Desinvestir!
de expressão do cidadão.
blog
do professor paulo márcio
economia&arte
coluna EMPRESA-CIDADÃ
por Paulo Márcio de Mello*
u Em discurso sobre o clima, recentemente
realizado na Universidade Georgetown, o presidente dos EUA propôs “convencer
quem está no poder a reduzir a poluição causada pelo carbono. Forçar nossas
comunidades a adotarem práticas mais sábias. Investir. Desinvestir. Fazer com
que as pessoas se lembrem de que não há contradição entre ambiente saudável e
crescimento econômico sólido”.
u A proposta política de desinvestir, em um
país como os EUA, em que o mercado de capitais é determinante para a
capitalização de empresas, tem um significado especialmente impactante. Grandes
transformações políticas e nas práticas empresariais concretas foram obtidas
nas últimas décadas, a partir da tomada de consciência e atuação cidadã
coerente, boicotando empresas associadas a procedimentos contrários à ética,
tanto na aquisição das mercadorias por elas comercializadas, quanto na
aquisição de ações negociadas em bolsas e aplicações de fundos de pensão.
u Assim aconteceu, a partir da segunda
metade dos anos 1960, com empresas identificadas como favorecidas por
atividades na Guerra do Vietnã, não só como produtoras de armas, mas também
como fornecedoras de uniformes, calçados e rações para uso militar. Aconteceu
também com empresas comprometidas com as práticas contrárias aos direitos
civis, discriminatórias contra os afrodescendentes, ou contra os direitos
feministas ou dos consumidores. Lutas em que se afirmaram lideranças exemplares
que, até hoje, influenciam a sociedade, a exemplo de Martin Luther King Jr,
Betty Friedan e Ralph Nader.
u Mais recentemente, nos anos 1980, na luta
contra o Apartheid, movimento análogo pressionou empresas norte-americanas que
transacionavam com empresas sul-africanas, boicotando-as, no sentido de
combater o regime discriminatório. O atual presidente dos EUA deu os primeiros
passos na prática política, no âmbito deste movimento, ainda como aluno do
Occidental College, quando procurava convencer fundos de investimento a recusar
aplicações em empresas que negociavam com o regime da África do Sul de então. E
não se esqueceu.
u Importante avaliar as repercussões que a
proposta política de desinvestir podem acarretar em diferentes países, nesta
era da comunicação instantânea e da prevalência das mídias sociais. Haja vista
a frequência com que são vistas as máscaras de Guy Fawkes, personagem símbolo
de luta contra governos totalitários, como figura no romance gráfico V for Vendetta, de Alan Moore e David
Lloyd. É o emblema dos Anonymous. É oportuno lembrar-se também das táticas de
mobilização empregadas pelo movimento Occupy Wall Street, que completou três
anos de atividades, em setembro passado, adotadas por muitos movimentos
populares, inclusive no Brasil.
u Atualmente, o grupo de ativistas conhecido
como 350.org sustentam o movimento Fossil Free (http://gofossilfree.org), ativo desde
2012, onde se destaca a liderança de Bill McKibben. Enraizado em mais de
trezentos campi estudantis, entidades religiosas, clubes de serviços e
lideranças locais, este movimento já conseguiu atrair algumas dezenas de
prefeituras, com propostas semelhantes de políticas públicas.
u A denominação é uma menção ao nível de 350
partes por milhão (ppm) de carbono a que se deve chegar para a segurança da
Humanidade. Entre as propostas do 350.org,
consta a de levar as pessoas a refletir sobre a queima irrestrita de
combustíveis fósseis.
u Um dos focos do trabalho do grupo é
representado por universidades e colégios, mesmo sabendo-se que aquelas com
orçamentos de mais de US$ 1 bilhão resistirão ao engajamento. Drew Faust,
reitor da Harvard Corporation, já anunciou que não comprometerá seu orçamento,
deixando de receber doações de mantenedores interessados na utilização de combustíveis
de origem fóssil. Esta é, no entanto, uma esperada resistência a ser superada.
