sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

O mundo está a caminho do matadouro?                                                           
Paulo Márcio de Mello (*)
19 de dezembro de 2014

Vivemos hoje os prenúncios de uma guerra em larga escala.

Desde a crise da anexação da Crimeia à Rússia, resolvida pela legítima vontade do povo da Crimeia, por imensa maioria de votos, os EUA e seus satélites europeus decretaram sanções contra a Rússia.

Ocorre que os satélites europeus são dependentes do petróleo russo e a Rússia valeu-se desta condição. Virou-se para a China (fortemente dependente de combustível para sustentar o crescimento excepcional da sua economia nos últimos anos) e articulou uma aliança que envolve principalmente o fornecimento de petróleo, compreendendo uma rede de oleodutos, entre outras obras.

A reunião de forças destes dois gigantes criará um polo de poder militar (Rússia) e econômico (China) comparável ao dos EUA, o que para estes é intolerável, já que parece professarem a crença de que são a polícia do mundo.

Deficitários em petróleo no seu território, os EUA valem-se das reservas derivadas da guerra contra o Iraque (a guerra feita para “acabar com as armas de destruição em massa” do seu ex-aliado, Saddam Hussein, nunca encontradas).

No tabuleiro da geopolítica, os EUA movimentam peças estratégicas, como o incremento da produção interna de energia a partir do gás de xisto e do controle do cartel da OPEP. A primeira medida é um processo lamentável pelas emissões de gases causadores do aquecimento. A segunda fortalece regimes políticos que em nada contribuem para a democracia.

Os EUA têm uma posição confortável para empurrar a Rússia para as cordas no ringue geopolítico. Uma das suas armas é o preço do petróleo, o reverso da manobra que os atingiu em 1973 e 1979, com os dois choques do petróleo. Neste momento histórico, os EUA manobra para que o cartel da OPEP, formado por algumas ditaduras e regimes reconhecidamente anti democráticos, mantenha a produção em altos volumes, para derrubar intencionalmente os preços, através de uma oferta muito superior à demanda internacional.

O barril, hoje, se encontra em torno de US$ 40.00. Suficiente para quebrar a economia da Rússia, que tem uma das suas maiores vulnerabilidades na receita de exportações, fortemente concentrada na venda de petróleo (cerca de 50%). A manobra proporciona ainda ganhos geopolíticos extras: contém o crescimento chinês, inviabiliza outras economias, que têm no petróleo o seu mais importante item da pauta de exportações, casos da Venezuela e do Irã.

Como brinde, o pacto entre os EUA e parte do cartel da OPEP, depreciando os preços, forma uma reserva estratégica, para utilizar no futuro que eles acharem mais conveniente, ao inviabilizar a exploração do pré-sal brasileiro, no presente. Não é sem motivos que as primeiras vozes “amigas” no Brasil, diante das denúncias de que a Petrobras foi atacada por uma quadrilha de corruptos, amplificam as denúncias, numa histeria moralista-udenista, para falar da “necessidade” de rever o regime de partilha, segundo o qual os campos do pré sal foram licitados e que preserva o controle do desfrute pelo Brasil.

Os EUA são nossos amigos, argumentariam alguns. O secretário de estado norte-americano, John Foster Dulles, em 1958, já dizia que “as nações não têm amigos; têm interesses”. Um dia, Saddam Hussein também foi “amigo”, enquanto era útil, hostilizando o Irã dos aiatolás. Outros “ex-amigos”? Bin Laden também foi “amigo”, quando combatia junto aos adversários da ex União Soviética, no período em que esta invadiu o Afeganistão.

Os EUA recusou-se a assinar o Protocolo de Kioto e sabota medidas propostas nas conferências sobre as mudanças climáticas por que, se o barril do petróleo incluísse os custos externalizados dos danos ambientais e sociais que acarreta, não custaria menos de US$ 200.00. Por que o gás de xisto é ainda mais danoso para o ambiente do que o petróleo. Por que contando com pouco mais de 4% da população mundial, emite 16 mil toneladas de carbono, por habitante, ao ano, três vezes mais do que o restante do planeta.

O texto “Price Competition in 1955” (http://ablemesh.co.uk/PDFs/journal-of-retailing1955.pdf), do consultor de marketing Victor Lebow, é considerado um marco na transformação da sociedade de abastecimento, vivida até então, para a sociedade de consumo exacerbado, uma das expressões do “american way of life”, dos dias atuais.

Diz ele que “(...) nossa economia enormemente produtiva requer que façamos do consumo o nosso modo de vida, que convertamos a compra e o uso de mercadorias em rituais (…) que busquemos a nossa satisfação espiritual ou do nosso ego no consumo (…) a medida do status social, da aceitação, do prestígio, está baseado em nosso padrão de consumo (...) a maior coerção sobre o indivíduo para formá-lo na defesa e aceitação dos padrões, tenda a expressar suas aspirações e individualidade em termos do que ele usa, dirige, come – sua casa, seu carro, seu padrão alimentar, seu lazer (...) nós precisamos de coisas consumidas, destruídas, gastas, substituídas e descartadas numa taxa continuamente crescente”.

Sem energia, barata e abundante, não há consumo. Então, a movimentação das peças no tabuleiro prossegue. Inclui a tentativa de colocar de joelhos a Argentina, através de manipulação política da crise da dívida, por que a Argentina é detentora de grandes reservas de gás de xisto, bastante para interferir na estratégia hegemônica.

Inclui também a reabertura, após mais de meio século, de um bloqueio unilateral contra Cuba, no mesmo período em que a China financia a construção de um novo canal entre o Atlântico e o Pacífico, maior e mais moderno do que o Canal do Panamá que, uma vez operacional, colocará Cuba numa posição estratégica proeminente. Ao mesmo tempo, engrossa a voz contra a Venezuela, ameaçando-a de sanções, por conta de assuntos que são da economia doméstica daquele país.

Do ponto de vista militar, a OTAN vem sendo estendida até às fronteiras da Rússia, como ainda não tinha sido observado, nem nos tempos da Guerra Fria, com o empenho dos EUA, que detém o maior orçamento militar do mundo, próximo de US$ 800 bilhões anuais. E inclui a propaganda que apresenta os líderes de nações adversárias como tiranos, fanáticos, megalomaníacos, ou tontos, enquanto se cala sobre os tiranos, fanáticos, megalomaníacos e tontos, aliados de momento.

O primeiro teatro de guerra parece estar escolhido. É a região em que a crise entre Rússia e a Ucrânia vem sendo nutrida de diversas formas. Região que, pela proximidade geográfica, inibiria a Rússia de lançar mão do seu arsenal nuclear, comparável em poder destrutivo ao dos EUA.

Como em 1914-1918 (I Guerra Mundial) e 1939-1945 (II Guerra Mundial), a guerra tem a capacidade de incrementar rapidamente a demanda em economias com capacidade instalada ociosa e com alto desemprego, caso dos países da UE e dos EUA, como consequências da chamada “crise da sub prime”, após 2008. Há quem veja a guerra como solução para crises econômicas.

("Como todo aluno, estou com uma dúvida." Assim começou a provocação do Mateus Erthal Lutterback Dias, estudante da Faculdade de Comunicação Social da UERJ, sobre o que origina a crise do petróleo atual. Dedico este texto a ele e colegas da turma de 2014.2, uma daquelas inesquecíveis.)  

(*) Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
paulomm@paulomm.pro.br

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