quarta-feira, 26 de junho de 2013



O manifestódromo, ou..., ou...,  

                                                                                                                     os vândalos da Bastilha, ou
 
no tempo em que os animais falavam
e mandavam aspergir spray de pimenta
na cara do contribuinte.
 

coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 26 de junho de 2013
Paulo Márcio de Mello*
 
        Há muito tempo, a população revoltada de Paris (cidade favorita de políticos brasileiros) invadiu o palácio real, para retirar lá de dentro uma rainha debochada e levá-la à guilhotina. Alguns cristais da realeza foram quebrados. Órgãos da mídia de então chamaram e chamaram e chamaram de “vândalos” os anônimos revolucionários. Os “vândalos” não compreenderam as alternativas de política econômica sugeridas pela rainha diante da falta de pão, comam brioches, disse ela, e insistiram com a baderna. “Baderna” era outra das palavras que a realeza gostava de repetir.
 
        O secretário de segurança da rainha, diante da violência da sua polícia contra a população, declarou em entrevista coletiva que mandaria reunir todas as evidências dos atos de barbárie cometidos pelos policiais e mandaria apurar, através de “rigoroso inquérito”, sem data para ficar pronto. Confrontado por um repórter, que disse que conclusão de “rigoroso inquérito” é igual cabeça de bacalhau, ninguém vê, o secretário ameaçou chamar o exército.
 
        Neste momento, houve um princípio de pânico no gabinete do comandante do exército, que já tinha ouvido falar de histórias sobre períodos anteriores em que o exército da rainha tinha atendido convocações, como esta do secretário real, e a merda que deu. Por experiência própria, dizia o rei da Espanha, vizinho da rainha, matar um elefante é fácil. Difícil é depois, para remover o corpo. E para remover a fama de assassino de animais, já que os defensores da fauna não se calam.
 
        Bem que antes da invasão do palácio, a rainha convocou uma rede nacional de comunicação para dizer que convidaria as lideranças das manifestações para um arreglo, ou melhor, um entendimento. Afinal, a rainha dispunha de muitos cargos comissionados e diretorias de empresas estatais, como argumentos. Mas só convidaria para a pizza das cinco os líderes arrumadinhos, os “mauricinhos” e “patricinhas” da época. Por conhecimento de causa, talvez, já que ela, em tempos distantes, já tinha pegado em armas para derrubar poderosos que a antecederam, de forma nada pacífica ou bem comportada.
 
        A rainha sabia que seu país tinha uma forte vocação para o arreglo, ou melhor, para o entendimento em um rodízio de pizza. Tanto é assim que acabou com a monarquia, mas manteve o laudêmio, imposto cobrado para sustentar os descendentes do rei deposto há muitos anos. Só precisava de uma boa ideia para fazer uma revolução, antes que os vândalos a fizessem.
 
        Foi quando um assessor, bem relacionado com a grande imprensa de então, sugeriu a criação de um manifestódromo. O local teria um projeto encomendado a um arquiteto famoso e seria construído com dispensa de licitação, por motivo de urgência. Seu orçamento seria estourado e aditado muitas vezes, mas alcançaria o padrão FIFA (sigla da máfia internacional Fim da Independência Fim da Autonomia).
 
        No manifestódromo, anualmente, haveria três dias de manifestações, patrocinadas por uma grande cervejaria e por um grande banco. Um júri composto por militantes de causas populares, aposentados pelo mensalão e encostados nos conselhos de administração de empresas estatais, avaliaria as melhores manifestações, observando os seguintes aspectos.
 
        Comissão de frente: a pontuação privilegiaria as mais bem educadas, sendo desclassificadas aquelas com a exibição de genitálias desnudas.
 
        Evolução: maior pontuação para as manifestações sem movimentos bruscos, reduzindo-se a nota das que derrubarem ou incendiarem algum mobiliário urbano, como latas de lixo ou radares da real indústria das multas de trânsito.
 
        Grito-enredo: ponto para as palavras de ordem e refrões mais bem humorados, sendo vedados palavrões ou xingamentos às autoridades constituídas.
 
