A Cristaleira
representam uma criação de outra era,
vocacionadas para desafios muito diferentes dos
atuais.
Precisam ser reinventadas.
A sustentabilidade, no discurso, pode ter evoluído,
mas a prática, mudar mesmo, não mudou.
blog do professor paulo márcio
economia&arte
Quarta-feira, 6 de novembro de 2013
coluna EMPRESA-CIDADÃ
por Paulo Márcio de Mello*
u Em 16 de novembro de 1957, “seu” Pelegrino
José Donato e Dona Luiza Trajano adquiriram uma lojinha de presentes, em Franca
(SP), chamada “A Cristaleira”. A partir de então, fundaram uma gigantesca
corporação de comércio varejista, com vendas realizadas por 700 lojas, distribuídas por 16 estados brasileiros, localizadas
nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, além de lojas virtuais,
televendas e e-commerce. Em 2012, a rede faturou US$3.319,9 milhões.
u Em sua página
[http://especiais.magazineluiza.com.br/vem-ser-trainee/], o Magazine Luiza
publica edital do programa de trainees 2014 e, entre as características do
perfil procurado nos jovens colaboradores, consta que os candidatos devem “Compartilhar dos valores de: respeito, desenvolvimento,
reconhecimento, ética, simplicidade, liberdade de expressão, inovação, ousadia,
crença e pessoas em 1° Lugar”.
u Consta
também que “está, há 16 anos, entre as melhores empresas para se trabalhar no
Brasil. Este reconhecimento é baseado na opinião dos próprios colaboradores da
companhia, que respondem, de forma imparcial, sincera e sigilosa, às pesquisas
do Instituto Great Place to Work”, publicadas por prestigiosas revistas
especializadas brasileiras.
u Prossegue
afirmando que os “prêmios e reconhecimentos não param por aí. A empresa já foi
eleita a Melhor para Trabalhar no Brasil (em 2003), sendo a primeira do mundo
no setor do varejo a receber este reconhecimento, e também foi escolhida como a
melhor empresa para a mulher trabalhar no Brasil (2007) e a melhor empresa para
o executivo trabalhar no Brasil (2008). Além disso, integra a lista das 100
melhores empresas para trabalhar na América Latina em 2013”. E acrescenta
que a “forte cultura da companhia, o valor dado às pessoas na
organização e os resultados atingidos continuamente também renderam à empresa”
outros prêmios, citados na página.
A teoria na prática ...
O
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas, SP), na última
segunda-feira, manteve a condenação imposta ao Magazine Luiza, de pagamento de
R$1,5 milhão pela prática de dumping social. Esta prática consiste na
externalização de custos da corporação, através do descumprimento reiterado da
legislação trabalhista, de múltiplas formas, obtendo vantagens junto à
concorrência e ferindo a dignidade humana.
No
caso, a empresa foi condenada pela imposição de jornadas de trabalho com
extrapolação do limite máximo previsto no artigo 59 da CLT, superiores a 10
horas diárias, ou por mais de 12 horas em virtude da realização de serviços
inadiáveis, bem como trabalho aos domingos, sem amparo convencional, não
concessão do descanso semanal remunerado e dos intervalos inter e
intrajornadas, além de registro irregular da jornada
(http://s.conjur.com.br/dl/tribunal-regional-trabalho-15-regiao.pdf).
O
desembargador relator do processo, João Alberto Alves Machado, em claro
entendimento das consequências nefastas das externalidades geradas pelo
Magazine Luiza registra que “a retribuição pecuniária, por óbvio, não compensa
a perda de saúde, advinda da exaustão, e, também, os momentos perdidos de
convívio com familiares e amigos (ofensa ao direito ao lazer, direito humano
fundamental, constitucionalmente assegurado, socialmente desejado e
imprescindível para a manutenção da integridade física e psicológica do ser
humano)”.
