quarta-feira, 25 de novembro de 2015

De Mariana  (MG), visto e ouvido.
Serial Killers.

Crer  para ver. Há poucos dias, estive em Mariana para entender melhor a tragédia que, na cidade, 1ª capital do estado de Minas Gerais, com frequência, é chamada de “tragédia anunciada” e mais, que estilo de gestão é este o da SAMARCO, autoritarismo que nem ouve e foge da comunicação.

Coluna Empresa-cidadã
quarta-feira, 25 de novembro de 2015
Paulo Márcio de Mello

Algumas constatações podem até surpreender, mas formam um conjunto coerente. Ouvi diversas pessoas, entre as mais ou entre as menos atingidas pelo rompimento das barragens de Fundão e Santarém, no distrito de Bento Rodrigues, município de Mariana (MG), entre desabrigados, comerciantes e comerciários, taxistas, garçons, empregados ou aposentados da Samarco, etc.

Todos se sentem incomodados com o tratamento da imprensa, que coloca a cidade de Mariana no centro do rio de lama. Preocupam-se com a imagem da cidade, que depende da receita do turismo e pode ser afetada pela difusão das notícias.

Ademais, por motivos análogos, a ideia de uma penalização muito severa para a empresa não encontra eco entre os habitantes de Mariana, por que a SAMARCO significa, segundo o atual prefeito, cerca de 80% do orçamento do município. Achei curioso que ninguém se mostre surpreso com o rompimento e aí algumas razões alinham-se. A questão político-partidária é uma das razões determinantes. Desde 2005, a política local trepida como os veículos que rodam sobre o piso de pé de moleque. Foram 5 prefeitos no exercício do cargo (contando o atual, Duarte Junior /PPS, prefeito desde 10 de junho) distribuídos por sete mandatos, com direito a mútuas acusações de roubo e corrupção, comprometedoras da credibilidade de uma das autoridades institucionais que deveriam fiscalizar as barragens.

A VALE, controladora da SAMARCO, juntamente com a australiana BHP Billiton, também tem a sua imensa quota de responsabilidade. Presidida, desde março, por um azarão, a empresa é a terceira maior doadora de dinheiro para a campanha política de 2014 (atrás do Grupo JBS, com R$112,7 milhões); (da construtora OAS, com R$ 66,7 milhões); e a própria VALE (O Grupo Vale, com R$ 52,9 milhões distribuídos nas contas dos comitês eleitorais, cabendo ao PMDB 39%, seguido do PT, com 27,3% e PSDB, com 8,6%. Os outros partidos dividiram os 25,1% restantes). Um azarão que assumiu a presidência contra a vontade do antecessor.

Há mais de 400 barragens de resíduos da mineração no estado. Destas, 9 são classificadas como grau III (alto risco). Em 2012, o Ministério Público instaurou ação civil pública contra os responsáveis por auditar as barragens classificadas nesta faixa. O número de auditores é sabidamente insuficiente.

Na comissão de representação da Assembleia Legislativa para acompanhar os impactos causados pela tragédia do rompimento das barragens da Samarco-Vale, em Mariana, em Minas Gerais, estão 15 deputados estaduais. Sete receberam doações da empresa – por meio da Vale para a campanha eleitoral de 2014. Isso, para os meios políticos, faz com que a população olhe com desconfiança sobre as intenções dos parlamentares em integrar a comissão.
A comissão foi criada na segunda-feira (9 de novembro) e não se pode, ainda, dizer como será a atitude dos parlamentares em relação às empresas. Os financiados pela Samarco no grupo de acompanhamento são: Guerino Zanon (PMDB), Luzia Toledo (PMDB), Janete de Sá (PMN), Bruno Lamas (PSB), José Carlos Nunes (PT), Gildevan Fernandes (PV) e Rodrigo Coelho (PT).
Vale ‘ajudou’ a eleger 12 deputados estaduais

Tarefa difícil tem o novo presidente da VALE. Em janeiro de 2012, a empresa foi eleita “a pior empresa do mundo”, no que se refere a direitos humanos e meio ambiente, pelo “Public Eye People´s”, premiação realizada desde o ano 2000 pelas ONG's Greenpeace e Declaração de Berna. Assim, a Vale tornou-se a primeira empresa brasileira a "vencer" tal eleição. A escolha foi realizada por meio de votação pública, tendo a Vale recebido 25 mil votos. Em segundo lugar na eleição ficou a japonesa Tepco, responsável pela operação das usinas nucleares de Fukushima, atingidas por um tsunami em março de 2011.

Os que foram diretamente atingidos pelo rio de lama estão abrigados (em hotéis ou casas alugadas pela VALE/SAMARCO. Dói menos, por que não estão expostos ao tempo, como em tragédias recentes que guardam alguma semelhança (Nova Friburgo, São Luís do Paraitinga).

Como em tais casos, a solidariedade encontrada agora em Minas Gerais, contraria a frase do mineiro Otto Lara Rezende, de que “o mineiro só é solidário no câncer.” As doações chegam com a mesma força da lama que vitimou. E muitos voluntários, separam, limpam, classificam e distribuem a grande quantidade de materiais doados.

O autoritarismo das empresas, seja pelo DNA do período histórico em que foram implantadas e prosperaram (ditadura), seja pelo DNA burocrático/autotitário/taylorista, seja ainda pelo DNA natural de toda empresa que externaliza custos, como racionalidade básica, também respondem pela ocorrência do rio de lama.

É da crença da população que era sabida a iminência do desmonte da barragem, mas denunciado dentro dos muros da empresa, transforma-se em memorando, comissões, reuniões, e o denunciante em dedo-duro.

Ruindo mesmo está a credibilidade das instituições. Denunciar a quem? Só restou mesmo o bispo... Empresa que gera 80% da receita orçamentária do município “é grande demais para quebrar”. Mas, se os gestores de uma ou de outra matassem um animal silvestre, cometeriam crime ambiental. Diante de tantos que mataram, por negligência ou por imprudência, é de se perguntar por que ainda não se apresentaram à delegacia, entregaram os passaportes, não tiveram os bens tornados indisponíveis e por que ainda não tiveram prisão preventiva decretada?

Paulo Márcio de Mello
paulomm@paulomm.pro.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário