quarta-feira, 25 de novembro de 2015

De Mariana  (MG), visto e ouvido.
Serial Killers.

Crer  para ver. Há poucos dias, estive em Mariana para entender melhor a tragédia que, na cidade, 1ª capital do estado de Minas Gerais, com frequência, é chamada de “tragédia anunciada” e mais, que estilo de gestão é este o da SAMARCO, autoritarismo que nem ouve e foge da comunicação.

Coluna Empresa-cidadã
quarta-feira, 25 de novembro de 2015
Paulo Márcio de Mello

Algumas constatações podem até surpreender, mas formam um conjunto coerente. Ouvi diversas pessoas, entre as mais ou entre as menos atingidas pelo rompimento das barragens de Fundão e Santarém, no distrito de Bento Rodrigues, município de Mariana (MG), entre desabrigados, comerciantes e comerciários, taxistas, garçons, empregados ou aposentados da Samarco, etc.

Todos se sentem incomodados com o tratamento da imprensa, que coloca a cidade de Mariana no centro do rio de lama. Preocupam-se com a imagem da cidade, que depende da receita do turismo e pode ser afetada pela difusão das notícias.

Ademais, por motivos análogos, a ideia de uma penalização muito severa para a empresa não encontra eco entre os habitantes de Mariana, por que a SAMARCO significa, segundo o atual prefeito, cerca de 80% do orçamento do município. Achei curioso que ninguém se mostre surpreso com o rompimento e aí algumas razões alinham-se. A questão político-partidária é uma das razões determinantes. Desde 2005, a política local trepida como os veículos que rodam sobre o piso de pé de moleque. Foram 5 prefeitos no exercício do cargo (contando o atual, Duarte Junior /PPS, prefeito desde 10 de junho) distribuídos por sete mandatos, com direito a mútuas acusações de roubo e corrupção, comprometedoras da credibilidade de uma das autoridades institucionais que deveriam fiscalizar as barragens.

A VALE, controladora da SAMARCO, juntamente com a australiana BHP Billiton, também tem a sua imensa quota de responsabilidade. Presidida, desde março, por um azarão, a empresa é a terceira maior doadora de dinheiro para a campanha política de 2014 (atrás do Grupo JBS, com R$112,7 milhões); (da construtora OAS, com R$ 66,7 milhões); e a própria VALE (O Grupo Vale, com R$ 52,9 milhões distribuídos nas contas dos comitês eleitorais, cabendo ao PMDB 39%, seguido do PT, com 27,3% e PSDB, com 8,6%. Os outros partidos dividiram os 25,1% restantes). Um azarão que assumiu a presidência contra a vontade do antecessor.

Há mais de 400 barragens de resíduos da mineração no estado. Destas, 9 são classificadas como grau III (alto risco). Em 2012, o Ministério Público instaurou ação civil pública contra os responsáveis por auditar as barragens classificadas nesta faixa. O número de auditores é sabidamente insuficiente.

Na comissão de representação da Assembleia Legislativa para acompanhar os impactos causados pela tragédia do rompimento das barragens da Samarco-Vale, em Mariana, em Minas Gerais, estão 15 deputados estaduais. Sete receberam doações da empresa – por meio da Vale para a campanha eleitoral de 2014. Isso, para os meios políticos, faz com que a população olhe com desconfiança sobre as intenções dos parlamentares em integrar a comissão.
A comissão foi criada na segunda-feira (9 de novembro) e não se pode, ainda, dizer como será a atitude dos parlamentares em relação às empresas. Os financiados pela Samarco no grupo de acompanhamento são: Guerino Zanon (PMDB), Luzia Toledo (PMDB), Janete de Sá (PMN), Bruno Lamas (PSB), José Carlos Nunes (PT), Gildevan Fernandes (PV) e Rodrigo Coelho (PT).
Vale ‘ajudou’ a eleger 12 deputados estaduais

Tarefa difícil tem o novo presidente da VALE. Em janeiro de 2012, a empresa foi eleita “a pior empresa do mundo”, no que se refere a direitos humanos e meio ambiente, pelo “Public Eye People´s”, premiação realizada desde o ano 2000 pelas ONG's Greenpeace e Declaração de Berna. Assim, a Vale tornou-se a primeira empresa brasileira a "vencer" tal eleição. A escolha foi realizada por meio de votação pública, tendo a Vale recebido 25 mil votos. Em segundo lugar na eleição ficou a japonesa Tepco, responsável pela operação das usinas nucleares de Fukushima, atingidas por um tsunami em março de 2011.

Os que foram diretamente atingidos pelo rio de lama estão abrigados (em hotéis ou casas alugadas pela VALE/SAMARCO. Dói menos, por que não estão expostos ao tempo, como em tragédias recentes que guardam alguma semelhança (Nova Friburgo, São Luís do Paraitinga).

Como em tais casos, a solidariedade encontrada agora em Minas Gerais, contraria a frase do mineiro Otto Lara Rezende, de que “o mineiro só é solidário no câncer.” As doações chegam com a mesma força da lama que vitimou. E muitos voluntários, separam, limpam, classificam e distribuem a grande quantidade de materiais doados.

O autoritarismo das empresas, seja pelo DNA do período histórico em que foram implantadas e prosperaram (ditadura), seja pelo DNA burocrático/autotitário/taylorista, seja ainda pelo DNA natural de toda empresa que externaliza custos, como racionalidade básica, também respondem pela ocorrência do rio de lama.

