Ad jamming, um antídoto?
R$0,48 por ação. Foi quanto a Union Carbide/Dow
Chemicals “perderam” no desastre de Bhopal. Duas linhas. É o que a Union
Carbide dedica à tragédia, em sua página.
blog do professor paulo márcio
economia&arte
Quarta-feira, 23 de abril de 2014
Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Paulo Márcio de Mello*
u “É puro marquetingue”. Isto é o que mais
se ouve nas rodas de conversas, quando se fala da possibilidade de uma empresa,
através de suas instâncias decisórias, buscar um reposicionamento na sociedade,
com o intuito contribuir para reverter o cenário trágico do aquecimento global
e de condutas irresponsáveis.
u A mídia, expressão relativamente recente,
que substituiu o que antes se chamava de “imprensa”, ou “crônica”,
indissociável do marketing, exerce um papel tão poderoso forjando costumes, que
talvez só seja menor do que o poder que o imaginário popular acha que a mídia
dispõe.
u O jamming
poderia neutralizar o impacto do marketing, no caminho das mudanças necessárias
para a sustentabilidade e a responsabilidade social? Apesar da desproporção
entre os incentivos ao consumismo e os alertas sobre as suas consequências
nefastas, há exemplos interessantes.
u Há iniciativas de jamming que se tornaram clássicos da modalidade. É o caso do The
Yes Men (http://theyesmen.org/), criação de Andy Bichlbaum e Mike Bonnano, que
utiliza alarmes falsos para denunciar o contorcionismo ilusionista de
organizações.
u Um dos seus casos mais conhecidos
aconteceu no dia 3 de dezembro de 2004. Nesta data, vigésimo aniversário do
desastre de Bhopal (Índia), Andy Bichlbaum surgiu na BBC World, representando
uma personagem chamada Jude Finisterra, que se apresentou como porta-voz da Dow
Chemicals, que comprou a Union Carbide, em 2001.
u Na oportunidade, Andy Bichlbaum disse que
a Dow Chemicals pretendia fechar a Union Carbide e aplicar US$12 bilhões para
pagar as indenizações médicas dos sobreviventes de Bhopal, descontaminar a
região onde se localizava a fábrica e investigar sobre as ameaças de produtos
do grupo.
u Durante duas horas, a notícia repercutiu.
Até que a Dow Chemicals negou as informações de “Jude Finisterra”, o falso
porta-voz, e assim repercutiu ainda mais a declaração de “Finisterra”. Moral da
história: até a versão ser desacreditada, o valor das ações da Dow Chemicals
caiu 23%, representando uma perda patrimonial temporária de US$2 bilhões de
dólares.
u A tragédia de Bhopal (Índia) ocorreu em 3
de dezembro de 1984. Nela, considerada um dos mais graves desastres
corporativos já ocorridos, escaparam 40 toneladas de gases tóxicos da fábrica
da Union Carbide. Em consequência, cerca de 500 mil pessoas foram expostas aos
gases.
u Mais de 3 mil pessoas morreram pelos
efeitos diretos da inalação dos gases e mais de 10 mil posteriormente, por
complicações decorrentes. Cerca de 150 mil ainda amargam sequelas e 50 mil
ficaram incapacitadas para o trabalho. A empresa, além da responsabilidade pelo
vazamento, recusou-se a oferecer informações necessárias sobre as substâncias
contaminantes, dificultando o atendimento médico adequado.
u Até hoje, o governo indiano e os
sobreviventes lutam, sem sucesso, para obter informações sobre os gases letais
que contaminaram as pessoas, para trata-las. As instalações da fábrica em
Bhopal permanecem abandonadas, sem os cuidados para prevenir a extensão dos
danos até hoje.
u A matriz da empresa, teria cortado
investimentos na filial de Bhopal, inclusive em segurança, em consequência de
redução do retorno financeiro, agindo de uma perspectiva meramente de mercado.
A empresa não admitiu responsabilidade pelo desastre e, no primeiro momento,
acusou um suposto terrorista de um movimento indiano por ele. Depois, mudou a
versão e acusou um presumível sabotador, empregado da empresa.
u A Dow Chemicals (no Brasil, Dow Química)
assumiu o controle da Union Carbide em 2001, por US$9,3 bilhões. Com isso, o
faturamento anual do grupo chegou a US$24 bilhões e seus ativos atingiram os
US$30 bilhões. Jamais aceitou a responsabilidade pelos danos, sustentando, até
hoje, na Justiça norte americana a hipótese de sabotagem e se recusando a
aceitar o julgamento onde a tragédia ocorreu, na Índia. Limitou-se ao pagamento
de uma indenização irrisória.
u Organizações de sobreviventes reclamaram
uma indenização de US$220 milhões para os milhares que ficaram impedidos de
trabalhar. A Dow Chemicals recusou. Só em fevereiro de 1989, após uma peleja
judicial, a empresa e o governo indiano chegaram a um acordo total de US$470
milhões.
u A indenização limitou-se à cobertura de
despesas médicas por cinco anos, variando de US$370 a US$533, por vítima. No
entanto, muitas das vítimas, entre elas crianças e jovens, amargarão os efeitos
do vazamento por muito mais tempo, sem possibilidades de trabalhar. Ademais, a
compensação não cobriu despesas derivadas da exposição contínua da área, até
hoje, contaminada por metais pesados e clorados.
u O responsável pela fábrica refugiou-se nos
EUA, que recusou todos os pedidos de extradição apresentados pelo governo da
Índia. A página da Union Carbide (http://www.unioncarbide.com/history) até hoje
afirma, em apenas duas linhas, que o desastre de Bhopal, “causado por um ato de
sabotagem, resultou em uma trágica perda de vidas” (caused by an act of
sabotage, results in tragic loss of life).
u O grupo The Yes Men, criado em 1999, e
outras organizações, como Adbusters (www.adbusters.org/), de 1989, Billboard
Liberation Front (BLF; www.billboardliberation.com), de 1977,
mostram o potencial do jamming, na
paródia e denúncia de campanhas publicitárias que promovem o consumismo, o
consumo de mercadorias antiéticas, ou mesmo a imagem falsamente construída de
corporações que conflitam com suas práticas.
u Além dos milhares de mortos, sequelados e
incapacitados para o trabalho, da trágica madrugada de 3 de dezembro,
resultaram também o Responsible Care, código de conduta da indústria química, a
legislação norte-americana de Direito à Informação e perdas da empresa Union
Carbide de US$0,48 por ação...
Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
no centenário
jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela,
são apresentados casos
de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à responsabilidade social, à
sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável.