terça-feira, 6 de setembro de 2016

Políticas de sustentabilidade e de responsabilidade social têm na formação de cartéis um importante obstáculo, aplicando golpes sucedidos de golpes na população.

Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira, 2 de agosto de 2016
Paulo Márcio de Mello*

Cartéis contra a democracia

Políticas de sustentabilidade e de responsabilidade social têm na formação de cartéis um importante obstáculo, aplicando golpes sucedidos de golpes na população. Não se trata de atribuir ao mercado uma capacidade mágica de que ele não dispõe: de aumentar o acesso das pessoas à cesta de bens de que elas necessitam, através da regulação dos preços pela concorrência e que pelos golpes aplicados pelos cartéis seriam por eles obstadas nos seus interesses de consumo.

Refiro-me aqui ao fato de iludirem os cidadãos de forma mais nociva, por exemplo, quanto à qualidade dos bens e de falsa capacidade de proporcionarem os benefícios que anunciam ou de sonegar informações quanto aos malefícios que podem produzir.

Casos de “batismo” de combustíveis, de poder de cura ou de remediação de moléstias por medicamentos etc. Isto só é possível em ambientes de mercados cartelizados, sejam eles oligopolizados ou não. No setor de prestação de serviços a questão é mais sensível, pois trata-se de um setor em que são mais difíceis as correções substitutivas por importações.

No Brasil, há alguns órgãos públicos dedicados ao combate aos cartéis, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Nesta semana mesmo, o Cade homologou seis acordos de cessação em investigações de condutas anticoncorrenciais. Três deles foram aprovados por unanimidade, e outros três, por maioria dos votos dos conselheiros. Ao todo, espera-se a apuração de cerca de R$ 3,6 milhões ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

Cinco dos termos foram negociados no âmbito da Superintendência-Geral do Cade, responsável pela instrução dos processos administrativos. Já o acordo assinado com a editora Ediouro foi negociado pelo gabinete do conselheiro Paulo Burnier. Os processos estão suspensos, por enquanto.

No caso da Ediouro, o processo investiga infração à ordem econômica, por impedimento da constituição e desenvolvimento de concorrentes no mercado de revistas de passatempo no Brasil, pela prática de abuso de direito de petição (sham litigation), acordos judiciais de não concorrência e tentativas de dificultar o acesso de concorrentes aos meios de distribuição. Não é pouca coisa.

Pelo acordo ajustado, a empresa se compromete a cessar as práticas apuradas, além de adotar medidas para que os procedimentos ilícitos não voltem a acontecer. Obriga-se também a recolher ao Fundo contribuição no valor de cerca de R$ 1,7 milhão.

Em outro episódio, duas pessoas físicas (a tentação de cartelizar não é exclusiva das empresas. Fazem-no pessoas físicas, partidos políticos etc) firmaram acordo com o Cade, em processo que investiga cartel no mercado de comercialização de produtos destinados à transmissão e distribuição de energia elétrica, no sistema elétrico de potência. O processo foi instaurado em virtude de novas evidências do suposto cartel que teriam sido praticadas por pessoas físicas e jurídicas que não integram o polo passivo de outro processo administrativo, que também investiga a conduta.

Além de terem reconhecido participação na conduta ilícita, os acusados comprometeram-se a contribuir com as investigações desenvolvidas pelo Cade e a recolher, no total, R$ 120 mil ao fundo.

Já a empresa Schaeffler Friction Products Gmbh, sucessora da representada Raybestos, comprometeu-se a pagar cerca de R$ 699 mil como contribuição pecuniária, através de acordo no processo que apura suposto cartel no mercado de comercialização de revestimentos de embreagens, também conhecidos como materiais de fricção. Pelo acordo, a signatária também reconheceu sua participação na conduta ilícita e se comprometeu a colaborar com a investigação.

Outros três acordos no âmbito do processo que apura suposto cartel no mercado de comercialização de capacitores eletrolíticos e de filmes foram assinados. Os acordos envolvem as empresas Rubycon Corporation, Hitachi AIC Inc., NEC Tokin Corporation, mais dois executivos ligados a essa última. Os signatários reconheceram participação na conduta investigada e se comprometeram a contribuir com as investigações desenvolvidas pelo Cade. Além disso, recolherão cerca de R$ 1,1 milhão, em contribuições em moeda.

Resta ver se as contribuições ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos serão efetivamente pagas e se a prática não é da índole determinista destas empresas e empresários, como tubarões indomesticáveis, permanentemente prontos a atacar as suas presas.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do estado do Rio de Janeiro (Uerj).
paulomm@paulomm.pro.br


Com informações da Assessoria de Imprensa do Cade e da Revista Consultor Jurídico, de 29 de julho de 2016.

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