É da crença da população que era sabida a iminência do desmonte da barragem, mas denunciado dentro dos muros da empresa, transforma-se em memorando, comissões, reuniões, e o denunciante em dedo-duro.

Ruindo mesmo está a credibilidade das instituições. Denunciar a quem? Só restou mesmo o bispo... Empresa que gera 80% da receita orçamentária do município “é grande demais para quebrar”. Mas, se os gestores de uma ou de outra matassem um animal silvestre, cometeriam crime ambiental. Diante de tantos que mataram, por negligência ou por imprudência, é de se perguntar por que ainda não se apresentaram à delegacia, entregaram os passaportes, não tiveram os bens tornados indisponíveis e por que ainda não tiveram prisão preventiva decretada?

Paulo Márcio de Mello
paulomm@paulomm.pro.br

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Quem sobreviver  verá...

No domingo ensolarado de 23 de agosto, um grupo de quinze jovens, procedentes da periferia da cidade do Rio de Janeiro, foi recolhido pela Polícia Militar, quando se deslocava de ônibus para as praias da Zona Sul. Nenhum deles portava drogas, armas ou cometeu qualquer ato infracional nem atitude suspeita que justificasse a detenção.

coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 2 de setembro de 2015
Paulo Márcio de Mello*


►O perfil do grupo de jovens era de um branco e quatorze negros. Todos moradores na periferia da cidade.

►O governador do estado, "Pezão", não viu nada de errado na ação da polícia e ainda procurou justificá-la, falando, sem ficar nem levemente ruborizado, que a operação foi realizada "para prevenir arrastões e outros crimes que são cometidos nas praias por adolescentes".

►No dia seguinte, 24 de agosto, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aprovou a resolução que estabelece a cota para negros nos concursos de juiz daquela Corte. O TJ poderá destinar até 20% das vagas a quem se declarar negro ou pardo, atingir uma nota mínima e ter renda familiar inferior a um salário mínimo e meio.

►Em 25 de agosto, o Senado aprovou, em primeiro turno (haverá o segundo), por 65 votos a favor e 7 contra, a Proposta de Emenda à Constituição nº 98, que reserva percentual mínimo de cadeiras às mulheres no Poder Legislativo. Nas próximas três legislaturas, caberá às mulheres o percentual mínimo de 10% das cadeiras. Na segunda legislatura 12% e na terceira, 16%. A medida vale para a Câmara dos Deputados, as assembleias legislativas, a Câmara Legislativa do Distrito Federal e as câmaras municipais.

►Quem sabe esta seria a solução para os jovens negros da periferia do Rio de Janeiro poderem frequentar as (públicas) praias da Zona Sul, deslocando-se através do (público) transporte coletivo? Cotas! Cotas para jovens negros poderem frequentar as praias, em um "país onde não há racistas..."

►Por falar nisso, que destino foi dado ao relatório apresentado em 3 de agosto pela Anistia Internacional, denominado "Você matou meu filho!: Homicídios cometidos pela Polícia Militar na cidade do Rio de Janeiro"? Nele, há informações gravíssimas, como a do perfil das vítimas de homicídios executados por policiais: 70% são negros e 75% são jovens entre 15 e 29 anos.

►E as perspectivas não são nada otimistas. Resolução assinada pelo secretário de Segurança Pública, Mariano Beltrame, autoriza o uso da balaclava (ou touca ninja) pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), do Batalhão da Polícia de Choque (BPChq), do Batalhão de Ações com cães (BAC) e do Grupamento Aeromóvel (GAM) em operações que envolvam reféns, controle de distúrbios civis (manifestações violentas ou em grandes eventos), operações aéreas e "ocorrências de interesse similar" (?!).
►O secretário procura justificar a resolução porque protege o policial de" objetos cortantes, fragmentos de rojões, resíduos gás e até fogo”.

Enquanto isso, na casa grande ...

Em 2009, a juíza federal Maria Isabel do Prado, da 2ª Vara Federal de Guarulhos (SP), condenou Eliana Maria Piva de Albuquerque Tranchesi (falecida em 2012), então proprietária da badalada boutique Daslu e mais seis pessoas (Antonio Carlos Piva de Albuquerque, Celso de Lima, André de Moura Beukers, Christian Pólo, Roberto Fakhouri Júnior e Rodrigo Nardy Fiqueiredo ), pelos crimes de formação de quadrilha, falsidade ideológica, descaminho consumado e descaminho tentado.

A juíza federal Maria Isabel do Prado, acrescentou. "Mais do que isso, visando mais uma vez esquivar os sócios da boutique Daslu da responsabilização penal, a quadrilha incumbia-se de introduzir, nas faturas apresentadas para desembaraço, informações falsas sobre o verdadeiro proprietário da carga que estava a ser importada".

A sentença que condenou os proprietários da boutique, no entanto, está sendo revista. Em petição assinada pelo procurador regional da República, Marcelo Antonio Moscogliato, autor da denúncia, a fixação das penas em seus valores máximos é medida excessiva.

A maioria dos integrantes da 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região votou pela reforma da sentença. Dos três integrantes da Turma, dois votaram a favor da redução das penas. em julgamento de recurso (25/8), o relator, desembargador José Lunardelli, votou pela revisão das penas, no que foi acompanhado pelo desembargador Nino Toldo.

