quarta-feira, 19 de junho de 2013

"Primavera" tropical
 
 
                                                                                                                                                        Quarta-feira, 19 de junho de 2013
coluna EMPRESA-CIDADÃ
Paulo Márcio de Mello
 
      A população brasileira amanheceu de alma lavada, após as manifestações da segunda-feira, 17 de junho. Em diferentes regiões do país, multidões tomaram as ruas das cidades para dizer da necessidade de mudanças. O movimento, que vem sendo gestado desde 2012, pela iniciativa dos mais jovens de protestar contra as tarifas dos transportes coletivos, desproporcionais em relação à qualidade, ao rendimento dos assalariados e aos padrões internacionais.
 
      O movimento Passe Livre foi revigorado em 2013, com os aumentos recentes das tarifas dos transportes, tornando-se uma expressão comum nas manifestações nas diferentes cidades. O contorcionismo verbal de prefeitos, governadores e outras autoridades procurou justificar as autorizações concedidas para os aumentos com o argumento comum de que foram aumentos inferiores à inflação. O argumento, no entanto, não resiste à comparação com a evolução dos índices de preços na última década, muito mais modestos do que a variação dos preços das passagens.
 
      Também não resiste à desconfiança da população quanto às relações contaminadas entre a representação política costumeira que forma os governos e as empresas privadas beneficiadas com as concessões de transporte. Ninguém duvida de que estas empresas figuram entre os principais financiadores das campanhas eleitorais. Talvez por isso, escondam impunemente as planilhas que permitiriam determinar os preços justos das tarifas.
 
      A explosão que sacudiu o país na segunda-feira, no entanto, além das reivindicações no Passe livre, foi nutrida por uma pauta muito mais ampla. Como se lia em um cartaz, carregado por uma manifestante, “não estou lutando por 20 centavos, mas pelo futuro do Brasil”. A indignação ultrapassa a grave situação dos transportes, onde a maioria das pessoas deixa uma parte significativa do tempo das suas vidas.
 
      Outras bandeiras foram levantadas, como a dos gastos públicos excessivos com as obras das novas arenas da Copa das confederações e da Copa do mundo da FIFA, que contrastam com a penúria na saúde e no ensino públicos. Fica evidente que dinheiro há. Pelo menos, quando a representação política tradicional tem interesse.
 
      Mundo afora, outros movimentos parecidos também englobam pautas diversificadas e este parece ser um dos motivos de sucesso, por que confere uma capacidade de adaptação, compatível com a velocidade das transformações e com o imediatismo da comunicação. Brincando com a linguagem contemporânea da gestão, seriam como “movimentos de escopo”, mais flexíveis do que os de objetivo definido.
 
      Contribui também para o sucesso destes movimentos a descentralização e fluidez das lideranças, sem um nome concentrador. O recurso às redes sociais, como elemento aglutinador, complementa um conjunto de características novas da locução política e privilegia a participação do segmento mais jovem da população.
 
      Um dos mais notórios destes movimentos é o Occupy Wall Street, inspirado em movimentos coletivos europeus, como o Indignados, inicialmente M15M, na Espanha, nas rebeliões de massa que nutriram a Primavera Árabe, que derrubou antigas ditaduras na Tunísia, no Egito e em outros países.
 
       O movimento OWS é plural, sem uma síntese de proposições. Na origem da mobilização, há dois anos, estão os grupos Adbusters, US Day of Rage, Anonymous, com as suas máscaras características, e o New Yorkers Against Budget Cuts (Nova-iorquinos contra os cortes no orçamento).
 
      Primavera é como foram chamados movimentos semelhantes em diferentes partes e momentos do mundo, notoriamente a Primavera turca, em pleno andamento, e a Primavera árabe, que resultou na substituição de uma série de regimes de poder. Voltando no tempo, encontramos outras primaveras libertárias, como a de Praga (1968) e a Primavera dos povos (1848), sucessão de levantes populares, resultado de severa crise capitalista de então. Desde 17 de junho, a “Primavera tropical” junta-se às outras.
 
      17 de junho será lembrado como o dia que não acabou. Por ele, o Brasil entrou no século 21 e poderá resgatar direitos civis, sequestrados da maior parte dos brasileiros.
 
      Ah, em tempo. Um dia depois, quais os governantes que se manifestaram (e os que se fizeram de mortos) sobre os acontecimentos e sobre a reivindicação original do movimento, as tarifas de transporte?
 
