segunda-feira, 12 de setembro de 2016

EVASÃO ESCOLAR
 Entre os graves problemas na educação no Brasil, talvez se destaque como o mais dramático, o da evasão. É o caso de crianças expelidas por um ambiente hostil a ponto de rejeitá-las. Ou de um entorno que as suga com tal força que não lhes restam alternativas.


EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 14 de maio de 2016
Paulo Márcio de Mello*

O pavio da evasão escolar está aceso. Aqui e nos EUA.

      Entre os graves problemas na educação no Brasil, talvez se destaque como o mais dramático, o da evasão. É o caso de crianças expelidas por um ambiente hostil a ponto de rejeitá-las. Ou de um entorno que as suga com tal força que não lhes restam alternativas. Crianças e jovens que, por motivos acumulados, de natureza econômica, social ou projeto político, não têm acesso, sucesso nem permanência na escola. A evasão é o ponto final da esperança na educação.
       Dados apresentados pela Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE; brasilemsinteseibge.gov.br/edu.html) indicam que, no período 2007/2011, houve até uma melhora no indicador da evasão, insuficiente para ser aceitável, porém.
      Partindo de uma taxa total de abandono escolar brasileira, de 13,2%, em 2007, passando por 12,6%, em 2008 e 11,5%, em 2009, chegamos a 2010, com a taxa de 10,3%, Se olharmos lá dentro das taxas de evasão, entenderemos onde estão os vetores deste fracasso nacional.
      Cerca de 45% das crianças com até três anos de idade, originárias das famílias localizadas no topo da pirâmide, os 10% mais ricos, frequentam creches. Entre as famílias na base da pirâmide, os 10% mais pobres, o acesso à creche situou-se em torno de apenas 12%.
      A distância entre estas crianças também aumentou. Entre 2001 e 2011, na proporção entre as que frequentaram creches, observou-se um crescimento de 14 pontos percentuais entre os 10% mais ricos, enquanto entre as crianças situadas nos 10% mais pobres, o crescimento foi menor, de 6 pontos percentuais.
      Outro aspecto importante está retratado no artigo "Fracasso Escolar e Desigualdade do Ensino Fundamental", realizado pela pesquisadora Paula Louzano e publicado no relatório "De Olho nas Metas de 2012", lançado pelo movimento Todos pela Educação, com base no questionário da Prova Brasil 2011, respondido por 2,3 milhões de alunos do 5º ano, em âmbito nacional. O artigo conclui que, quando os estudantes chegam ao 6º ano do ensino fundamental, 7% dos alunos brancos têm mais de dois anos de atraso escolar. Entre os negros, no entanto, o indicador de atraso escolar chega a 14%.
      Em relação aos casos de reprovação ou abandono, um terço das crianças já havia experimentado a situação de insucesso na escola. Destes, 43% se autodeclaram pretos, 34% pardos e 27% brancos. Observados os resultados regionais, verifica-se que na região Sudeste, a que apresenta os menores índices nacionais de reprovação ou abandono, o insucesso escolar atingiu 36% dos alunos pretos, 27% dos pardos e de 22% dos brancos.
       A diferença de gêneros também pondera os resultados. Os menores índices de fracasso na escola (ou da escola...), observados na região Sudeste, para meninos pretos é de 42,3% e para meninas pretas é 29.8%. Entre meninos brancos, o percentual dos que não obtiveram sucesso é de 26,5%, enquanto entre as meninas brancas é de 17,3%.
      No Nordeste, estudantes do sexo masculino, autodeclarados pretos, têm 59% de chances de serem flagelados pelo fracasso escolar. No Norte, o índice é de 59,3%. A expectativa de uma menina, autodeclarada preta, fracassar na região Nordeste é 45,5% e de 45,8%, na região Norte.
      Entre os alunos, autodeclarados brancos, observou-se o índice de 50,9% de insucesso na região Nordeste e de 52,2%, na região Norte. Entre as meninas, os índices são de 37,5% na região Nordeste e de 38,8% na região Norte.
      Na contramão dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), aumentou a escassez de recursos para que os países de baixa renda universalizem o ensino básico, nos últimos três anos, conforme números do relatório "Tornar a Educação Acessível até 2015 e no Período Posterior" (Making Education for All Affordable by 2015 and Beyond), apresentado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
      Dos necessários US$ 53 bilhões anuais para universalizar o ensino fundamental, apenas metade foi investida, acarretando um déficit de cerca de US$ 26 bilhões anuais. Se o ensino médio for incluído na conta, a necessidade de recursos passa para US$ 77 bilhões anuais, elevando o déficit para US$ 38 bilhões anuais.