Prossegue
o relator, destacando que “o limite da jornada de trabalho, bem como os
intervalos para repouso previstos na legislação trabalhista, frente aos termos
do artigo 7º, incisos XIII e XXII da Constituição Federal, traduzem normas de
ordem pública, de caráter imperativo por abarcar norma de saúde pública,
destinada à proteção da saúde, higiene e segurança do trabalhador. Os
intervalos e o limite de jornada diária são necessários para preservar a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (Constituição
Federal – artigo 1º, incisos III e IV)”.
O
relator menciona que a empresa foi penalizada com autos de infração, mesmo após
a formalização de Termos de Ajustamento de Conduta junto ao Ministério Público
do Trabalho, que totalizam 87(!). Ratificou a decisão de primeira instância, lavrada
pelo juiz do trabalho Eduardo Souza Braga, da 1ª Vara do Trabalho de Franca, cidade
onde “A Cristaleira” virou “Magazine Luiza”, de pagamento de R$1,5 milhão,
considerando a capacidade econômica da empresa, o repetido descumprimento dos
termos de ajustamento de conduta, a gravidade do ilícito e o significado
pedagógico da indenização, com vistas a inibir outras ocorrências semelhantes.
É uma ilusão construída com prêmios ou
“comendas”, a crença de que será possível transformar as práticas empresariais,
no caminho da sustentabilidade, sem reinventar a própria instituição
empresarial, cristaleiras insistentes de um tempo que já se foi.
Paulo Márcio de Mello
Professor
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são
apresentados casos de empreendedores e
empresas,
pesquisas, resenhas, editais
ou agenda, relativos à
responsabilidade social, à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável.
Impressionante como os prêmios mascaram a realidade da rede Magazine Luiza. Eles aparentam primar por características que vão além dos conhecimentos profissionais e acabam ferindo o que pregam. Querem que o trabalhador tenha respeito e eles mesmos desrespeitam o trabalhador, impondo a ele uma jornada de trabalho totalmente inadequada. Achei corretíssimo a punição e acho que deveria ser muito divulgado para que o público, os consumidores saibam qual é o local no qual deixam seu dinheiro e para onde enviam seus currículos.
ResponderExcluirMarcelle de Oliveira Roumillac
Ao nos depararmos com empresas tão conhecidas e até premiadas como essa realizando estas práticas comerciais, desrespeitando seus funcionários para obter vantagens, acabamos desacreditando na possibilidade de mudança para uma evolução sustentável, uma vez que para isso é preciso honestidade e engajamento por parte das instituições empresariais. Vemos que as empresas são capazes de esconder suas reais intenções e a forma como agem, além de não praticarem o que dizem na teoria, o que dificulta conhecermos os verdadeiros princípios de uma instituição empresarial, e se ao dizer-se comprometida com práticas sustentáveis, por exemplo, ela realmente é.
ResponderExcluirGabriella Cunha
É inacreditável que em pleno seculo XXI, com todos os direitos trabalhistas e sindicatos dos trabalhadores, ainda possa existir esse tipo de exploração. E ainda pior, exploração feita por um empresa em que faz questão de expor sua política em seu site, e que ganhou tantos prêmios que indicavam que seus funcionários eram os beneficiados.
ResponderExcluirComo essa empresa localiza-se entra as 100 melhores empresas da América Latina para se trabalhar ? quem a elegeu? fico me perguntando se isso tem solução, se algum dia a teoria será colocada honesta e francamente em prática, seja por empresas, ou por pessoas, pois não devemos esquecer que quem está a frente disso são pessoas, pessoas refletindo, através das grandes corporações, quem realmente são.
Interessante descobrir que uma empresa tão reconhecida e tão "premiada" como a Magazine Luiza é, na verdade, o oposto do que é reconhecida. Extrapolar o limite de jornada de trabalho, além de não garantir um intervalo de descanso garantidos pelos direitos do trabalhador é no mínimo vergonhoso. O que mais me impressionou foi além disso: se empresas que "representam" tanto os direitos dos trabalhadores a ponto de ganharem prêmios são assim, imagine o que não acontece por trás dos bastidores de outras empresas menores ou menos reconhecidas? Infelizmente a resposta para essa questão não me choca tanto, visto que não é novidade que o trabalhador, enquanto cidadão, seja vítima de exploração, que nesse caso torna-se apenas mais uma de tantas outras que já é vítima.