Paulo Márcio de Mello
paulomm@paulomm.pro.br
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001,
toda quarta-feira, no jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados conceitos relativos à responsabilidade social,
casos de empreendedores e empresas, pesquisas, resenhas ou agenda sobre o assunto.

8 comentários:

  1. Aristóteles L de Figueredo1 de agosto de 2013 às 08:00

    O povo começa a compreender a velha palavra de ordem “O povo unido, jamais será vencido” – porém de um modo a meu ver mais maduro. Revendo a história do Brasil, e conforme muitos estudiosos das ciências humanas e sociais já está no tempo da terceira geração pós “revolução de 64” (abertura) – dar seus ares, e parece que esta acordou, e com ela muitos de nós que nos calamos por muito tempo também. Que essa primavera de fato se faça real em todas as sua nuances entre o povo brasileiro, para o amadurecimanto de uma sociedade politicamente mais madura e cidadã, que conhece e luta por seus direitos, mas sem deixar de cumprior com os seus deveres...

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  2. É impossível ignorar a dimensão que os protestos contra o aumento das passagens de ônibus têm adquirido em todo o país.O aumento de 20 centavos nas passagens serviu de pivô para os atuais protestos, mas o fato é que, de um modo geral, o transporte público no Brasil é caro, inseguro e mal gerido, afetando especialmente passageiros pobres que não têm escolha a não ser contar com esse sistema.O tempo é de renovar o sentido da governabilidade, de enxugar a Constituição com sua reforma e até de se pensar num STRF, Superior Tribunal Federal, dada a criação de mais quatro novos tribunais federais, que, por certo, trarão um volume insustentável para o STJ, que estaria limitado aos tribunais de Justiça do país. Novas ideias, grandes desafios e colocar o Brasil no rumo, tudo isso tem sentido se a governabilidade significar a autoridade para servir ao interesse público.

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  3. “As primaveras” se espalharam por todo o mundo, acredito que estes movimentos se dão devido ao fato de que a cada dia que passa, os interesses dos governantes se descolam ainda mais das demandas da população.
    E a primavera chegou ao Brasil, será que o gigante acordou?
    Espero que sim, temos muitas batalhas a encarrar, pois a cada dia surge um escândalo novo de corrupção, descaso e omissão envolvendo nossos políticos.
    Mas, o estopim das Manifestações foram os R$0,20 no aumento da passagem... Será que esses vinte centavos que desembolsaríamos a mais de nosso bolso pelos transportes públicos, nos sairiam mais caro do que viver em um país com a saúde e educação sucateadas? Mais caro do que assistir políticos usando e abusando dos recursos públicos, fazendo helicópteros do Estado de taxi, enquanto os trabalhadores ficam refém de transportes públicos de má qualidade para chegarem a seus trabalhos e tendo que enfrentar um trânsito infernal? Ou será que para muitos, os vinte centavos saem mais caro do que os desvios de dinheiro público para construção de castelos privados de nossos políticos enquanto parte da população mal têm o que comer?
    Não gostaria de ser mal interpretada, tenho plena consciência da importância das atuais manifestações, só temos que elas não tenham continuidade e foco para resultar em efetivas mudanças, pois a participação politica ainda é muito fraca em nosso país. Tais participações populares só são notadas quando se refere a um problema concreto, que afete individualmente cada um, como por exemplo, vinte centavos a menos no bolso na hora de pagar a passagem.

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  4. A pauta transporte público é uma das mais importantes no nosso país, é vergonhosa a forma como é feita o "transporte público" no Brasil, é sabido que existem meios de pelo menos diminuir muito o valor das passagens, mas o jeito que é feito hoje beneficia a Máfia do Transporte, e onera o trabalhador brasileiro que precisa do transporte para se locomover pela cidade. È ridiculo uma cidade como o Rio de Janeiro só ter 2 linhas de metrô, e sabemos que o modo mais rápido e mais econômico e o transporte ferroviário, mas também sabemos que o transporte ferroviário da menos lucro para os políticos, que insistem em construir estradas, BRTs e outros meios de "melhorar " o transporte rodoviário, ou seja, a solução é simples, mas sabemos que terá que haver uma grande reforma política para que isso ocorra.