A empresária Eliana Tranchesi teve sua punibilidade extinta. Antonio Carlos Piva teve a pena de 94 anos e seis meses de prisão reduzida para sete anos e quatro meses de reclusão, em regime semiaberto.

Celso de Lima, ex-contador da Daslu, teve a pena reduzida de 53 anos de prisão para cinco anos e oito meses, em regime inicial semiaberto.

André Moura Beukers, dono da importadora Kinsberg, foi beneficiado com a redução da condenação a 25 anos de prisão para cinco anos e quatro meses.

Christian Polo, da By Brasil, teve redução de pena de 14 anos de prisão para três anos e oito meses.

Finalmente, Roberto Fakhoury e Rodrigo Nardy, sócios proprietários da Daslu, condenados a 11 anos e meio de reclusão, foram absolvidos.

Devido a um pedido de vista da desembargadora Cecília Mello, o julgamento foi suspenso.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

domingo, 8 de novembro de 2015

ARNOLD

O famoso ator, empresário, político e  fisiculturista  Arnold Schwarzenegger (dos fimes da grife "O Exterminador do Futuro", Gêmeos (com Denny deVito, Um tira no jardim de infância, True Lies, e muitos outros, esteve no Brasil em outubro passado e muitos outros, esteve no Brasil em outubro passado e muito se falou sobre as suas ocupações. O que poucos chegaram a saber da história de Arnold é que ele governou o estado da Califórnia, o mais rico estado norteamericano, com um PIB que supera os das economias da Rússia, da Índia e do Brasil.


coluna Empresa-Cidadã
quarta-feira, 12 de novembro
por Paulo Márcio de Mello


■ Há, na prática política dos EUA, uma instituição raramente acionada no Brasil, da chamada democracia direta, em que no dia das eleições as pessoas opinam sobre vários aspectos que afetam as suas vidas, através de plebiscitos ou referenduns, como maioridade penal, legalização do aborto, etc. além da mera eleição do político que vai suceder outro político pelos próximos anos. E há a eleição revogatória, verdadeiro recall que permite aos eleitores retirar pelo voto um político antes eleito, e que tenha desagradado a maioria da população, uma verdadeira "deseleição". Com Arnold foi assim. A Califórnia também tem grandes empresas e empresários dispostos a meter a mão no bolso e, dessa forma, impor a sua "força política"
■ A estratégia de Arnold no primeiro processo eleitoral de que participou (2003-2006), aliava o estímulo a uma votação de emenda popular que limitasse a carga tributária sobre bens imobiliários e uma proposta de forte cunho ambiental - a instalação de um milhão de telhados solares, junto à emissão de títulos públicos em montante superior a US$ 10 bi, para alcançar as metas, com o orçamento público equilibrado.
■ A plataforma eleitoral somava a proibição nas escolas de refrigerantes e de alimentos sem valor nutritivo, a reforma do sistema de seguros e indenizações trabalhistas, a emissão de US$ 68 bi em títulos públicos para financiar investimentos em infraestrutura de transporte ferroviário, comunicação, geração de energia, etc.
■ Incluía também algumas medidas populares, como a do cancelamento da taxa de emplacamento de veículos automotores. Na educação, uma medida de impacto. Quase metade do orçamento era direcionado para o “K-14”, que corresponde à transição entre o ensino médio e superior (lá chamado de superior básico e que nada destinava à construção de escolas, nem para a emenda popular, tratada como Proposta98, da Lei de Melhoria Educacional e da Responsabilidade em Sala de Aula. Esta proposta garantia o orçamento da educação, independentemente de aumentos orçamentários prévios, como forma de levar a Assembléia Legislativa a se concentrar em questões sociais, como a do financiamento da educação e de programas extra-curriculares.
■ A tradição da Califórnia nas práticas da democracia direta remonta ao governador Hiram Johnson (1911-1917), empenhado em reduzir o poder do legislativo corrupto, então submetido ao cartel de empresas ferroviárias, cuja expressão mais célebre ocorreu na reforma fiscal de 1978, quando os eleitores aprovaram a Proposta 13, uma proposta de origem popular que se tornou emenda constitucional para aliviar a carga tributária sobre bens imobiliários.
■ Uma pesquisa constatou que a maior parte dos delitos cometidos por jovens era cometida entre 15h e 18h, o que foi interpretado como uma oportunidade para a implantação de programas extra-curriculares, como se tornaram os Inner City Games, através de uma emenda popular, a Proposta 49, ou Lei do Programa de Educação e Segurança, de 2002, uma coalizão de professores, câmaras de comércio, agentes de segurança pública e outros e que reuniu mais de US$ 1 mi, doados por Jerry Perrenchio, dono da TV em espanhol, UNIVITION.
■ O novo governador Arnold transformou a votação popular de um milhão de telhados solares em lei, em setembro de 2003, gerando US$ 2,9 bi para os californianos equiparem as suas casas com energia solar. Estímulo à inovação, à criação de empregos e à incorporação de 3mil megawatts em energia limpa, em 10 anos, bastante para fechar seis usinas a carvão, em afirmação do investimento ambiental como gerador de empregos e não como custo social, como até então muitos acreditavam. O orçamento estadual foi aprovado com a subscrição de títulos públicos da ordem de US128 bi, dos quais US2 bi, para a amortização da dívida pública, possível pelo correspondente aumento da receita fiscal.
■ A ousada resposta da Califórnia para a questão do aquecimento global incluiu metas drásticas de redução das emissões de gases, de 30% até 2020 e de 80%, até 2050, calculadas sobre os dados de 1990. A lei, como uma compensação pela omissão do governo do presidente George W. Bush em subscrever o Protocolo de Kyoto, foi mais abrangente e influenciou o sistema de transporte público, o plantio de mais de um milhão de novas árvores e investimentos significativos em fontes alternativas de energia. Logo atrás do Texas, a Califórnia é o estado norte-americano que mais emite gases causadores do efeito estufa nos EUA, daí ter se proposto um caminho diferente daquele oferecido pelo Congresso Nacional e pelo presidente Bush. Gray Davis, governador que antecedeu Arnold já havia promulgado uma lei, obrigando os fabricantes de veículos automotores a aumentar a eficiência média no uso de combustível, de 11,5km/l, para 15 km/l, a partir da constatação de que 40% das emissões dos gases causadores do efeito estufa vêm do uso de veículos.
■ A Agência federal de proteção ambiental do governo americano (EPA é a sigla em inglês), interferiu, impedindo a implementação da lei, porém. Os fabricantes de automóveis se uniram então, para processar o governo da Califórnia e o próprio governador Arnold.
■ Em 2009, no entanto, quando o presidente Obama foi empossado, ele adotou o padrão californiano e o cartel de fabricantes de automóveis assinou um acordo que obrigou a melhoria de 40% na eficiência do combustível, contra os então 10,6km/l.
A Califórnia somou ao seu programa de sustentabilidade a promoção do "Obamacare" a reforma mais inclusiva do sistema de saúde da História dos EUA.
■ Por meio de uma proposta de consulta popular, foi aprovada também uma 'contra-malandragem' do sistema de voto distrital, que resultou numa fixação dos limites distritais, antes alterados pelos deputados eleitos, de forma a tornar inevitáveis as reeleições, através da constante mudança de limites dos distritos.
■ O combate à violência de gangues juvenis e o financiamento às pesquisas com células tronco, obstadas pelo presidente Bush, e a assinatura de uma aliança pelo clima com a província canadense de Ontário, estrategicamente situada em frente à Detroit, do outro lado da fronteira foram conquistas à época.
■ A tragédia do Katrina, em 2005, com a fracassada resposta do governo federal, levou também à criação de um plano para a prevenção de desastres.
Geologicamente, o território da Califórnia tem as carcterísticas de 'mar interior'. O sistema de diques é antigo e vulnerável. Considerando que 'toda emergência é local', Arnold investiu também em um plano de emergências.
■ E Arnold reelegeu-se para o período 2007- 2011, apesar de ter caído em armadilhas políticas também. Casado com uma Kennedy, envolveu-se em um rumoroso e caro divórcio por ter tido um filho com uma empregada e se calado.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
São mais de 600 edições apresentando casos de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à sustentabilidade, à responsabilidade social e ao desenvolvimento sustentável.


quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Petrobras. A volta por cima?
                                                             
A Petrobras exalta a força de trabalho
como o “maior ativo” de que dispõe para a recuperação.
No entanto, precariza o seu “maior ativo” com uma relação
De mais de três empregados terceirizados
para cada empregado efetivo.


blog do professor paulo márcio
economia&arte

Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 12 de agosto de 2015

u      Na mensagem de abertura do relatório anual de sustentabilidade da Petrobras, apresentado em seu site, em 11 de agosto, o presidente Aldemir Bendime atribui a redução no ritmo de investimentos e nas perspectivas futuras da empresa a três fatores, a saber. O declínio dos preços internacionais do petróleo, a apreciação do dólar e a necessidade de reduzir o endividamento.

u       Sobre os efeitos da operação “Lava Jato’, realizada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, refere-se ao empenho em esclarecer fatos e adotar medidas necessárias. Diz isto, no entanto, de forma inespecífica, com expressões como “reforçamos nossos padrões” (de quê?), “acionamos nossos mecanismos de controle”, etc.

u       Entre os muitos “estatutos éticos” com os quais poderia se comprometer, reforça apenas o comprometimento com “a evolução contínua no cumprimento” dos dez princípios do Pacto Global. Frustrante, para quem afirma “buscar sempre o desenvolvimento das localidades onde atuamos, o respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente, melhorias das nossas práticas de gestão, a transparência e a geração de valor aos nossos públicos de interesse”. Por fim, exalta o “maior ativo” para a recuperação, “que é a força de trabalho”.

u       Em 2014, os dois principais produtos da companhia foram o diesel (38,2% do total de receita de vendas no mercado interno) e a gasolina automotiva (28,2%). O terço complementar é constituído por eletricidade; gás natural; outros derivados de petróleo; nafta; querosene de aviação; óleo combustível; etanol, nitrogenados e renováveis; e gás liquefeito de petróleo.

Responsabilidade Social

No âmbito dos projetos de investimento, a gestão da responsabilidade social se desdobra em duas dimensões, Direitos Humanos e Desenvolvimento Local. Há dez temas prioritários, a saber. Povos indígenas e comunidades tradicionais; Acesso a meios de vida e ao ambiente saudável; Grupos socialmente vulneráveis; Práticas trabalhistas na cadeia de fornecedores; Direito à integridade e ao ambiente seguro; Educação e formação profissional; Geração de renda e oportunidade de trabalho; Desenvolvimento tecnológico e acesso às tecnologias; e Infraestrutura e serviços públicos.

