Políticas de sustentabilidade e de responsabilidade social têm na
formação de cartéis um importante obstáculo, aplicando golpes sucedidos de
golpes na população.
Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Quarta-feira,
2 de agosto de 2016
Paulo
Márcio de Mello*
Cartéis
contra a democracia
Políticas de sustentabilidade e de responsabilidade social têm na
formação de cartéis um importante obstáculo, aplicando golpes sucedidos de
golpes na população. Não se trata de atribuir ao mercado uma capacidade mágica
de que ele não dispõe: de aumentar o acesso das pessoas à cesta de bens de que
elas necessitam, através da regulação dos preços pela concorrência e que pelos
golpes aplicados pelos cartéis seriam por eles obstadas nos seus interesses de
consumo.
Refiro-me aqui ao fato de iludirem os cidadãos de forma mais nociva, por
exemplo, quanto à qualidade dos bens e de falsa capacidade de proporcionarem os
benefícios que anunciam ou de sonegar informações quanto aos malefícios que
podem produzir.
Casos de “batismo” de combustíveis, de poder de cura ou de remediação de
moléstias por medicamentos etc. Isto só é possível em ambientes de mercados
cartelizados, sejam eles oligopolizados ou não. No setor de prestação de
serviços a questão é mais sensível, pois trata-se de um setor em que são mais
difíceis as correções substitutivas por importações.
No Brasil, há alguns órgãos públicos dedicados ao combate aos cartéis,
como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Nesta semana mesmo,
o Cade homologou seis acordos de cessação em investigações de condutas
anticoncorrenciais. Três deles foram aprovados por unanimidade, e outros três,
por maioria dos votos dos conselheiros. Ao todo, espera-se a apuração de cerca
de R$ 3,6 milhões ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
Cinco dos termos foram negociados no âmbito da Superintendência-Geral do
Cade, responsável pela instrução dos processos administrativos. Já o acordo
assinado com a editora Ediouro foi negociado pelo gabinete do conselheiro Paulo
Burnier. Os processos estão suspensos, por enquanto.
No caso da Ediouro, o processo investiga infração à ordem econômica, por
impedimento da constituição e desenvolvimento de concorrentes no mercado de
revistas de passatempo no Brasil, pela prática de abuso de direito de petição (sham
litigation), acordos judiciais de não concorrência e tentativas de
dificultar o acesso de concorrentes aos meios de distribuição. Não é pouca
coisa.
Pelo acordo ajustado, a empresa se compromete a cessar as práticas
apuradas, além de adotar medidas para que os procedimentos ilícitos não voltem
a acontecer. Obriga-se também a recolher ao Fundo contribuição no valor de
cerca de R$ 1,7 milhão.
Em outro episódio, duas pessoas físicas (a tentação de cartelizar não é
exclusiva das empresas. Fazem-no pessoas físicas, partidos políticos etc)
firmaram acordo com o Cade, em processo que investiga cartel no mercado de
comercialização de produtos destinados à transmissão e distribuição de energia
elétrica, no sistema elétrico de potência. O processo foi instaurado em virtude
de novas evidências do suposto cartel que teriam sido praticadas por pessoas
físicas e jurídicas que não integram o polo passivo de outro processo
administrativo, que também investiga a conduta.
Além de terem reconhecido participação na conduta ilícita, os acusados
comprometeram-se a contribuir com as investigações desenvolvidas pelo Cade e a
recolher, no total, R$ 120 mil ao fundo.
Já a empresa Schaeffler Friction Products Gmbh, sucessora da representada
Raybestos, comprometeu-se a pagar cerca de R$ 699 mil como contribuição
pecuniária, através de acordo no processo que apura suposto cartel no mercado
de comercialização de revestimentos de embreagens, também conhecidos como
materiais de fricção. Pelo acordo, a signatária também reconheceu sua
participação na conduta ilícita e se comprometeu a colaborar com a
investigação.
Outros três acordos no âmbito do processo que apura suposto cartel no
mercado de comercialização de capacitores eletrolíticos e de filmes foram
assinados. Os acordos envolvem as empresas Rubycon Corporation, Hitachi AIC
Inc., NEC Tokin Corporation, mais dois executivos ligados a essa última. Os
signatários reconheceram participação na conduta investigada e se comprometeram
a contribuir com as investigações desenvolvidas pelo Cade. Além disso,
recolherão cerca de R$ 1,1 milhão, em contribuições em moeda.
Resta ver se as contribuições ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos
serão efetivamente pagas e se a prática não é da índole determinista destas
empresas e empresários, como tubarões indomesticáveis, permanentemente prontos
a atacar as suas presas.
Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do estado do Rio de
Janeiro (Uerj).
paulomm@paulomm.pro.br
Com informações da Assessoria de Imprensa do Cade e da Revista Consultor
Jurídico, de 29 de julho de 2016.
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