“Uma atrocidade, uma coisa terrível,
desumanidade”
Será que ainda vamos ter saudades dos
tempos
em que “morrer na contramão” atrapalhava
o trânsito?
Atualmente, é “só” passar por cima.
blog do professor paulo márcio
economia&arte
Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 5 de agosto de
2015
u O vendedor ambulante Adílio Cabral dos Santos foi
atropelado por um trem da SuperVia, concessionária do serviço de trens urbanos
do Rio de Janeiro, na terça-feira, 28 de julho, próximo à Estação de Madureira.
Ex-presidiário, ele vendia balas e doces nos trens, como tantos outros.
u Após o atropelamento e mesmo antes
que qualquer profissional da saúde atestasse a morte do vendedor ambulante,
funcionários da SuperVia, autorizados pela empresa, determinaram a passagem de
uma composição sobre o suposto cadáver de Adílio. O pretexto foi o de não
interromper a circulação na via, de resto fato habitual na SuperVia.
u É possível questionar o que fazia o
vendedor na linha do trem, para ter sido atropelado. Como outros tantos que
continuam se expondo, simplesmente, evitava as fiscalizações, tanto da
SuperVia, quanto do município e estadual, que reprimem duramente e confiscam
(para ser delicado) as mercadorias. Mesmo de um ex-presidiário, que “puxa uma
tranca”, sem ter a oportunidade de aprender um ofício com que sobreviva do lado
de fora da prisão.
u A ética peculiar da empresa
contrariou a poesia. Será que ainda vamos ter saudades dos tempos em que “morrer
na contramão” atrapalhava o trânsito? Atualmente, é “só” passar por cima. Restou
à mãe do ambulante, Eunice de Souza Feliciano (61), o desabafo, “foi uma
atrocidade, uma coisa terrível, desumanidade”. O governador do estado disse que
o culpado vai ser punido.
u No caso do vendedor ambulante
Adílio dos Santos, é barbada saber quem vai pagar o pato. As imagens gravadas
por celulares de diversos usuários dos trens destacam as figuras de dois
funcionários, chamando a composição para passar por cima do suposto cadáver de
Adílio.
u A declaração do governador, no
entanto, de que o culpado vai ser punido, abre uma questão central nas
concessões de serviços públicos a empresas ou consórcios privados. Saber quem
são os culpados pelas inúmeras atrocidades? Eles têm um rosto, um endereço,
número do cpf? Questionável sob diversos aspectos, o processo de privatizações,
que transformou o transporte coletivo em mercadoria, esconde quem responde pela
segurança, higiene e qualidade dos serviços.
A SuperVia tem “sobrenome”. É
Odebrecht...
u Consta da página da Odebrecht (www.odebrecht.com.br) que a “SuperVia é
o ativo da Odebrecht TransPort que administra os trens do Rio e o Teleférico do
Alemão”. Um sobrevoo por seus dados contábeis, mostra que, em 2014, a SuperVia
obteve a receita líquida de R$ 901,5 milhões, lucro bruto de R$ 155,5 milhões,
e deduzidas as despesas, entre elas as de honorários da administração (R$ 4,8
milhões), apurou o lucro operacional de R$ 91,3 milhões, e o lucro líquido
(descontados o imposto de renda e a CSLL) de R$ 16,6 milhões. Números que
sugerem a possibilidade de serviços muito melhores.
u Constituída em 1998, a SuperVia/Odebrecht
TransPort é a detentora exclusiva dos direitos e obrigações do transporte
coletivo de passageiros ferroviários do Rio de Janeiro, pelo prazo de 25 anos
(até outubro de 2023), renováveis por mais 25 (até outubro de 2048). A tarifa
sofre reajustes ordinários anuais (IGP-M) e a cada cinco anos. Também pode ser
reajustada extraordinariamente, a qualquer momento, na vaga “ocorrência de
circunstância que altere o equilíbrio econômico-financeiro do contrato”.
u A renovação do ajuste pelo segundo período
de 25 anos (aquele com vencimento em 2048) custou à empresa pouco mais de R$
1,2 bilhão. Só que a SuperVia/Odebrecht TransPort não mete a mão no bolso. Este
preço é saldado na modalidade de dação em pagamento, isto é, a empresa oferece
como “moeda” algo de que ela disponha, sem mexer em dinheiro. No caso, a
SuperVia oferece a vaga “revitalização de material permanente” (?), “aquisição
de novo sistema de sinalização”, “aquisição de trens” e um mais inespecífico
“etc”. Não há cronogramas, nem metas pactuadas.
u Até hoje, no entanto, os únicos
novos trens que entraram em operação foram os 30 “geladões”, adquiridos, pelo
governo do estado, junto ao consórcio chinês China National Machinery
Import&Export Corp. O governo do estado ainda se compromete com o reembolso
à empresa de todo o passivo das extintas Central e Flumitrens transferido a
SuperVia/Odebrecht TransPort, desde 28 de junho de 2007...
Os Jogos Olímpicos de 2016 aliviam o peso
para a SuperVia/Odebrecht TransPort
u Há menos de um ano, em 25 de agosto
de 2014, novo termo aditivo firmado entre o governo do estado e a
SuperVia/Odebrecht TransPort liberou a empresa do compromisso de adquirir 10
novas composições, de reformar outras 41, além de obrigar o estado a adquirir
mais 22 novas composições, em troca da reforma de 6 estações, consideradas
“estratégicas” para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, a saber, São
Cristóvão, Deodoro, Magalhães Bastos, Vila Militar, Ricardo de Albuquerque e
Engenho de Dentro.
u As condições destas estações hoje,
a um ano exato da abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, não sugerem
qualquer vulto especial nas tais reformas, porém.
u Alivia-se, assim, o peso da
SuperVia/Odebrecht Transport, enquanto os “Adílios dos Santos” continuarão
sentindo, às vezes literalmente, o peso do legado e do “a-legado” dos Jogos
Olímpicos 2016.
Paulo Márcio de Mello
Professor da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
A coluna
EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário
jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
São mais de 600
edições apresentando casos
de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à sustentabilidade,
à responsabilidade social e
ao desenvolvimento sustentável.
fantástico professor , mais infelizmente sabemos que esse homem que veio falecer não é mesmo que morreu por uma faca na lagoa , infelizmente para mídia ou sociedade não tem a mesma importância , triste realidade
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