O gerenciamento da responsabilidade social contará com uma matriz de riscos sociais de cada projeto de investimento, para atuar com vistas à mitigação de “evento incerto decorrente da interação entre as atividades do projeto e as comunidades do entorno e outras partes interessadas”. São relacionados treze grupos de partes interessadas. São eles “clientes; comunidade científica e acadêmica; comunidades; concorrentes; consumidores; fornecedores; imprensa; investidores; organizações da sociedade civil; parceiros; poder público; público interno; e revendedores”.

Aspectos financeiros

Em relação ao ano anterior, em 2014, apesar de um aumento no consumo mundial de petróleo de 0,7%, observou-se a queda de 9% do preço médio do barril (Brent). O resultado (prejuízo) apurado pela Petrobras foi de R$21,5 bilhões.

A considerar o primeiro semestre de 2015, este poderá ser um ano melhor. Neste semestre, a empresa obteve o lucro líquido de R$5,8 bilhões e o lucro operacional de R$22,8 bilhões. Comparado ao lucro líquido do mesmo período do ano anterior, observa-se uma queda de 43%. Se for comparado ao lucro da BP, ou da Chevron ou ainda ao da Exxon Mobil, verifica-se que essas gigantes viram o lucro desabar em 144%, 69% e 49%, respectivamente.

A queda acentuada dos preços do barril de petróleo é uma das causas da crise que afeta a indústria do petróleo, no caso da Petrobrás, agravado pela variação cambial. Apesar do cenário, a empresa aumentou a produção de petróleo e gás natural em 9%, chegando à marca de mais de 2,7 milhões de barris por dia. No pré-sal, a produção atingiu o recorde de 747 mil barris por dia, no mês de junho.

Entre tributos e participações governamentais, foram destinados R$47,6 bilhões à alçada federal; R$48 bilhões a estados; R$431 milhões a municípios; e R$6,8 milhões a não residentes (fora do país), totalizando 70,2% do valor adicionado. Gastos com pessoal e com administradores alcançaram R$ 31 bilhões, incluindo remuneração direta, salários, participações nos lucros ou resultados e benefícios, como o Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário, que recebeu R$ 2,4 bilhões.

Pessoal

Ao final de 2014, o Sistema Petrobras registrou 80.908 empregados. Destes, 83,2% são homens e 16,8% mulheres. Entre os “cargos de liderança” a participação das mulheres é de 15,2%. O número de empregados de empresas prestadoras de serviço (terceirizados) foi de 291.074, o que sugere a precarização da qualidade do trabalho, chamado de “maior ativo” para a recuperação da empresa, na abertura do relatório. O número de estagiários foi de 1.746.

Emissões e uso da água

O volume total de emissão de gases causadores do efeito estufa (GEE) foi de 80,9 milhões de toneladas de CO2 equivalente. No ano anterior, o volume emitido foi de 73,3 milhões de toneladas, configurando um aumento de cerca de 10%. O volume captado de água foi de 206,5 milhões de m3. O reuso, no mesmo período foi de 24,5 milhões de m3.

O Relatório de Sustentabilidade 2014 do Sistema Petrobras retrata conquistas e desafios. É inespecífico quanto a muitos aspectos fundamentais, porém.


Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
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sábado, 8 de agosto de 2015

“Uma atrocidade, uma coisa terrível, desumanidade”
                                                             
Será que ainda vamos ter saudades dos tempos
em que “morrer na contramão” atrapalhava o trânsito?
Atualmente, é “só” passar por cima.

blog do professor paulo márcio
economia&arte

Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 5 de agosto de 2015

u      O vendedor ambulante Adílio Cabral dos Santos foi atropelado por um trem da SuperVia, concessionária do serviço de trens urbanos do Rio de Janeiro, na terça-feira, 28 de julho, próximo à Estação de Madureira. Ex-presidiário, ele vendia balas e doces nos trens, como tantos outros.

u      Após o atropelamento e mesmo antes que qualquer profissional da saúde atestasse a morte do vendedor ambulante, funcionários da SuperVia, autorizados pela empresa, determinaram a passagem de uma composição sobre o suposto cadáver de Adílio. O pretexto foi o de não interromper a circulação na via, de resto fato habitual na SuperVia.

u      É possível questionar o que fazia o vendedor na linha do trem, para ter sido atropelado. Como outros tantos que continuam se expondo, simplesmente, evitava as fiscalizações, tanto da SuperVia, quanto do município e estadual, que reprimem duramente e confiscam (para ser delicado) as mercadorias. Mesmo de um ex-presidiário, que “puxa uma tranca”, sem ter a oportunidade de aprender um ofício com que sobreviva do lado de fora da prisão.

u      A ética peculiar da empresa contrariou a poesia. Será que ainda vamos ter saudades dos tempos em que “morrer na contramão” atrapalhava o trânsito? Atualmente, é “só” passar por cima. Restou à mãe do ambulante, Eunice de Souza Feliciano (61), o desabafo, “foi uma atrocidade, uma coisa terrível, desumanidade”. O governador do estado disse que o culpado vai ser punido.

u      No caso do vendedor ambulante Adílio dos Santos, é barbada saber quem vai pagar o pato. As imagens gravadas por celulares de diversos usuários dos trens destacam as figuras de dois funcionários, chamando a composição para passar por cima do suposto cadáver de Adílio.

u      A declaração do governador, no entanto, de que o culpado vai ser punido, abre uma questão central nas concessões de serviços públicos a empresas ou consórcios privados. Saber quem são os culpados pelas inúmeras atrocidades? Eles têm um rosto, um endereço, número do cpf? Questionável sob diversos aspectos, o processo de privatizações, que transformou o transporte coletivo em mercadoria, esconde quem responde pela segurança, higiene e qualidade dos serviços.

