A beleza e a intolerância
O plantio de árvores tem sido adotado como alternativa
comum
na compensação das emissões de carbono e de outros
gases.
Uma área reflorestada, no entanto, pode levar até 150 anos
para ser totalmente restaurada na biodiversidade.
Qual a empresa que planeja com esta perspectiva de
tempo, porém?
blog do professor paulo márcio
economia&arte
Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 3 de junho de
2015
u No início da década de
1990, o engenheiro florestal Miguel Milano convenceu o fundador da empresa de
cosméticos O Boticário, Miguel Krigsner, a alterar a intenção de plantar uma
árvore para cada produto vendido nas lojas da rede, então vislumbrada como
estratégia de marketing.
u Na aritmética do
marketing empresarial, prevaleceu a suposição da impossibilidade de se plantar
a quantidade necessária de árvores, que poderia chegar a até seiscentas mil por
mês. A intenção inicial foi então substituída pela criação da Fundação O
Boticário de Proteção da Natureza.
u Ao invés de plantar novas
árvores, proteger áreas remanescentes de floresta, para compensar as emissões
de carbono e de outros gases influentes na mudança climática, além de
contribuir para conservar a biodiversidade.
u Só quando a árvore chega
à maturidade é que ela vai absorver a quantidade de carbono pretendida, o que
muitas vezes é incompatível com a velocidade do crescimento da produção de
mercadorias. Os monitoramentos, tanto do plantio de árvores, quanto do estoque
acumulado de carbono, não cobrem o período necessário à verificação da
reconstituição plena da biodiversidade, nem da integralização da cota desejada
de absorção de carbono.
u Por exigência da
comunicação empresarial eficiente ao mercado, o plantio de árvores tem sido
adotado como a alternativa mais frequente na mitigação das emissões de carbono
e de outros gases, de tal forma que pode parecer que não há outros caminhos. A
avaliação de alternativas fica assim inibida, prejudicando a possibilidade
representada, não pelo plantio, mas pela conservação de florestas nativas
remanescentes, no caso da Mata Atlântica, equivalente a não mais do que 3%.
u Uma área próxima a áreas
naturais conservadas pode demandar até 150 anos para ser totalmente restaurada
na biodiversidade. Se não houver áreas naturais conservadas nas proximidades,
no entanto, o projeto pode ser ineficiente. Qual a empresa que planeja com esta
perspectiva de tempo, porém?
u Além da preservação de
remanescentes primários, outros aspectos podem ser considerados no
estabelecimento de prioridades. É o caso da interligação de remanescentes
secundários, equivalentes a 5% das áreas abaixo da Amazônia e das ameaças ao
local a ser protegido, a exemplo da constituição de uma Reserva Natural do
Patrimônio Natural (RPPN), à beira de uma rodovia, numa área potencialmente
impactada pela presença humana.
u O desmatamento evitado não
gera créditos de carbono, mas é possível calcular o estoque de carbono de uma
floresta e saber o quanto vale preserva-la. Como se estivessem na Idade Média,
procurando uma indulgência para salvar a própria alma, algumas empresas
descobriram a compensação de carbono emitido.
u Neutralizar emissões é a
nova forma de assegurar um lugarzinho no céu. Anunciam o plantio de árvores
para compensar emissões derivadas de processos predatórios, como se bastasse
isso, para que tudo mais esteja perdoado em matéria de danos ambientais.
u Sejam as emissões
decorrentes de um evento, ou de um show, ou de uma viagem de avião, recorre-se
a projetos de reflorestamento, ainda que de eficácia discutível, na medida em
que nem sempre contribuem com para a biodiversidade.
u A “quase ética” das
empresas do “eu faço a minha parte”, ao invés do fazer o que é preciso,
entretanto, tem prevalecido, à medida que mais se informa sobre o aquecimento
global e as mudanças climáticas decorrentes, sem os necessários preparo e
disposição para planejar soluções ajustadas às circunstâncias de mercados e
características de empresas.
u Em 1987, quando a
Comissão Brundtland apresentou o conceito de desenvolvimento sustentável, uma
intenção, expressa na sua definição, é a de que há necessidade de uma revisão
incisiva nos padrões de consumo, distribuição e produção, com a adoção de
estilos de vida compatíveis com os recursos ecológicos do planeta, pelos mais
ricos. Esta é uma outra história, porém.
u A Farmácia de manipulação
O Boticário, criada em 1977, tornou-se uma importante referência nas boas
práticas ambientais. Hoje, o Grupo O Boticário, com mais de sete mil
colaboradores diretos, dos quais 70% constituídos por mulheres (48% dos cargos
de chefia) e uma ampla cadeia de fornecedores, sustenta a manutenção de duas
reservas naturais, através da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
u Através delas, protege
mais de 11 mil hectares dos dois biomas mais ameaçados do Brasil, a Mata
Atlântica (Reserva Natural Salto Morato, em Guaraqueçaba, litoral do Paraná) e
o Cerrado (Reserva Natural Serra do Tombador, em Cavalcante, interior de
Goiás).
u O Grupo Boticário,
empresa genuinamente brasileira e pioneira na preservação da flora e da fauna, não realiza testes em animais e apoia a
extinção dessa atividade. Adota as melhores práticas para o desenvolvimento dos
produtos de suas unidades de negócios. Entre elas, utiliza os serviços de
renomados laboratórios, que adotam
métodos in vitro e estudos de
segurança de uso em voluntários (pesquisa clínica em humanos), dentro dos
padrões éticos vigentes.
u Atualmente, O Boticário veicula a campanha de Dia dos Namorados, em que traz
diversos tipos de casais, entre eles um casal de gays e outro de lésbicas. A
peça publicitaria foi criada pela AlmapBBDO, que tem o filme dirigido pelo
Heitor Dhalia, da produtora Paranoid, e a campanha digital criada pela agência
W3haus. O Boticário celebra a data com diferentes possibilidades de amor,
lançando as sete tentações da fragrância multigênero Egeo, criadas especialmente
para a comemoração.
u Como nem tudo são flores,
no entanto, inflamou grupos intolerantes com a diversidade, que estão propondo
boicote ao vídeo e à marca. No Youtube, pessoas estão clicando em dislike
para demonstrar seu descontentamento com O Boticário.
u Em resposta, O Boticário
afirma que acredita na beleza das relações, presente em toda a sua comunicação,
e que a proposta da campanha ”Casais” é abordar, com respeito e sensibilidade,
a ressonância sobre as mais diferentes formas de amor, independentemente de
idade, raça, gênero ou orientação sexual. Reitera que valoriza a tolerância e
respeita a diversidade de escolhas e pontos de vista.
u Miguel Krigsner, Fundador
e Presidente do Conselho de Administração do Grupo O Boticário, afirma, no
Relatório de sustentabilidade 2014, que “uma companhia verdadeiramente
empreendedora jamais visará apenas a lucratividade. A partir de um olhar mais
abrangente e sistêmico, buscará fomentar reflexões e atitudes individuais
acreditando que, gradativamente, elas serão uma grande força propulsora de
transformação. Por isso, desvendar maneiras para inspirar outras pessoas e
instituições a adotarem práticas similares também faz parte desse jeito maduro
e moderno de fazer negócios”.
u Enquanto a plenitude da
transformação pretendida não se estabelece, continua sendo fácil amar o próximo
e difícil amar o distante.
Paulo Márcio de Mello
Professor da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
A coluna
EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário
jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
São mais de 600
edições apresentando casos
de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à sustentabilidade,
à responsabilidade social e
ao desenvolvimento sustentável.