terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O dia da impunidade
                                                             
12 de janeiro de 2015 poderá se  caracterizar como 
o Dia da Impunidade.

blog do professor paulo márcio
economia&arte

coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 7 de janeiro de 2015
Paulo Márcio de Mello*


      O Código Penal brasileiro estabelece que a prescrição de um crime ocorre após decorrido o dobro do tempo da pena a ele aplicável. Às 15h 00min, de 12 de janeiro de 2007, Abigail Rossi, brasileira, aposentada, 75 anos; Cícero da Silva, brasileiro, auxiliar administrativo, 58 anos; Francisco Torres, brasileiro, motorista, 48 anos; Reinaldo Aparecido Leite, brasileiro, motorista, 40 anos; Wescley Adriano da Silva, brasileiro, 39 anos, cobrador; Valéria Alves Marmit, brasileira, advogada, 37 anos; e Márcio Alembert, brasileiro, funcionário público, 31 anos, foram engolidos por uma cratera que se abriu do nada, com 80 metros de diâmetro e 30 metros de profundidade, no canteiro de obras da estação Pinheiros, parte da linha 4 do metrô de São Paulo (SP).

      Seus corpos foram procurados durante 13 dias. Junto com eles, foram para o fundo da terra caminhões, materiais de construção e uma parte de uma rua vizinha, a rua Capri. Em outras ruas próximas, 66 casas tiveram as suas estruturas comprometidas. Foram acusados 14 possíveis responsáveis pela tragédia, mas nenhum chegou a ser julgado. Os crimes de que são acusados, começam a prescrever em 2015.

      As dificuldades de se caracterizar as responsabilidades começam pelo fato de que cada acusado pode apresentar até oito testemunhas em juízo, que devem ser ouvidas. A aritmética da impunidade é simples. Oito testemunhas de defesa, para cada um dos quatorze indiciados, significam cento e doze audiências, sujeitas a expedientes, em que tudo pode acontecer, protelando-as. Isto por que oito testemunhas não significam oito pessoas, uma vez que podem ser contestadas e trocadas, podem adoecer, etc. Assim, o tempo da Justiça e o tempo do processo penal são como duas paralelas, correm juntos mas não se encontram, a não ser no infinito.

      Prever com precisão a data da impunidade não é possível, já que dependeria do conhecimento da pena exata de cada réu e, antes disso, claro, dependeria da própria condenação. No caso da cratera da estação do metrô Pinheiros, a pena máxima imputável aos acusados é de quatro anos de reclusão. Logo, em 12 de janeiro próximo será integralizado o prazo de oito anos, o dobro da pena máxima atribuível.

      Das empreiteiras que formam o consórcio responsável pela obra, chamado Via Amarela, foram denunciados Fábio Andreani Gandolfo, diretor responsável pelo acompanhamento da obra; José Maria Gomes de Aragão, engenheiro; Alexandre Cunha Martins, engenheiro; Takashi Harada, gestor de projetos; Murillo Dondici Ruiz, projetista responsável pelo túnel que desabou; Alberto Mota, projetista; Osvaldo Souza Sampaio, projetista; e Luis Rogério Martinati, coordenador.

      Entre os funcionários do Metrô, foram denunciados Marco Antonio Buocompagno, gerente de construção; José Roberto Leite Ribeiro, gerente de construção; Cyro Guimarães Mourão Filho, coordenador de fiscalização; Jelson Antonio Sayeg de Siqueira, fiscal da obra; German Freiberg, fiscal da obra; e Celso da Fonseca Rodrigues, engenheiro.

      As empresas que constituem o consórcio Via Amarela são Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez. O regime de construção é uma Parceria Público Privada (PPP), pelo qual as empresas realizam a obra em troca da concessão do direito de exploração comercial dos serviços por 30 anos.

      O laudo que integra o processo foi emitido pelo IPT. Considerou falhas nas análises e sondagens do terreno, que registrou não suportar a evolução das escavações, no fim de dezembro de 2006. Ainda assim, as obras prosseguiram com o uso de explosivos. Deixaram de ser realizadas avaliações necessárias de estabilidade do solo.

      O laudo registra que os responsáveis pela obra chegaram a se reunir na véspera do desabamento para exame de problemas estruturais verificados. Nela, decidiram reforçar as paredes da escavação com barras de ferro. Cerca de 10% do material necessário foi utilizado, porém. Pelo menos uma vez, na manhã da tragédia, foram utilizados explosivos. O consórcio contesta o laudo do IPT, tendo apresentado outro, em que o terreno e a chuva seriam os culpados pelo desabamento.

      Nenhuma punição de caráter administrativo foi imposta ao consórcio Via Amarela pelo então governador, José Serra. Quando da inauguração da estação Pinheiros, familiares das vítimas pediram ao governador Geraldo Alckmin a fixação de uma placa, em memória das vítimas. O pedido foi negado.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
São mais de 600 edições apresentando casos de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à sustentabilidade, à responsabilidade social e ao desenvolvimento sustentável.

Um comentário:

  1. E são muitos casos como do edifício Palace II, no Rio de Janeiro, em 22 de fevereiro de 1998, que provocou a morte de oito pessoas, além de deixar 150 famílias desabrigadas. A construção havia sido interditada pela defesa civil em 1996, quando a obra já estava atrasada, devido à morte de um operário que caíra no fosso de elevador, que apresentara defeito. Inicialmente, Naya tentou culpar os moradores pelo excesso de carga que teria causado o desabamento. A Construtora Sersan, empresa em que Naya era o principal acionista, porém não era o engenheiro responsável, construiu o edifício e foi acusada pelo Ministério Público de negligência por supostamente ter usado material de baixa qualidade na construção do prédio. A empresa já havia sido processada quatro vezes antes do desabamento pela má construção.Depois do incidente com o Palace, Naya foi para os Estados Unidos, mas conseguiu ser localizado algum tempo depois em Miami. Chegou a ficar preso por 137 dias, em duas passagens pela prisão (26 dias na Polinter, no Rio, em 1999, após ser preso em Brasília, pelas denúncias de ser o responsável pelo desabamento e em 2004, em Porto Alegre, por mais quatro meses, quando tentava fugir para Montevidéu. Mas em 2005 foi absolvido por cinco votos a zero do processo criminal que o acusava de causar o desabamento. Ficou comprovado que ele não era o engenheiro responsável pela obra, tendo erro de cálculo do projetista. Quanto ao uso de materiais de baixa qualidade, o laudo não foi convincente o suficiente para a condenação. A anulação da condenação ocorreu porque os promotores, ao apelarem da sentença, desrespeitaram o Código Penal, alterando a classificação do crime de doloso (cabível se o prédio tivesse sido construído com o objetivo de cair) para culposo (o crime ocorreu devido à negligência, desatenção ou descaso).

    Para dar um tom desesperante nas peripécias de nossa justiça o acusado aparece em um vídeo exibido num programa de televisão em que ele diz não querer tomar champagne numa taça de plástico, alegando que seria "coisa de pobre", já que estava em um lugar muito caro e a bebida era sofisticada para se beber em taças de plástico. Isso aconteceu quando ele se encontrava em Miami, durante o Natal.

    A construtora Sersan havia se comprometido a pagar indenizações às famílias em até 6 meses, o que não ocorreu. Acionado judicialmente, as contas bancárias de Naya foram bloqueadas. Foi condenado a pagar indenizações que variavam de 200 mil a 1,5 milhões de reais a aproximadamente 120 famílias. Para pagá-las, teve seus bens leiloados, mas as execuções judiciais não haviam terminado até o seu falecimento. Sobre a tragédia, Naya declarou que o desabamento foi uma fatalidade e que a associação das vítimas criou uma indústria de danos morais.
    Naya morreu em 20 de fevereiro de 2009 devido a um infarto agudo do miocárdio. E até hoje as famílias das vítimas e as próprias vitimas brigam na justiça para que sejam indenizadas. Segue o mesmo rumo o viaduto que desabou em BH no ano passado, infelizmente a Dona Burocracia favorece a muitos, por isso ela é preservada.

    Alex Faria Bezerra (Aluno da UERJ)

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