      O movimento Occupy Wall Street (OWS), nas críticas que dirige ao modo capitalista de produção e consumo, cunhou um lema que se difundiu pelas redes sociais: "We are the 99%". O lema expressa a intolerância de 99% da população diante da ganância e da corrupção do 1% mais rico.
       O movimento mantém uma agenda extensa de eventos (http://occupywallst.org) e tem no sistema financeiro um dos seus focos. Transformou a expressão "too big to fail" (traduzida livremente por "grandes demais para falir"), muito repetida após a crise deflagrada em 2008, para justificar liminarmente o apoio financeiro governamental aos grandes bancos. Pela impunidade com que a gestão irresponsável no setor financeiro foi presenteada, além dos fabulosos bônus que seus dirigentes continuam a receber, a expressão foi reescrita pelo movimento como "too big to jail" ("grandes demais para irem para a cadeia").
       Nova Iorque revela hoje os valores das suas principais personagens através de algumas campanhas de comunicação.  Na Wall Street, núcleo dinâmico do capitalismo financeiro combatido pelo movimento OWS, podem ser vistos avisos na forma de galhardetes ("banners"), colocados pela soberba da empresa Bizantium Insurance International: "Não somos para qualquer um. Só para o 1% que tem importância". A empresa chega a oferecer um teste para que o possível cliente veja se faz parte do 1% mais privilegiado mesmo. A região da Wall Street exibe diversas outras bizarrices, atribuindo-se a denominação de "capital financeira do mundo". De qual mundo, não especifica.
       Próximo dali, na forma de denúncia, pontos de ônibus exibem um cartaz em que a organização BoostUp alerta para deficiências severas do sistema de ensino, com a afirmação de que, diariamente, dois campos de futebol poderiam ser preenchidos com as carteiras escolares deixadas vazias pelos alunos que se evadem da escola, coladinhas umas às outras.
       Em um endereço eletrônico bem elaborado (www.boostup.org), oferece estatísticas sobre a evasão escolar. Nos EUA, a taxa anual de evasão alcança 22%, sendo de 16% entre descendentes de asiáticos, 17% entre brancos, 21% entre descendentes de hispânicos, 32% entre negros e de 33% entre índios. Apresentados por estados, fortes discrepâncias podem ser constatadas. Verifica-se, por exemplo, que muito acima da média nacional, encontra-se o Distrito de Colúmbia, onde está localizada a capital Washington, com a taxa anual de 41% de evasão escolar. Entre negros e hispânicos, chega a 42% e 45%, respectivamente. Lá também o pavio foi aceso.
       Algumas iniciativas desenvolvidas para mitigar o problema, no cenário de um país tido como desenvolvido, são realizadas pela Pencil (pencil.org), criada em 1995, para canalizar a oferta voluntária de pessoas, que disponibilizam seus conhecimentos para melhorar a qualidade da escola pública. Vale-se, para tanto, de dois programas. Um deles (Partnership program) é, basicamente, uma iniciativa que coloca à disposição das escolas conhecimentos de planejamento estratégico, de gestão de organizações e marketing, através de voluntários originários do setor empresarial privado. Parte de uma controvertida suposição implícita, da superioridade e universalidade dos métodos empresariais de gestão.
       O outro programa adotado pela Pencil (Fellows program) é uma iniciativa que, nos últimos cinco anos, proporcionou a 600 estudantes do ensino médio, atividades de treinamento profissionalizante em empresas líderes nos seus setores, durante seis semanas, com o oferecimento de uma bolsa auxílio. Como indicador do sucesso do programa, a Pencil dá ênfase à baixa evasão.
       Outra iniciativa foi implantada pela Values, The Foundation for a Better Life (www.values.com). A fundação realiza um trabalho de difusão de valores morais, tidos como adequados. Um dos rostos mais notados nas peças publicitárias é o da bilionária apresentadora Oprah Winfrey. A Values proclama que os valores que busca difundir são "universais" e que "são os que fazem a diferença", além de tornarem-se mais fortes, quando compartilhados.
       Entre 27 valores que relaciona como próprios, constam Humildade, Ambição, Misericórdia, Tolerância, Responsabilidade, Força, Liderança, Trabalho em Equipe e Boas Maneiras. Uma das versões de cartazes espalhados pela cidade apresenta a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, com a inscrição "Sorria". Em volta, não se vê mais do que 1% das pessoas sorrindo. Sorrirão 99% um dia?

*Paulo Márcio de Mello
paulomm@paulomm.pro.br

Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

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