O manifestódromo, ou..., ou...,
os vândalos da Bastilha, ou
os vândalos da Bastilha, ou
no tempo em que os animais falavam
e mandavam aspergir spray de pimenta
na cara do contribuinte.
coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 26 de junho de 2013
Paulo Márcio de Mello*
► Há muito tempo,
a população revoltada de Paris (cidade favorita de políticos brasileiros)
invadiu o palácio real, para retirar lá de dentro uma rainha debochada e
levá-la à guilhotina. Alguns cristais da realeza foram quebrados. Órgãos da
mídia de então chamaram e chamaram e chamaram de “vândalos” os anônimos
revolucionários. Os “vândalos” não compreenderam as alternativas de política
econômica sugeridas pela rainha diante da falta de pão, comam brioches, disse
ela, e insistiram com a baderna. “Baderna” era outra das palavras que a realeza
gostava de repetir.
► O secretário de
segurança da rainha, diante da violência da sua polícia contra a população,
declarou em entrevista coletiva que mandaria reunir todas as evidências dos
atos de barbárie cometidos pelos policiais e mandaria apurar, através de
“rigoroso inquérito”, sem data para ficar pronto. Confrontado por um repórter,
que disse que conclusão de “rigoroso inquérito” é igual cabeça de bacalhau,
ninguém vê, o secretário ameaçou chamar o exército.
► Neste momento,
houve um princípio de pânico no gabinete do comandante do exército, que já
tinha ouvido falar de histórias sobre períodos anteriores em que o exército da
rainha tinha atendido convocações, como esta do secretário real, e a merda que
deu. Por experiência própria, dizia o rei da Espanha, vizinho da rainha, matar
um elefante é fácil. Difícil é depois, para remover o corpo. E para remover a
fama de assassino de animais, já que os defensores da fauna não se calam.
► Bem que antes da
invasão do palácio, a rainha convocou uma rede nacional de comunicação para
dizer que convidaria as lideranças das manifestações para um arreglo, ou
melhor, um entendimento. Afinal, a rainha dispunha de muitos cargos
comissionados e diretorias de empresas estatais, como argumentos. Mas só convidaria
para a pizza das cinco os líderes arrumadinhos, os “mauricinhos” e
“patricinhas” da época. Por conhecimento de causa, talvez, já que ela, em
tempos distantes, já tinha pegado em armas para derrubar poderosos que a
antecederam, de forma nada pacífica ou bem comportada.
► A rainha sabia
que seu país tinha uma forte vocação para o arreglo, ou melhor, para o
entendimento em um rodízio de pizza. Tanto é assim que acabou com a monarquia,
mas manteve o laudêmio, imposto cobrado para sustentar os descendentes do rei
deposto há muitos anos. Só precisava de uma boa ideia para fazer uma revolução,
antes que os vândalos a fizessem.
► Foi quando um
assessor, bem relacionado com a grande imprensa de então, sugeriu a criação de
um manifestódromo. O local teria um projeto encomendado a um arquiteto famoso e
seria construído com dispensa de licitação, por motivo de urgência. Seu
orçamento seria estourado e aditado muitas vezes, mas alcançaria o padrão FIFA
(sigla da máfia internacional Fim da Independência Fim da Autonomia).
► No
manifestódromo, anualmente, haveria três dias de manifestações, patrocinadas
por uma grande cervejaria e por um grande banco. Um júri composto por
militantes de causas populares, aposentados pelo mensalão e encostados nos
conselhos de administração de empresas estatais, avaliaria as melhores
manifestações, observando os seguintes aspectos.
► Comissão de
frente: a pontuação privilegiaria as mais bem educadas, sendo desclassificadas
aquelas com a exibição de genitálias desnudas.
► Evolução: maior
pontuação para as manifestações sem movimentos bruscos, reduzindo-se a nota das
que derrubarem ou incendiarem algum mobiliário urbano, como latas de lixo ou
radares da real indústria das multas de trânsito.
► Grito-enredo:
ponto para as palavras de ordem e refrões mais bem humorados, sendo vedados
palavrões ou xingamentos às autoridades constituídas.
► Fantasias: maior
pontuação para as manifestações com participantes vestidos de branco, cor da
paz, sendo eliminados os que vestirem vermelho, máscaras ou gorros. Também não
seriam admitidos capacetes, de uso exclusivo da polícia.
► Por último,
adereços de mão: pontuação mais alta para as manifestações em que os cartazes
tenham a melhor caligrafia.
► Carros alegóricos
não seriam permitidos, para não dificultar o tráfego de caveirões, o disparo
aleatório de balas de borracha, nem de bombas de gás lacrimogêneo. Seria
declarada a campeã das manifestações aquela que recebesse mais pontos da banca
de jurados, numa escala de um a dez pontos por quesito, descartando-se a menor
nota.
► As manifestações
seriam classificadas em duas divisões, uma reunindo as campeãs, representada
pela Liga das grandes campeãs e outra englobando as manifestações aspirantes à
primeira divisão, representada pela Associação das manifestações juniores.
► A cada ano, a
manifestação campeã receberia um troféu, denominado estandarte dourado e teria
o direito de se apresentar no sábado das campeãs, após o horário de exibição da
telenovela. Assim, todos exerceriam o democrático direito de se expressar
dentro da ordem pasteurizada, isenta de germes, bactérias e “vândalos”, a
realeza manteria a coroa e palácio intactos, e tudo continuaria como dantes na
terra dos estádios padrão FIFA, dos hospitais padrão espera na FILA e das
escolas padrão FALTA professor.
Paulo Márcio de Mello
paulomm@paulomm.pro.brProfessor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
A coluna EMPRESA-CIDADÃ é
publicada, desde 2001,
toda quarta-feira, no jornal
Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados
conceitos relativos à responsabilidade social,
casos de empreendedores e empresas, pesquisas, resenhas
ou agenda.
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