustentabilidade 2014, que “uma companhia verdadeiramente empreendedora jamais visará apenas a lucratividade. A partir de um olhar mais abrangente e sistêmico, buscará fomentar reflexões e atitudes individuais acreditando que, gradativamente, elas serão uma grande força propulsora de transformação. Por isso, desvendar maneiras para inspirar outras pessoas e instituições a adotarem práticas similares também faz parte desse jeito maduro e moderno de fazer negócios”.

u      Enquanto a plenitude da transformação pretendida não se estabelece, continua sendo fácil amar o próximo e difícil amar o distante.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
São mais de 600 edições apresentando casos de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à sustentabilidade,
à responsabilidade social e ao desenvolvimento sustentável.