quarta-feira, 1 de maio de 2013

Rana Plaza. Até quando? 
                                                                                                                        As etiquetas “made in” Bangladesh, Vietnam, El Salvador, Honduras, China, podem esconder mais do que pechinchas.
Podem esconder a Vida. Como no Rana Plaza.


blog do professor paulo márcio
 
economia&arte
 
 Quarta-feira, 1º de maio de 2013
coluna EMPRESA-CIDADÃ
Paulo Márcio de Mello
 
u      Há pouco mais de uma semana, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou o relatório “The prevention of occupational diseases” (disponível também em espanhol ou francês, em www.ilo.org/publns), através do qual alerta para a morte de mais de 2 milhões e 340 mil pessoas a cada ano. São vítimas da pandemia de acidentes ou doenças contraídas por exposição a algum fator de risco relacionado ao trabalho.
 
u      Deste total, cerca de 320 mil óbitos acontecem em consequência de acidentes e mais de 2 milhões devidos a enfermidades do trabalho. São números que impressionam, com a média acima de 6.400 óbitos, diariamente! Ocorrem também mais de 160 milhões de enfermidades anualmente derivadas do trabalho, que não matam, mas maltratam.
 
u      A OIT estima que mais de 6,6 milhões de trabalhadores estejam expostos a riscos como pó de sílica (utilizada na produção de vidro e do cimento), que pode levar a pneumoconiose, ocasionando falta de ar, endurecimento do tecido pulmonar e até falência respiratória. Doenças musculoesqueléticas representam mais de 10% dos casos de incapacidade, por perda de movimentos. Podem atingir nervos, tendões, músculos e a coluna.
 
u      Transtornos mentais ou comportamentais, outro foco da OIT, segundo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), representaram cerca de 9% dos 166,4 mil casos de auxílios-doença concedidos no Brasil, no ano anterior. Entre eles, figura com destaque a depressão, com mais de 5,5 mil casos de episódios depressivos ou transtorno recorrente.
 
u      Além dos dramas pessoais, enfermidades como estas oneram os sistemas de saúde e previdenciário com encargos financeiros de cerca de US$ 2,8 trilhões anuais, cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.
 
u      No dia seguinte ao da divulgação do relatório da OIT, publicado por ocasião do Dia Mundial da Segurança e Saúde do Trabalho, ocorreu a tragédia do edifício Rana Plaza, que desabou com os seus oito andares, em Savar, subúrbio de Dacca, capital de Bangladesh. Na queda, morreram mais de 390 trabalhadores.
 
u      O Rana Plaza era ocupado por um número de trabalhadores entre 3 a 4 mil, distribuídos por cinco fábricas de roupas, entre outras ocupações. São trabalhadores com jornadas de trabalho superiores a 10 horas diárias, 7 dias por semana, sem férias e sem qualquer garantia ou benefício trabalhista. Em troca, recebem remunerações que não ultrapassam R$ 75 ao mês. A indústria de confecções responde por 80% das exportações de Bangladesh e por 40% da mão de obra industrial.
 
u      O desabamento foi anunciado com o aparecimento de rachaduras em paredes do Rana Plaza, mas segundo depoimentos de sobreviventes, foram forçados a permanecer nos postos de trabalho. Ano passado, na mesma região, um incêndio matou mais de 100 trabalhadores, ao queimar uma fábrica que produzia para a rede norte americana Walmart. no maior incidente deste tipo já ocorrido em Bangladesh. Em 2005, 61 trabalhadores do setor têxtil morreram e 86 ficaram feridos no desabamento de um edifício de 9 andares, que reunia fábricas deste mesmo ramo, na região do Rana Plaza.
 
u      Estas armadilhas existem em diversos países subdesenvolvidos, sob diferentes denominações, como fábricas dormitório, por que muitas vezes o trabalhador dorme em instalações precárias da própria fábrica, para que possa ser explorado até a última gota de suor.
 
u      Os beneficiários deste trabalho aviltado são grifes e etiquetas de países ricos. No caso das fábricas do Rana Plaza, estão a espanhola Mango, a irlandesa Primark, a canadense Loblaw, distribuidora da indústria de vestuário Joe Fresh, as inglesas Tesco, Sainsbury's e Next, a italiana Benetton e as norte-americanas H&M, Walmart e Gap.
 
u      Grifes que exploram os baixíssimos custos do trabalho, em todos os casos, repetem o mesmo mantra – desconheciam as condições de trabalho e passarão a exigir melhores condições dos seus fornecedores, enquanto abarrotam as suas lojas com peças de vestuário em que, silenciosas, mas eloquentes, constam as etiquetas “made in” Bangladesh, Vietnam, El Salvador, Honduras, China, etc.
 
u      O ciclo desta economia da morte é complementado por consumires locais ou turistas embriagados com os baixos preços exibidos nas etiquetas, e que não chegam a se perguntar como se chega a preços tão inferiores ao normal.
 
Gastos de brasileiros no exterior batem recorde
 
No mesmo dia em desabou o Rana Plaza, em Bangladesh, o Banco Central do Brasil anunciou que, em 2012, os gastos de brasileiros no exterior chegaram a US$ 21,2 bilhões. As despesas de brasileiros, feitas em viagens ao exterior, cresceram 29,2% em relação a 2010 (US$ 16,42 bilhões), o ano recordista até então.
 
Paulo Márcio de Mello
paulomm@paulomm.pro.br
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
 
A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001,
toda quarta-feira, no jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados casos de empreendedores e empresas, pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à responsabilidade social, à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável.
 

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