        Fantasias: maior pontuação para as manifestações com participantes vestidos de branco, cor da paz, sendo eliminados os que vestirem vermelho, máscaras ou gorros. Também não seriam admitidos capacetes, de uso exclusivo da polícia.
 
        Por último, adereços de mão: pontuação mais alta para as manifestações em que os cartazes tenham a melhor caligrafia.
 
        Carros alegóricos não seriam permitidos, para não dificultar o tráfego de caveirões, o disparo aleatório de balas de borracha, nem de bombas de gás lacrimogêneo. Seria declarada a campeã das manifestações aquela que recebesse mais pontos da banca de jurados, numa escala de um a dez pontos por quesito, descartando-se a menor nota.
 
        As manifestações seriam classificadas em duas divisões, uma reunindo as campeãs, representada pela Liga das grandes campeãs e outra englobando as manifestações aspirantes à primeira divisão, representada pela Associação das manifestações juniores.
 
        A cada ano, a manifestação campeã receberia um troféu, denominado estandarte dourado e teria o direito de se apresentar no sábado das campeãs, após o horário de exibição da telenovela. Assim, todos exerceriam o democrático direito de se expressar dentro da ordem pasteurizada, isenta de germes, bactérias e “vândalos”, a realeza manteria a coroa e palácio intactos, e tudo continuaria como dantes na terra dos estádios padrão FIFA, dos hospitais padrão espera na FILA e das escolas padrão FALTA professor.
 
Paulo Márcio de Mello
paulomm@paulomm.pro.br
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001,
toda quarta-feira, no jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados conceitos relativos à responsabilidade social,
casos de empreendedores e empresas, pesquisas, resenhas ou agenda.

10 comentários:

  1. Aristóteles L Figueiredo1 de agosto de 2013 às 07:31

    Parabéns pela bem humorada mas séria análise dos últimos acontecimentos. Entendo que cabe a todos nós continuarmos mantendo acesa a chama da Democracia, e uma das definições de que gosto muito, é a de defender o direito de se ter e MANIFESTAR opinião, ainda que contrária a nossa. E é claro que manifestar um pensamento particular, só se pode fazê-lo do mesmo modo único e ímpar de ser do próprio sujeito-origem... A interpretação da idéia do manifestódromo como instrumento castrador, controlador, manipulador e dissimulador desta particularidade própria que define o ser humano é muito bem vinda, pois por menos a sociedade já se tem deixado enganar.

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  2. Não é de hoje que a nossos governantes e mídia vão de contramão aos interesses de seus cidadãos.
    Rompemos os séculos, mas nossos governantes continuam a executarem seus mandatos feitos monarcas outrora, não sei se pela falta de entendimento ocorre de fato ou simplesmente por descaso com as reais necessidades do povo.
    Não muito diferente, a mídia persiste em sua ineficiência ao cumprir seu papel de transmitir as informações com imparcialidade sem ocultar os fatos que dizem respeito ao bem da sociedade.
    Em um momento tão importante em nossa história, quando as atuais manifestações poderiam ter seus efeitos potencializados pelo poder e alcance dos meios de comunicações em massa, manifestações a favor de um país melhor são divulgadas em horário nobre em telejornais como atos de vandalismo por canais de emissoras manipuladoras.
    Por sorte, diferentes de outras épocas, os participantes dos atos de manifestações atuais possuem novos muitos recursos e tecnologias somando a seu favor, sendo a principal delas, os aparelhos smartphones com internet 3G, que permiti a captura de fotos e vídeos por centenas pessoas, dos mais variados ângulos e que simultaneamente podem ser divulgadas em diferentes paginas de redes sociais. Uma vez postada, qualquer pessoa com acesso a internet, estando em qualquer lugar do planeta, passa a ter acesso a informações de centenas de ponto de vista, podendo assim, tirar suas próprias conclusões.

