Poluição não
rima com sustentabilidade...
O relatório divulgado pela Organização Mundial de
Saúde (OMC) afirma que o número de mortos em consequência da poluição do ar
chegou a 7 milhões. Não se trata, portanto, de uma imagem inofensiva nas
páginas dos jornais...
blog do professor paulo márcio
economia&arte
Quarta-feira, 2 de abril de 2014
Coluna Empresa-Cidadã
Paulo Márcio de Mello*
u No final de março passado, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) divulgou os números de mortos, em 2012, em decorrência
da exposição à poluição do ar. Foram sete milhões de vítimas, o que representa
um em cada oito casos de morte no mundo.
u Mulheres, crianças e idosos são os grupos
mais atingidos. Os casos devidos à contaminação atmosférica têm como causas
específicas cardiopatia isquêmica (40%), acidente cerebrovascular (40%), doença
pulmonar obstrutiva crônica (11%), câncer de pulmão (6%) e infecção aguda das
vias respiratórias inferiores em crianças (3%).
u As mortes decorrentes da contaminação
domiciliar do ar têm como causas específicas acidente cerebrovascular (34%),
cardiopatia isquêmica (26%), doença pulmonar obstrutiva crônica (22%), infecção
aguda das vias respiratórias inferiores em crianças (12%) e câncer de pulmão
(6%).
u Os países de renda baixa ou média,
situados no Sudeste da Ásia e do Pacífico Ocidental encabeçam a relação das
regiões em que as mortes decorrentes da poluição são mais frequentes.
Registraram 3,3 milhões de mortes associadas à poluição do ar no interior de
domicílios (por efeito de fogões a lenha, a biomassa, etc) e 2,6 milhões de
mortes relacionadas à contaminação da atmosfera. Como há casos em que as
vítimas são afetadas simultaneamente pelas duas alternativas, estes números não
são somados.
u A seguir, por número de óbitos decorrentes
da poluição, figuram a África, a região do Mediterrâneo ocidental, a Europa e
as Américas. Relatório do Banco Mundial, divulgado na mesma semana, revela que
na China são cerca de 500 mil mortos no ano e um custo de até US$300 bilhões,
relacionados à poluição. Nas Américas, são 131 mil vítimas registradas nos
países de nível de renda mais baixa e 96 mil nos de renda mais alta.
u Numa aparente contradição, a concentração
das vítimas da poluição, não se encontra nos países mais industrializados. Nos
países de renda alta, ocorreram “apenas” 19 mil dos sete milhões de casos de
mortes.
u Dias após a divulgação dos dados da OMS,
sobre a mortalidade derivada da poluição atmosférica e domiciliar, o Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês)
divulgou o documento "Sumário
para os Formuladores de Políticas”, do quinto Relatório de Avaliação,
complementando informações divulgadas em setembro de 2013, que abordava A Base
das Ciências Físicas.
u No sumário, são reiterados os efeitos
alarmantes das mudanças climáticas, a responsabilidade do Homem pelo
aquecimento, as
previsões de que danos residuais ocorrerão em diferentes partes do planeta, na
segunda metade deste século, mesmo que ocorram cortes substanciais de emissões de gases de efeito
estufa nos próximos anos. O relatório também afirma que os mais
pobres serão os mais açoitados pelas mudanças climáticas. A que se deve a
penalização predominante deste grupo, se os fenômenos descritos são de caráter
mundial?
u As profundas transformações inerentes às
soluções implantadas no interior da economia, a partir dos anos 1970, com o
esgotamento das políticas públicas de até então, levaram, na época, à chamada
“economia da oferta” (supply economics).
u Acentuou-se assim a globalização de
costumes, financeira e de bens e serviços. Instalou-se o hiperconsumismo, com
uma pressão sobre os recursos humanos e naturais nunca antes observada. Custos
sociais, ambientais e econômicos passaram a ser externalizados, em intensidade
sem precedentes. A renda e a riqueza foram mais concentradas, fazendo evaporar
conquistas sociais obtidas nas décadas anteriores.
u O Estado foi empenhado ao sistema
financeiro e ao capital especulativo, por meio do endividamento equivalente ao
próprio PNB, ou a elevadas proporções dele. Praticou-se a desregulamentação dos
fluxos financeiros internacionais, com a instalação do neoliberalismo, até o
mundo ser empurrado para a consequente crise econômica, potencializada a partir
de 2008.
u Nestes processos, os países mais pobres
foram transformados em quintal das economias centrais, através da transferência
de plantas industriais que já não eram admitidas nos países industrializados,
seja pela agressividade ambiental, seja por obsolescência produtiva. O Brasil,
por exemplo, assistiu nos anos 1970, o processo de substituição de importações
de bens de capital e insumos, com a transferência de indústrias altamente poluentes
e ambientalmente impactantes, como a petroquímica, a siderurgia e a celulose.
u O projeto Jari é um emblema deste período.
Uma fábrica de celulose obsoleta, rebocada desde o Japão, baseada no grave erro
ambiental da aposta em uma matéria prima inadaptável ao país, favelização,
prostituição infantil e comprometimento de recursos públicos para “salvar” o
que restou do projeto e corrigir os seus subprodutos.
u Um sem número de casos poderia ser citado,
como o do Rana Plaza, o edifício da Dacca, capital de Bangladesh, que desabou
pelas precárias condições de manutenção, matando mais de 390 trabalhadores.
Nele, funcionavam confecções que forneciam para a espanhola Mango, a irlandesa
Primark, a canadense Loblaw, distribuidora da indústria de vestuário Joe Fresh,
as inglesas Tesco, Sainsbury’s e Next, a
italiana Benetton e as norte-americanas H&M, Walmart e Gap.
u Estas confecções empregam trabalhadores
com jornadas de trabalho superiores a 10 horas diárias, 7 dias por semana, sem
direitos trabalhistas, como férias, intervalo determinado entre jornadas
diárias, seguro saúde, seguro desemprego, ou qualquer outro. Em troca, são
remunerados pelo equivalente a não mais do que R$ 75 mensais.
u A OMS refere-se, no seu resumo, a um
aperfeiçoamento nos métodos para a identificação dos países onde a poluição
mata mais. Há, no entanto, uma alternativa mais simples. Basta olhar nas
etiquetas das peças de vestuário ou calçados vendidos em Miami, Nova Iorque ou
Paris. Nelas se lê, em quase 100% dos casos, Bangladesh (fornece para as grifes
La Coste e Marfinno), Vietnam (fornece para a grife Clarks), China (fornece
para as grifes La Coste e American Rag), Tailândia (fornece para a grife La
Coste), Índia (fornece para a grife PD&C), Indonésia (fornece para a grife
Ralph Lauren), Suriname (fornece para a grife La Coste), entre outros.
Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
A coluna EMPRESA-CIDADÃ
é publicada, desde 2001,
Através dela, são apresentados
casos de
empreendedores e empresas, pesquisas, resenhas, editais ou agendas sobre práticas de responsabilidade social,
sustentabilidade
e desenvolvimento sustentável.
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