A SuperVia tem “sobrenome”. É Odebrecht...

u      Consta da página da Odebrecht (www.odebrecht.com.br) que a “SuperVia é o ativo da Odebrecht TransPort que administra os trens do Rio e o Teleférico do Alemão”. Um sobrevoo por seus dados contábeis, mostra que, em 2014, a SuperVia obteve a receita líquida de R$ 901,5 milhões, lucro bruto de R$ 155,5 milhões, e deduzidas as despesas, entre elas as de honorários da administração (R$ 4,8 milhões), apurou o lucro operacional de R$ 91,3 milhões, e o lucro líquido (descontados o imposto de renda e a CSLL) de R$ 16,6 milhões. Números que sugerem a possibilidade de serviços muito melhores.

u      Constituída em 1998, a SuperVia/Odebrecht TransPort é a detentora exclusiva dos direitos e obrigações do transporte coletivo de passageiros ferroviários do Rio de Janeiro, pelo prazo de 25 anos (até outubro de 2023), renováveis por mais 25 (até outubro de 2048). A tarifa sofre reajustes ordinários anuais (IGP-M) e a cada cinco anos. Também pode ser reajustada extraordinariamente, a qualquer momento, na vaga “ocorrência de circunstância que altere o equilíbrio econômico-financeiro do contrato”.

u      A renovação do ajuste pelo segundo período de 25 anos (aquele com vencimento em 2048) custou à empresa pouco mais de R$ 1,2 bilhão. Só que a SuperVia/Odebrecht TransPort não mete a mão no bolso. Este preço é saldado na modalidade de dação em pagamento, isto é, a empresa oferece como “moeda” algo de que ela disponha, sem mexer em dinheiro. No caso, a SuperVia oferece a vaga “revitalização de material permanente” (?), “aquisição de novo sistema de sinalização”, “aquisição de trens” e um mais inespecífico “etc”. Não há cronogramas, nem metas pactuadas.

u      Até hoje, no entanto, os únicos novos trens que entraram em operação foram os 30 “geladões”, adquiridos, pelo governo do estado, junto ao consórcio chinês China National Machinery Import&Export Corp. O governo do estado ainda se compromete com o reembolso à empresa de todo o passivo das extintas Central e Flumitrens transferido a SuperVia/Odebrecht TransPort, desde 28 de junho de 2007...

Os Jogos Olímpicos de 2016 aliviam o peso para a SuperVia/Odebrecht TransPort

u      Há menos de um ano, em 25 de agosto de 2014, novo termo aditivo firmado entre o governo do estado e a SuperVia/Odebrecht TransPort liberou a empresa do compromisso de adquirir 10 novas composições, de reformar outras 41, além de obrigar o estado a adquirir mais 22 novas composições, em troca da reforma de 6 estações, consideradas “estratégicas” para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, a saber, São Cristóvão, Deodoro, Magalhães Bastos, Vila Militar, Ricardo de Albuquerque e Engenho de Dentro.

u      As condições destas estações hoje, a um ano exato da abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, não sugerem qualquer vulto especial nas tais reformas, porém.

u      Alivia-se, assim, o peso da SuperVia/Odebrecht Transport, enquanto os “Adílios dos Santos” continuarão sentindo, às vezes literalmente, o peso do legado e do “a-legado” dos Jogos Olímpicos 2016.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

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à responsabilidade social e ao desenvolvimento sustentável.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Pés no chão.
                                                             
Em 2014, os gastos com calçados femininos no Brasil
foram maiores do que
os gastos com feijão, pão, leite, legumes e verduras.

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A temperatura média da superfície do planeta
alcançou o seu ponto mais alto em 135 anos.

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Cientistas denunciam os riscos
da terceira revolução nas armas de guerra.
Depois da pólvora e das armas nucleares,
armas capazes de escolherem os alvos, por decisão própria.


blog do professor paulo márcio
economia&arte

Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 29 de julho de 2015


u      Em 2014, os brasileiros despenderam cerca de R$ 22 bilhões em sapatos. Comparados aos gastos com calçados femininos, os gastos com feijão representaram apenas 64%, com pão francês 67%, com legumes e verduras 78% e com leite de vaca 92%. Casos de mercadorias em que os dispêndios foram maiores do que com calçados femininos foram os realizados com arroz (10%) e com carne de frango (28%).

u       Os gastos com calçados femininos atingiram a cifra de R$12 bilhões, representando 55% do total. Uma distância pequena em relação aos gastos com calçados masculinos, maior em 20%, contrariando a suposição de muitos. São conclusões derivadas de estudo realizado pela FecomércioSP (http://www.fecomercio.com.br/NoticiaArtigo/Artigo/13503), com base em informações da Pesquisa de orçamentos familiares (POF), do IBGE.

u       O estudo acrescenta que a maior distância entre os gastos realizados em calçados femininos e masculinos está na chamada classe “A”, responsável por 19% do total de gastos em calçados femininos, apesar de representar apenas 4% do total da população. Nesta classe de renda, os dispêndios em calçados masculinos representam 71% do que se gasta com os femininos.

u       Situada no polo oposto, a classe “E” é a única em que se verificam gastos com calçados masculinos em proporção maior do que com calçados femininos. Maiores em 4%, os dispêndios masculinos são igualmente distribuídos entre tênis e outras modalidades.

u       Reunindo os gastos das classes “A”, “B”, “C” e “D”, os dispêndios com tênis representam 60% do total. Entre os calçados femininos, os tênis são objeto de cerca de 25% dos gastos. O estudo sugere uma reflexão sobre o significado do que é essencial no consumo de brasileiras e brasileiros.


