quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Sobra de água
                                                             
A economia de água não  será alcançada
 com a percepção equivocada
sobre onde está verdadeiramente o desperdício.
Enquanto isso, a Sabesp oferece tarifas menores
para quem gasta mais.

blog do professor paulo márcio
economia&arte

coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015
Paulo Márcio de Mello*

u      Sempre que se fala na importância da água, como nesta época de escassez de água e de gestão, alguém aponta o dedo na sua direção e tenta fazer com que você se sinta culpado por cada gota deste recurso. Seja por que você demora muito no banho, ou não fecha a torneira enquanto lava a louça, ou enquanto faz a barba, ou não conserta a torneira que fica pingand o, etc.

u      O que não se diz é que este tipo de uso da água, o uso doméstico, representa tão somente 1% a 2% do total. Claro que é correto poupar recurso tão precioso, mas se todos reduzissem o banho à metade do tempo, fechassem sempre a torneira na hora de lavar a louça, de fazer a barba e corrigissem de uma vez o pinga-pinga da torneira, o ganho que se obteria com isso não seria maior do que 0,5% d o consumo total. Cada um estaria fazendo a sua parte. O mais importante, entretanto, é fazer o que tem de ser feito.

u      Em que atividades se desperdiça de verdade a água? Os outros tipos importantes do seu uso são o realizado pelas empresas industriais e de outros setores (29%) e, principalmente, o uso realizado no campo, nas grandes propriedades agropecuárias (quase 70%). São os métodos de irrigação da grande produção agrícola, caracterizados por aqueles pivôs que projetam a água e pro piciam belas fotografias, os maiores responsáveis pelo desperdício de água. E não tem que ser assim.

u      Há alternativas de canaletas, gotejamento e outras que são poupadoras de água, sem comprometer a produtividade da produção agrícola. Em novembro do ano passado, o governo federal lançou um importante programa de incentivo à produção agrícola, chamado Mais Irrigação, com muitos recursos e nem uma palavra para estimular a substituição dos métodos que desperdiçam, por outros, mais poupadores. A produção de produtos primários, com métodos abusivos de desperdício água, é responsável por algumas das mais importantes "commodities" que sustentam as exportações brasileiras.

u      Quarto maior produto em importância na pauta de exportações de produtos básicos do Brasil, responsável por uma receita da ordem de US$ 6,7 bilhões de dólares, a carne de frango congelada, fresca ou refrigerada, incluindo miúdos, representou 2,78% da receita de exportação brasileira. Para produzir este item, foram utlizados 13,9 bilhões de litros de água no ano passado.

u      Cada quilo de carne de frango exportada alcançou o valor médio de US$ 1,89 no mercado internacional. Se a água fosse valorizada da mesma forma, caberia uma indenização por seu uso da ordem de US$ 1,7 milhão, somente para o item carne de frango. Como, no entanto, o produtor externaliza o custo da exaustão da água, isto é, transfere a sua responsabilidade para a sociedade, a indenizaç&atild e;o devida é "pendurada", mas como é acumulada ano a ano, acabará sendo paga, quando a escassez apresentar a conta da redução no estoque de água virtual.

u      Mais um exemplo pode ser apresentado com outro item importante da pauta de exportações do país, o oitavo entre os produtos básicos, a carne de bovinos congelada, fresca ou refrigerada. O item gerou quase US$ 4,5 bilhões de dólares de receita de exportação, ou 1,85% da receita total da balança comercial. Para se chegar à esta produção, foram necessários cerca de 14,7 b ilhões de litros de água.

u      Cada quilo de carne de bovino congelada, fresca ou refrigerada alcançou o valor médio de US 4,7. Da mesma forma, se a água necessária para se obter esta produção fosse valorizada, caberia uma indenização mínima de US$ 287 mil, correspondente a este item exportado.

u      Outro exemplo pode ser apresentado com um item da pauta de exportações de produtos semimanufaturados de ferro ou aços, responsável por uma receita de exportação de aproximados US$ 3,8 bilhões. Trata-se de um item responsável por 1,58% do total da receita da balança comercial. Esta produção foi obtida com o emprego de 4,0 trilhões de litros de água. Cada quilo do produ to foi vendido ao preço médio de US$ 0,58. Se a água empregada na produção exportada desta "commodity" fosse também valorizada, a indenização devida alcançaria pelo menos US$ 6,4 milhões.

u      Somente na produção destes três itens, que somados representam 6,21% da receita da balança comercial, deixam de ser indenizados US$ 8,4 milhões, em royalties devidos pelo uso da água. O custo ambiental, externalizado pelos exportadores, não se sabe exatamente quando será pago. Mas é certo que será pago, pelas próximas gerações ou, quem sabe, por esta.

u      As dificuldades de gerir adequadamente o uso da água podem ser exemplificadas com o caso das tarifas privilegiadas de grandes consumidores da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), divulgado no Brasil pelo jornal Monitor Mercantil, durante o carnaval.

u      Em nota, a Sabesp explicou que, em 2012, a companhia incentivou grandes empresas a assinarem os "contratos de demanda firme", nos quais era contratado um montante de água, por um valor fixo, através de uma tarifa com desconto. Ainda que a empresa não consumisse todo o pacote, pagava-se o mesmo valor. A Sabesp admite que a estratégia foi motivada pela "busca por lucro" em um cenário em que havia "sobra de água". Ela disse sobra de água. Em 2012...

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
São mais de 600 edições apresentando casos de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à sustentabilidade,

à responsabilidade social e ao desenvolvimento sustentável.

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