ResponderExcluirAna Luísa Erthal
Impressionante perceber que empresas tão premiadas podem estar mascaradas, e por trás delas um absurdo, como exploração dos trabalhadores. Isso mostra como estamos sujeitos a alienação. A empresa mantém uma aparência livre de qualquer suspeita, para na prática fazer tudo ao contrário. Essa aparência dificulta ainda mais a investigação sobre essa empresa, já que é mais difícil suspeitar de uma companhia que se mostra excelente. Realmente um absurdo!! Achei o texto bastante enriquecedor, pois mostrou um lado que era desconhecido por mim.
ResponderExcluirRevoltante. Empresa extremamente reconhecida, poderosa, premiada MAS - sendo curta e grossa - adultera. Segundo dicionário online, a palavra "corrupto" significa "que mostra uma falha de pronúncia, de representação escrita" e é exatamente o que acontece em muitas empresas atualmente. Na teoria está tudo lá “o limite da jornada de trabalho, bem como os intervalos para repouso previstos na legislação trabalhista (...) traduzem normas de ordem pública, de caráter imperativo”, no entanto, na prática, a teoria é outra! É incrível como ainda nos dias de hoje, em pleno século XXI, os direitos do trabalhador sofram tanto desrespeito. Eu soube em época de final de ano (ao final de 2013), através de uma amiga minha que estava trabalhando como atendente em uma loja de shopping, que ela vinha sofrendo por conta de absurdas cargas horárias e, claro, que não foram antes apresentadas por contrato mas que ela teve que cumprir durante o período em que lá trabalhou. Ela ultrapassava demais o tempo proposto que deveria ficar lá. No dia anterior ao que conversamos, inclusive, ela me disse que chegou a ficar até às 3h da manhã no estoque da loja dobrando, arrumando e contabilizando peças de roupas junto de outros atendentes. E disse também que isso ocorria com frequência, desde que ela tinha entrado lá. Provavelmente então, todos os dias.
ResponderExcluirNo caso da Magazine Luiza, a empresa foi condenada pela imposição de jornadas de trabalho com extrapolação do limite máximo previsto, bem como trabalho aos domingos, SEM amparo convencional, não concessão do descanso semanal remunerado e dos intervalos inter e intrajornadas, além de registro irregular da jornada.
E curioso é que da mesma forma como ocorria nessa loja em que minha amiga trabalhou, seria em vão tentar recorrer a um processo judicial contra essas empresas; suplicando para que sejam atendidos os direitos do trabalhador. Minha amiga até ameaçou processar a loja em que trabalhou, no entanto, quando ela chegava para trabalhar, a própria loja a induzia a não bater ponto, ou seja, por mais que ela desse sua cara à tapa de quem teve sua carga horária de trabalho extrapolada, ela continuaria batendo na mesma tecla sem conseguir alcançar um final satisfatório. O que as grandes (e também as pequenas) empresas fazem é esboroar seus contratados, o que, sinceramente, é uma pena, pois se nem mesmo elas respeitam suas próprias leis, quem há de respeitar?
Achei interessante o texto pois nos faz refletir sobre as grandes corporações e as jornadas de trabalho. As vezes ficamos presos em achar que trabalhos escravos acontecem apenas em lojinhas pequenas em que os comerciantes tentam lucrar a qualquer custo. Conheci pessoas que chegavam a trabalhar 10 horas diárias sem contar com a hora do almoço e que era do tipo faz tudo na empresa, o que é totalmente contra aos direitos do trabalhador. Mas percebemos que este estilo de liderança vai além de pequenas lojinhas. É revoltante que grandes corporações tenham este tipo de atitude. Temos sempre que nos depararmos com estas informações denunciar para que o trabalho escravo fique apenas na história e não como algo dos dias atuais
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