O apelo de Musk, Wozniak e Hawking

Centenas de pesquisadores assinaram carta aberta pedindo a proibição de armas autônomas ofensivas, a inteligência artificial aplicada na guerra. Divulgada na Conferência Internacional Conjunta de Inteligência Artificial em Buenos Aires (Argentina), a carta traz as assinaturas de nomes como os de Elon Musk, da Telsa, Steve Wozniak, um dos fundadores da Apple, de Demis Hassabis, executivo-chefe do Google e de Stephen Hawking.

A carta refere-se inicialmente à preocupação com armas IA, as que são capazes de tomar decisões autônomas sobre os alvos, descritas como “a terceira revolução na guerra, depois de pólvora e armas nucleares”.


Temperatura do planeta é a mais alta em 135 anos

Em 2014, os oceanos do mundo incharam, os principais gases responsáveis pela formação do aquecimento global bateram recordes e a temperatura da superfície do planeta atingiu seu ponto mais quente em 135 anos. É o que consta do Relatório sobre o Estado da Temperatura de 2014, estudo sobre temperatura, precipitação e eventos climáticos ao redor do mundo.

Um total de 413 cientistas, de 58 países, conntribuíram para o relatório, o 25º de uma série que se utiliza de dados reunidos por estações de monitoramento ambiental e instrumentos em terra, água, gelo e no espaço. O calor atingiu os oceanos e a atmosfera e os cientistas alertam que o clima continua a mudar rapidamente em relação ao período pré-industrial. O leste da América do Norte foi a única região do mundo que experimentou temperaturas abaixo da média.

Tendências observadas nas últimas décadas continuaram em 2014. O dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso, principais gases do efeito estufa mais uma vez atingiram concentrações médias recordes no ano.

A Europa teve o ano mais quente já registrado, com cerca de duas dezenas de países batendo seus recordes de temperatura anteriores. Muitos países na Ásia tiveram temperaturas entre as 10 mais quentes já registradas. A África teve temperaturas acima da média em quase todo o continente. A Austrália teve seu terceiro ano mais quente já registrado. Na América Latina, o México teve o ano mais quente, enquanto Argentina e Uruguai tiveram seu segundo ano mais quente. Mesmo que sejam adotadas medidas para reduzir o uso dos combustíveis fósseis, a tendência não se reverteria logo, consta do relatório.

O relatório completo foi publicado no Boletim da Sociedade Meteorológica Americana. Os dados do estudo reforçam a importância de que um acordo em nível global para a redução dos gases de efeito estufa seja alcançado em dezembro, quando representantes de 196 países estarão reunidos em Paris, para a conferência da ONU sobre mudanças do clima, a COP 21.

*Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
São mais de 600 edições apresentando casos de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à sustentabilidade, 
à responsabilidade social, ao desenvolvimento sustentável e aos Direitos Humanos.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

A beleza e a intolerância
                                                                        
O plantio de árvores tem sido adotado como alternativa comum
na compensação das emissões de carbono e de outros gases.
Uma área reflorestada, no entanto,  pode levar até 150 anos
para ser totalmente restaurada na biodiversidade.
Qual a empresa que planeja com esta perspectiva de tempo, porém?

blog do professor paulo márcio
economia&arte

Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 3 de junho de 2015

u      No início da década de 1990, o engenheiro florestal Miguel Milano convenceu o fundador da empresa de cosméticos O Boticário, Miguel Krigsner, a alterar a intenção de plantar uma árvore para cada produto vendido nas lojas da rede, então vislumbrada como estratégia de marketing.

u      Na aritmética do marketing empresarial, prevaleceu a suposição da impossibilidade de se plantar a quantidade necessária de árvores, que poderia chegar a até seiscentas mil por mês. A intenção inicial foi então substituída pela criação da Fundação O Boticário de Proteção da Natureza.

u      Ao invés de plantar novas árvores, proteger áreas remanescentes de floresta, para compensar as emissões de carbono e de outros gases influentes na mudança climática, além de contribuir para conservar a biodiversidade.

u      Só quando a árvore chega à maturidade é que ela vai absorver a quantidade de carbono pretendida, o que muitas vezes é incompatível com a velocidade do crescimento da produção de mercadorias. Os monitoramentos, tanto do plantio de árvores, quanto do estoque acumulado de carbono, não cobrem o período necessário à verificação da reconstituição plena da biodiversidade, nem da integralização da cota desejada de absorção de carbono.

u      Por exigência da comunicação empresarial eficiente ao mercado, o plantio de árvores tem sido adotado como a alternativa mais frequente na mitigação das emissões de carbono e de outros gases, de tal forma que pode parecer que não há outros caminhos. A avaliação de alternativas fica assim inibida, prejudicando a possibilidade representada, não pelo plantio, mas pela conservação de florestas nativas remanescentes, no caso da Mata Atlântica, equivalente a não mais do que 3%.