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  3. Estamos vivendo um momento único no Brasil, pessoas indo as ruas para protestar por seus direitos, não é so pelos 20 centavos, e está claro que não é mesmo. O Governo achou que o revogamento do aumento da passagem calaria a boca do Brasil, talvez por se basear em ações anteriores,claro que o número de pessoas diminuiu, mas eles não esperavam que os que ficassem fossem fazer tanto barulho, literalmente. Vivemos numa época em que a mídia e o governo não conseguem mais enganar a população , só os cegos que ainda são enganados, um símbolo disso foi em uma das últimas manifestações um policial apontando para um manifestante e gritando que esse era o atirador do coquetel molotov, em outros tempos isso daria certo já que quem está falando é uma autoridade, mas para o azar deles hoje todos tem um celular como câmera e existem centenas de vídeos mostrando que não só não foi o manifestante, como foi um policial a paisana que cometeu tal delito. Estamos vivendo uma parte da historia do Brasil, mas qual o rumo que isso irá tomar ainda não sabemos, mas uma coisa nós temos certeza, ainda falta muito para se conquistar

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  4. Por trás de muros e grades confinam-se as consciências.Qualquer um que delas todas precisar,terá de esperar por um eventual choque entre pelo menos duas(óbvio),que devem colidir por um acaso que a probabilidade falha em tentar explicar,e que além de uma rara estatura necessária ao alcance "do além" das barreiras de concreto e ferro,devem possuir a química de seu funcionamento às avessas,ou seja,devem crescer enquanto as forças externas as conduzem à compactação.
    O panorama tem sido este desde algum tempo.É o hábito de transferir nossos deveres,que nos mata.A coragem que ate´aqui nos trouxe,é cega,e se cansa diante do mecanismo ora massificante ,ora malicioso ,que faz com que nos achemos detentores de poder sobre uma grande máquina superpoderosa.Mas esta máquina,cercada de pomposidade,estrelas e hinos,jamais funcionará em sua plenitude sem que as grandes paredes que nos cercam sejam postas abaixo,e o gigante esplendoroso, adormecido, desperte, e possa sim,ser medido,pesquisado,e catalogado,mas acima de tudo,temido. (10/02/2012)

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  5. Interessantíssima a analogia feita com o carnaval do Brasil, tendo como um ponto de vista crítico; se tivéssemos começado os movimentos manifestantes em meados de fevereiro/março, será que teríamos tantos adeptos? ou o carnaval é mais importante? quais são nossas prioridades? ou talvez essas manifestações nem se iniciariam, e o ''rodízio de pizza'' como foi citado, continuaria por parte dos políticos aliados a mídia, que é totalmente manipulada pelos mesmos, promovendo o ''carnaval'', ''desfilando'' e desviando a atenção de muitos por mais tempo. Esse ponto de vista merece destaque, já que não podemos comparar com os movimentos manifestantes franceses, que exercem níveis muito mais altos de moralidade e seriedade, com os que podemos observar no Brasil, país esse que apresenta outros tipos de prioridade.

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  6. Com tudo o que se passou nos últimos meses em nosso país, conseguimos compreender que a resposta do governo aos acontecimentos foi a de maquear os acontecimentos, afim de transformar um movimento que não se via há anos, em um "carnaval" ou em uma "partida de futebol", coisa que vemos constantemente nos últimos anos. Talvez podemos ler essa atitude como medo, medo de um povo que se mostrou forte e determinado, determinado a dar um basta em tudo aquilo que o afligia há anos e que nunca mudava e não tinha nenhuma perspectiva de mudança. Talvez esse ano de 2013 seja um ano em que a cidadania despertou nos corações dos brasileiros, e que a democracia começou a tomar um novo rumo. É o que a maioria espera, e o que a minoria teme.

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  7. Nossas autoridades não conseguem entender que os tempos mudaram. O povo brasileiro não está mais disposto a baixar a cabeça e relevar os abusos a que historicamente é submetido. Nossa elite é arcaica, provinciana e dedicada unicamente à manutenção de seus privilégios. A questão dos estádios da copa foi só estopim de algo maior que certamente irá mudar para melhor a política nacional. É hora de renovar e tirar dos governos os corruptos e coronéis. Quem viver verá.

