Letícia, mas pode me chamar de Renner...
Um cipoal de transferências de
responsabilidades entre organizações esconde os verdadeiros responsáveis pela
utilização odiosa de trabalho escravo, como meio de reduzir custos empresariais.
Grandes marcas lideram esta cadeia desumana.
blog do professor paulo márcio
economia&arte
coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
Paulo Márcio
de Mello*
► Fiscais do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) encontraram trabalhadores em condições análogas a de
escravos, em uma oficina a serviço das Lojas Renner, onde foram resgatados 37
trabalhadores bolivianos, em condições sub-humanas. A oficina, flagrada no
final do mês passado, fica localizada na zona norte de São Paulo. As Lojas
Renner receberam 30 autos de infração, no valor aproximado de R$ 2 milhões.
► Segundo
a fiscalização do MTE, foram constatadas condições degradantes de alojamento,
jornada de trabalho de 16 horas, retenção e descontos indevidos de salários,
servidão por dívida, utilização de violência psicológica, verbal e física, além
da manipulação de documentos contábeis trabalhistas e fornecimento de
alimentação sempre com base no mesmo cardápio, com alimentos vencidos,
deteriorados, servidos com baratas e outros insetos. Foram contraídas infecções
intestinais sérias pelos trabalhadores, em consequência.
► Em
nota oficial, as Lojas Renner declararam “não compactuar e repudiar a
utilização de mão de obra irregular”. A Renner acrescentou que a oficina
Leticia Paniágua Verdugues MF, onde os auditores fiscais flagraram as irregularidades,
é contratada de dois de seus fornecedores, a Kabriolli e a Betilha.
► A
nota da empresa acrescenta ainda que “Todos os fornecedores da companhia
assinam contratos em que se comprometem a cumprir a legislação trabalhista
vigente, bem como um termo de compromisso e conduta responsável que proíbe
qualquer tipo de violação aos dispositivos legais.”
► A
Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX, www.abvtex.org.br), criada em 1999, lançou
no ano seguinte o certificado, que é uma iniciativa de grandes empresas
varejistas para demonstrar que estão empenhadas em “coibir especialmente o uso
de mão de obra análoga à escrava e atuar em defesa da formalização da cadeia de
fornecedores”.
► A
ABVTEX acrescenta que “a certificação tem passado por aprimoramentos desde sua
criação, mas como qualquer processo de certificação, este é impotente ante a má
fé de algumas empresas de confecção”, sem dar os nomes das empresas de
confecção de má fé. Possuem a certificação 7.024 empresas do setor, enquanto
2.059 estão em vias de obte-la.
► Entre
outras, chama a atenção nas afirmações da ABVTEX o retumbante sucesso que é
certificar mais de 7.000 empresas em cerca de quatro anos, quase 5 empresas por
dia, incluindo finais de semana, feriados e Copa da FIFA!
► O
sucesso da ABVTEX chega a ser quase inacreditável, considerando-se, como consta
no seu site (http://www.abvtex.org.br/pt/quem-somos), que “o segmento do varejo
está disperso em todo o território nacional, através de micro e pequenas
empresas, dificultando sobremaneira o trabalho associativo”.
► A
ABVTEX entende que “o processo de certificação
estimula o desenvolvimento de uma cadeia de fornecimento ética e responsável
para a evolução do setor de varejo de moda no país. As empresas varejistas que
são signatárias do programa assumem, além da promoção da certificação em suas
respectivas redes de fornecimento, o compromisso de monitorar continuamente
seus fornecedores e subcontratados”.
► Em
comunicado, a ABVTEX informou que, a oficina Leticia Paniágua Verdugues MF foi
imediatamente suspensa da sua certificação de fornecedores. Em um abraço de
afogado, acrescentou que a auditoria de certificação da oficina foi realizada
pelo Bureau Veritas. Mui amiga...
► Então
funciona assim. A FGV e a Fecomércio atribuem à ABVTEX os Prêmios de
sustentabilidade do varejo de 2012 e de 2013, respectivamente; a Renner atribui
à Kabriolli e Betilha a delegação da contratação da oficina Letícia Paniágua
Verdugues; a ABVTEX atribui ao Bureau Veritas a responsabilidade de auditar a
oficina Letícia Paniágua Verdugues, que atribuiu à Renner um certificado que
lava e enxuga as suas mãos e permite à ABVTEX declarar que “mantém-se fiel aos
seus princípios que são a ética e o respeito à legislação, apoiando ações que
visem a responsabilidade social, a formalização nas relações comerciais e o
combate à concorrência fraudulenta”.
► A culpa do adoecimento dos trabalhadores deve ser atribuída
às baratas...
Tudo começa
num ponto
Brasília
tornou-se a primeira cidade brasileira a receber uma exposição do criador do
abstracionismo, Wassily Kandinsky. Nascido em Moscou (Rússia), em 16 de dezembro
de 1866 e falecido em Neuilly-sur-Seine (França), em 14 de dezembro de 1944,
foi pintor, músico e professor. É considerado o pioneiro da pintura abstrata.
A exposição, denominada “Kandinsky – Tudo
começa num ponto”, reúne, no CCBB, um conjunto de quadros, livros e fotos sobre
o artista, com mais de 150 peças dos acervos do Museu Estatal Russo de São
Petesburgo, de outros oito museus europeus e de colecionadores particulares,
proporcionando um conhecimento maior sobre o artista, que inspirou-se em
elementos folclóricos, musicais, espirituais e em rituais xamânicos.
A exposição “Kandinsky – Tudo começa num ponto, após
permanecer em Brasília, percorre o Rio de Janeiro (de 27 de janeiro a 30 de
março de 2015), São Paulo (de 18 de abril a 29 de junho) e Belo Horizonte (de
21 de julho a 28 de setembro. Oportunidades imperdíveis de apreciar a obra do
também advogado e economista, Wassily Wassilyevich
Kandinsky. Ninguém é perfeito...
Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ)
A coluna
EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário
jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
São mais de 600
edições apresentando casos
de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à sustentabilidade, à
responsabilidade social e ao desenvolvimento sustentável.
Preferimos acreditar sem questionamentos nesses novos selos de sustentabilidade e responsabilidade social do que investigar os processos que antecedem nossa compra ou escolher outra marca. Mas que opções temos dentro de um mercado com empresas de filosofias tão parecidas?
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