sábado, 8 de agosto de 2015

“Uma atrocidade, uma coisa terrível, desumanidade”
                                                             
Será que ainda vamos ter saudades dos tempos
em que “morrer na contramão” atrapalhava o trânsito?
Atualmente, é “só” passar por cima.

blog do professor paulo márcio
economia&arte

Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 5 de agosto de 2015

u      O vendedor ambulante Adílio Cabral dos Santos foi atropelado por um trem da SuperVia, concessionária do serviço de trens urbanos do Rio de Janeiro, na terça-feira, 28 de julho, próximo à Estação de Madureira. Ex-presidiário, ele vendia balas e doces nos trens, como tantos outros.

u      Após o atropelamento e mesmo antes que qualquer profissional da saúde atestasse a morte do vendedor ambulante, funcionários da SuperVia, autorizados pela empresa, determinaram a passagem de uma composição sobre o suposto cadáver de Adílio. O pretexto foi o de não interromper a circulação na via, de resto fato habitual na SuperVia.

u      É possível questionar o que fazia o vendedor na linha do trem, para ter sido atropelado. Como outros tantos que continuam se expondo, simplesmente, evitava as fiscalizações, tanto da SuperVia, quanto do município e estadual, que reprimem duramente e confiscam (para ser delicado) as mercadorias. Mesmo de um ex-presidiário, que “puxa uma tranca”, sem ter a oportunidade de aprender um ofício com que sobreviva do lado de fora da prisão.

u      A ética peculiar da empresa contrariou a poesia. Será que ainda vamos ter saudades dos tempos em que “morrer na contramão” atrapalhava o trânsito? Atualmente, é “só” passar por cima. Restou à mãe do ambulante, Eunice de Souza Feliciano (61), o desabafo, “foi uma atrocidade, uma coisa terrível, desumanidade”. O governador do estado disse que o culpado vai ser punido.

u      No caso do vendedor ambulante Adílio dos Santos, é barbada saber quem vai pagar o pato. As imagens gravadas por celulares de diversos usuários dos trens destacam as figuras de dois funcionários, chamando a composição para passar por cima do suposto cadáver de Adílio.

u      A declaração do governador, no entanto, de que o culpado vai ser punido, abre uma questão central nas concessões de serviços públicos a empresas ou consórcios privados. Saber quem são os culpados pelas inúmeras atrocidades? Eles têm um rosto, um endereço, número do cpf? Questionável sob diversos aspectos, o processo de privatizações, que transformou o transporte coletivo em mercadoria, esconde quem responde pela segurança, higiene e qualidade dos serviços.

A SuperVia tem “sobrenome”. É Odebrecht...

u      Consta da página da Odebrecht (www.odebrecht.com.br) que a “SuperVia é o ativo da Odebrecht TransPort que administra os trens do Rio e o Teleférico do Alemão”. Um sobrevoo por seus dados contábeis, mostra que, em 2014, a SuperVia obteve a receita líquida de R$ 901,5 milhões, lucro bruto de R$ 155,5 milhões, e deduzidas as despesas, entre elas as de honorários da administração (R$ 4,8 milhões), apurou o lucro operacional de R$ 91,3 milhões, e o lucro líquido (descontados o imposto de renda e a CSLL) de R$ 16,6 milhões. Números que sugerem a possibilidade de serviços muito melhores.

u      Constituída em 1998, a SuperVia/Odebrecht TransPort é a detentora exclusiva dos direitos e obrigações do transporte coletivo de passageiros ferroviários do Rio de Janeiro, pelo prazo de 25 anos (até outubro de 2023), renováveis por mais 25 (até outubro de 2048). A tarifa sofre reajustes ordinários anuais (IGP-M) e a cada cinco anos. Também pode ser reajustada extraordinariamente, a qualquer momento, na vaga “ocorrência de circunstância que altere o equilíbrio econômico-financeiro do contrato”.

u      A renovação do ajuste pelo segundo período de 25 anos (aquele com vencimento em 2048) custou à empresa pouco mais de R$ 1,2 bilhão. Só que a SuperVia/Odebrecht TransPort não mete a mão no bolso. Este preço é saldado na modalidade de dação em pagamento, isto é, a empresa oferece como “moeda” algo de que ela disponha, sem mexer em dinheiro. No caso, a SuperVia oferece a vaga “revitalização de material permanente” (?), “aquisição de novo sistema de sinalização”, “aquisição de trens” e um mais inespecífico “etc”. Não há cronogramas, nem metas pactuadas.

u      Até hoje, no entanto, os únicos novos trens que entraram em operação foram os 30 “geladões”, adquiridos, pelo governo do estado, junto ao consórcio chinês China National Machinery Import&Export Corp. O governo do estado ainda se compromete com o reembolso à empresa de todo o passivo das extintas Central e Flumitrens transferido a SuperVia/Odebrecht TransPort, desde 28 de junho de 2007...

Os Jogos Olímpicos de 2016 aliviam o peso para a SuperVia/Odebrecht TransPort

u      Há menos de um ano, em 25 de agosto de 2014, novo termo aditivo firmado entre o governo do estado e a SuperVia/Odebrecht TransPort liberou a empresa do compromisso de adquirir 10 novas composições, de reformar outras 41, além de obrigar o estado a adquirir mais 22 novas composições, em troca da reforma de 6 estações, consideradas “estratégicas” para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, a saber, São Cristóvão, Deodoro, Magalhães Bastos, Vila Militar, Ricardo de Albuquerque e Engenho de Dentro.

u      As condições destas estações hoje, a um ano exato da abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, não sugerem qualquer vulto especial nas tais reformas, porém.

u      Alivia-se, assim, o peso da SuperVia/Odebrecht Transport, enquanto os “Adílios dos Santos” continuarão sentindo, às vezes literalmente, o peso do legado e do “a-legado” dos Jogos Olímpicos 2016.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
São mais de 600 edições apresentando casos de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à sustentabilidade,

à responsabilidade social e ao desenvolvimento sustentável.

Um comentário:

  1. fantástico professor , mais infelizmente sabemos que esse homem que veio falecer não é mesmo que morreu por uma faca na lagoa , infelizmente para mídia ou sociedade não tem a mesma importância , triste realidade

    ResponderExcluir