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  8. Nos deparamos com um paradoxo onde os protestos dominam o cenário brasileiro e também o mundial. O Brasil está em foco, visto que está sediando vários eventos de grande porte e visibilidade no mundo inteiro. Com isso, a população rebelou-se e buscou lutar por melhorias na qualidade de vida, como: baixa dos preços dos transportes públicos e melhoria nos mesmos; melhoria na saúde e também na educação; e também a mudança por um política melhor e mais transparente. Junho foi o auge desses protestos sendo a internet o precursor de todas essas atividades em vários estados do Brasil em conjunto. O país ficou bastante visado e os políticos ficaram com a imagem abalada, visto que as maiores reclamações eram a cerca deles. Com uma imagem negativa eles agiram e atenderam a alguns clamores populares como a baixa das tarifas. No entanto isso não mudou de fato em nada pois o lucro dos empresários continua o mesmo e com isso o Governo é quem tem de pagar um subsídio a eles para que o lucro não se altere. Isso é vergonhoso e bastante sujo porque é mascarada a real consequência desses atos. Nossos políticos nos dias atuais mudaram quase que completamente suas posturas. Agora ouvem a população, dizem que irão cortar gastos com luxo( o que não é pouco), vão trabalhar mais e mais em prol da sociedade. Essa jogada de marketing é totalmente absurda e só serve para corroborar o quão sem caráter são esses indivíduos, posto que somente se interessam por interesses individuais e de parceiros políticos. A saída deles para criticar as manifestações foi o "vandalismo". Entretanto uma coisa é necessária ser destacada. Não existe mudança no poder de forma pacífica, pois a polícia recebe ordens explícitas para deter do jeito que for aqueles que prejudicarem a "ordem pública". Confrontos existirão enquanto aqueles possuidores de armas e outros artifícios forem comandados por aqueles que são puramente egoístas. Enquanto todos não se unirem por um propósito único não haverá mudança de fato, e sim, aquelas para melhorar a imagem perante a população.

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  9. Interessante é que lendo essa sátira bem humorada sobre a atual situação do Brasil me veio um pensamento meu bastante recorrente de que é evidente sim que a população alcançou o estopim da omissão e começou a tomar atitudes concretas pra se fazer ser vista pelos governantes. Porém, eu fico com a sensação de que apenas aquelas duas iniciais, que de fato mobilizaram milhares ou talvez milhões de pessoas, foram organizadas e tiveram realmente as razões de revolta da sociedade, onde mesmo quem não pôde participar se sentia representado pelas pessoas que la estavam presentes. Eu acredito que, infelizmente, devido a grande proporção que elas tomaram na mídia, eu não posso deixar de crer que as recentes manifestações contenham sim algumas pessoas que realmente lutam pela causa social, mas em sua grande maioria, sejam usadas como manobras políticas de partidos opositores diretos ao governo, ou até mesmo,por criminosos aproveitadores, como ficou claro pra mim na marcante manifestação do leblon onde diversas lojas foram destruídas e saqueadas. Por fim, como opinião própria, após as duas grandes manifestações, tive esperança que algo pudesse realmente mudar e, acredito que realmente os governantes sentiram o que é ter medo da resposta da população em relação a corrupção, mas acredito que hoje, muito por causa de inúmeras manifestações violentas e ridículas, os governantes voltarão a sua soberba por não temer mais o carnaval das manifestações recentes.

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  10. O Brasil está passando por um momento de luta, revogação de seus direitos que há muitos anos não se via. O governo não esta/estava preparado para esse tipo de manifestação, uma vez que a policia atacou brutalmente as manifestantes sem se quer dar-lhes a chance de se explicar. Além disso, temos uma mídia manipuladora em que o foco é passar informações deturpadas dos acontecimentos. Achei muito interessante a analogia com o carnaval, pois mostra exatamente o que aconteceu nesses últimos meses. Um verdadeiro carnaval, onde policias acham que a manifestação, que serve para expressar a nossa opinião e nossos desejos, é uma “festa” onde podem reprimir sem quaisquer direito a sociedade que não está fazendo nada de errado. Acredito que através dessas manifestações conseguimos demonstrar o que está nos incomodando, entretanto o maior passo que iremos dar será no dia das eleições , em que votaremos com seriedade em um candidato que realmente nos represente.
    Aluna: Ana C.N.P de la Cal

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