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  5. O Brasil tem, e não é de hoje, uma das cargas tributárias mais altas do mundo, podendo ser comparado à países da Europa que com os mesmos recursos vindos dos impostos, disponibilizam tanto transporte público, como serviços de saúde, educação, dentre outros. Hoje no Brasil, pagamos, e pagamos caro, por esses serviços, via tributos, sendo que mesmo assim nos deparamos com deficiências e precariedade nos mesmos. O povo resolveu tomar alguma atitude diante dos abusivos, frequentes e não justificáveis aumentos nas tarifas de transporte publico, o que serviu de ''estopim'' para o início dos movimentos. O grande problema se dá porque nesses últimos anos, foi formada uma verdadeira ''quadrilha'' de políticos em todos os âmbitos, Federal, Estadual e Municipal, consequência da negligência eleitoral, por parte do povo. Sendo assim, com o passar do tempo e continuidade de muitos e dos mesmos políticos no poder, formando-se alianças que permitem estabelecer certos favorecimentos e trocas de interesse, como no exemplo citado em que empresários financiam campanhas políticas obtendo, assim, vantagens em retribuição.

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  6. Esse dia 17 de junho realmente ficará marcado na historia de nosso país. Um momento único, em que a população brasileira liderada pela juventude, essa juventude que antes era tanto passiva a tudo e todos. Essa juventude em que se omitia, e assistia a todos os escândalos políticos e a alta tributação sem retorno devido ao serviços públicos prestados. Essa passividade toda se deu fim em 17 de junho de 2013, no qual a população foi as ruas não simplesmente pra revindicar o corte do aumento de 0,20 nas passagens de ônibus (atitude tomada semana antes pelas empresas), mas sim demonstrar toda sua insatisfação com o momento atual do Brasil. Um país com alta cobrança de impostos que no fim não é revertido em ótimo serviço público prestado a população. Como é o caso da Saúde brasileira. Indignados foram as ruas protestar e aproveitou o momento de eventos internacionais ocorrendo no Brasil pra chamar a atenção de mídias internacionais, com a finalidade de pressionar ainda mais os políticos para que haja melhoras nos serviços prestados a população.
    Também visto os altos custos gerados por esses eventos no cofres públicos (Federal, Municipal e Estadual), então a desculpa de falta de recurso não será mais aceita pela população.
    A massa estudantil começou a partir de então observar a sua importância dentro da sociedade, e visto o poder voz da rua de transformar.

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  7. O texto foi bem sintético e consoante com o meu pensamento. É algo da ordem do extremamente provável que as campanhas dos vencedores das últimas eleições foram financiadas por empresas privadas, a saber, principalmente empreiteiras, construtoras e empresários dos ramos de concessões de serviços públicos, tais como energia elétrica, metrô, trens, ônibus, barcas e tudo o mais que envolva o interesse público sendo gerido por mãos privadas. Uma vez eleitos tais parlamentares simplesmente adotam a discordância do que foi prometido em prol dos interesses das entidades privadas, ou seja, do lucro voraz dos empresários ao custo do péssimo serviço que a população deve aguentar. Alguns fatores contribuíram como base material para que a população pudesse sair às ruas: muito mais jovens tem cada vez mais acesso ao ensino superior (mesmo que seja discutível enquanto preterência às públicas);o desemprego tem taxas cada vez mais baixas, e tudo isso aliado ao cenário internacional revoltoso. Agora quem antes se preocupava apenas em não morrer de fome já pode se preocupar com serviços melhores, com uma razão pública que há muito estava esquecida. Ainda há um longo caminho, pois o Brasil está quantitativamente se educando e dando emprego tem poucos anos, e a médio-longo prazo poderemos colher alguns frutos sólidos nas ideologias e direcionamentos sociais de base. Haverá o dia em que dois minutos de atraso do metrô ou um ônibus lotado serão motivo de processos como fatos inaceitáveis à um país desenvolvido.

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  8. É muito legal ver que a manifestação contra o aumento das tarifas de ônibus impulsionou tantas outras manifestações. Manifestações essas que buscam um país mais justo, mais igualitário. Infelizmente vivemos em um país em que os trabalhadores são extremamente explorados e os altos impostos cobrados em cima do trabalhador exemplifica muito isso. Não é justo, como disse um professor meu de História, o trabalhador trabalhar durante doze meses e o salário de quatro meses ir totalmente para pagar impostos. Não é justo ver tanta desigualdade. Desanima olhar para a atual realidade injusta do Brasil. Mas anima ver que as pessoas não desistiram de lutar por um país melhor.

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