u      Uma área próxima a áreas naturais conservadas pode demandar até 150 anos para ser totalmente restaurada na biodiversidade. Se não houver áreas naturais conservadas nas proximidades, no entanto, o projeto pode ser ineficiente. Qual a empresa que planeja com esta perspectiva de tempo, porém?

u      Além da preservação de remanescentes primários, outros aspectos podem ser considerados no estabelecimento de prioridades. É o caso da interligação de remanescentes secundários, equivalentes a 5% das áreas abaixo da Amazônia e das ameaças ao local a ser protegido, a exemplo da constituição de uma Reserva Natural do Patrimônio Natural (RPPN), à beira de uma rodovia, numa área potencialmente impactada pela presença humana.

u      O desmatamento evitado não gera créditos de carbono, mas é possível calcular o estoque de carbono de uma floresta e saber o quanto vale preserva-la. Como se estivessem na Idade Média, procurando uma indulgência para salvar a própria alma, algumas empresas descobriram a compensação de carbono emitido.

u      Neutralizar emissões é a nova forma de assegurar um lugarzinho no céu. Anunciam o plantio de árvores para compensar emissões derivadas de processos predatórios, como se bastasse isso, para que tudo mais esteja perdoado em matéria de danos ambientais.

u      Sejam as emissões decorrentes de um evento, ou de um show, ou de uma viagem de avião, recorre-se a projetos de reflorestamento, ainda que de eficácia discutível, na medida em que nem sempre contribuem com para a biodiversidade.

u      A “quase ética” das empresas do “eu faço a minha parte”, ao invés do fazer o que é preciso, entretanto, tem prevalecido, à medida que mais se informa sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas decorrentes, sem os necessários preparo e disposição para planejar soluções ajustadas às circunstâncias de mercados e características de empresas.

u      Em 1987, quando a Comissão Brundtland apresentou o conceito de desenvolvimento sustentável, uma intenção, expressa na sua definição, é a de que há necessidade de uma revisão incisiva nos padrões de consumo, distribuição e produção, com a adoção de estilos de vida compatíveis com os recursos ecológicos do planeta, pelos mais ricos. Esta é uma outra história, porém.

u      A Farmácia de manipulação O Boticário, criada em 1977, tornou-se uma importante referência nas boas práticas ambientais. Hoje, o Grupo O Boticário, com mais de sete mil colaboradores diretos, dos quais 70% constituídos por mulheres (48% dos cargos de chefia) e uma ampla cadeia de fornecedores, sustenta a manutenção de duas reservas naturais, através da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

u      Através delas, protege mais de 11 mil hectares dos dois biomas mais ameaçados do Brasil, a Mata Atlântica (Reserva Natural Salto Morato, em Guaraqueçaba, litoral do Paraná) e o Cerrado (Reserva Natural Serra do Tombador, em Cavalcante, interior de Goiás).

u      O Grupo Boticário, empresa genuinamente brasileira e pioneira na preservação da flora e da fauna, não realiza testes em animais e apoia a extinção dessa atividade. Adota as melhores práticas para o desenvolvimento dos produtos de suas unidades de negócios. Entre elas, utiliza os serviços de renomados  laboratórios, que adotam métodos in vitro e estudos de segurança de uso em voluntários (pesquisa clínica em humanos), dentro dos padrões éticos vigentes.

u      Atualmente, O Boticário veicula a campanha de Dia dos Namorados, em que traz diversos tipos de casais, entre eles um casal de gays e outro de lésbicas. A peça publicitaria foi criada pela AlmapBBDO, que tem o filme dirigido pelo Heitor Dhalia, da produtora Paranoid, e a campanha digital criada pela agência W3haus. O Boticário celebra a data com diferentes possibilidades de amor, lançando as sete tentações da fragrância multigênero Egeo, criadas especialmente para a comemoração.

u      Como nem tudo são flores, no entanto, inflamou grupos intolerantes com a diversidade, que estão propondo boicote ao vídeo e à marca. No Youtube, pessoas estão clicando em dislike para demonstrar seu descontentamento com O Boticário.

u      Em resposta, O Boticário afirma que acredita na beleza das relações, presente em toda a sua comunicação, e que a proposta da campanha ”Casais” é abordar, com respeito e sensibilidade, a ressonância sobre as mais diferentes formas de amor, independentemente de idade, raça, gênero ou orientação sexual. Reitera que valoriza a tolerância e respeita a diversidade de escolhas e pontos de vista.

u      Miguel Krigsner, Fundador e Presidente do Conselho de Administração do Grupo O Boticário, afirma, no Relatório de sustentabilidade 2014, que “uma companhia verdadeiramente empreendedora jamais visará apenas a lucratividade. A partir de um olhar mais abrangente e sistêmico, buscará fomentar reflexões e atitudes individuais acreditando que, gradativamente, elas serão uma grande força propulsora de transformação. Por isso, desvendar maneiras para inspirar outras pessoas e instituições a adotarem práticas similares também faz parte desse jeito maduro e moderno de fazer negócios”.

u      Enquanto a plenitude da transformação pretendida não se estabelece, continua sendo fácil amar o próximo e difícil amar o distante.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
São mais de 600 edições apresentando casos de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à sustentabilidade,
à responsabilidade social e ao desenvolvimento sustentável.