u Entre as grandes corporações, uma relação
das duzentas maiores, em potencial de emissão de carbono, com base nas reservas
de petróleo, gás e carvão, é liderada pela Severstal JSC, seguida por Lukoil
Holdings, Exxon Mobil Corp, BP PLC, Gazprom OAO, Chevron Corp, ConocoPhillips,
Total SA, Anglo American PLC e Royal Dutch Shell PLC. A Petrobras consta na
décima-quarta colocação.
u Resistências conhecidas são sentidas também
em segmentos da sociedade, como a da Federação de Universitários Republicanos,
do estado de Wisconsin, que classifica a política ambiental do governo de ser
uma “política-babá”, requentando o argumento de que poderia prejudicar a
economia norte-americana e eliminar empregos.
u Com dificuldades nas relações partidárias
com o Congresso, o presidente dos EUA transfere, do mercado e do sistema de
preços, para a mobilização popular, o fórum que sinaliza quais mercadorias
devem ser produzidas e como. Das ruas, espera as manifestações que levam às
melhores decisões.
*Paulo Márcio de Mello
Professor
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são
apresentados casos de empreendedores e
empresas,
pesquisas, resenhas, editais
ou agenda, relativos à
responsabilidade social, à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável.
"Desinvestir", ao meu ver, é o melhor investimento que se pode fazer hoje. Esquece-se, o empresário ambicioso, que, diferentemente de sua ganância, a natureza e o proletário têm limites... Limites esses que, quando ultrapassados, geram fortíssimas reações. "Desinvestir" na obtenção de lucro desenfreada é a melhor maneira de investir na recuperação da saúde do planeta, em condições de vida mais humanas, relações interpessoais salutares e numa conscientização coletiva de sociedade.
ResponderExcluirEspero que as manifestações tomem, de fato, melhores decisões!
Com base no discurso do presidente dos EUA, pode ser que, a população mundial, comece de fato, ampliar sua visão a questões mais importantes que apenas o mérito do lucro, e que a ganância exacerbada que temos, finalmente possa ser extinta por um mundo mais sustentável.
ResponderExcluirEspero que essa onda de manifestações possa continuar permitindo à sociedade grandes progressos.
Eu achei muito interessante o ideal da política de desinvestir. Pois ela quer demonstrar que a sustentabilidade não é contraditória a politica econômica, q ambas precisam funcionar de acordo, juntas, para que assim tenhamos um mundo onde nossas gerações futuras possam viver. Acredito q o "desinvestir" nessas grandes corporações, que tem o seu potencial de emissão de carbono em alta seja um ponto positivo. Pq isso acarretará numa mudança , que vai beneficiar o nosso meio ambiente e não afetará de maneira nenhuma a economia.
ResponderExcluirTodas as lutas e transformações a favor do ambiente, dos direitos e de uma melhor sociedade alcançadas pela proposta de desinvestir mostram a sua importância em um cenário mundial de valorização do lucro em detrimento de outras questões. Quando o presidente dos EUA propõe em seu discurso “Fazer com que as pessoas se lembrem de que não há contradição entre ambiente saudável e crescimento econômico sólido”, retrata bem a ideia de que para alcançar o crescimento econômico não é preciso abandonar questões como a ética, os direitos e a preservação ambiental e que, portanto, não só podemos como devemos utilizar a proposta de desinvestir como uma medida para conseguir transformações políticas, econômicas e sociais.
ResponderExcluirAluna: Gabriella da Costa Cunha
Precisamos nos desacostumar com essa ideia de que sem agredir o meio ambiente não alcançaremos o lucro, precisamos desinvestir nessa ideia. Precisamos entender a coisa mais lógica que existe: sem meio ambiente não existe lucro, não existe economia. Se hoje buscamos a obtenção do lucro descontroladamente às custas do ambiente, amanhã sofreremos as consequências. Hoje temos competência, conhecimento e máquinas necessárias para avançarmos em termos políticos, econômicos e ecológicos. É preciso investir em outras técnicas menos agressivas. A questão não se trata de parar de emitir carbono, mas de reduzir a poluição. Assim, além de garantirmos um futuro sustentável, veremos que é possível obtermos lucro sem alterar muito a economia.
ResponderExcluirAna Luísa Erthal
O ideal da política de "desinvestir" é bastante interessante, talvez apresente parcela (mesmo que irrelevante) de utopia mas, mesmo assim, é de extrema necessidade. Afinal, a ideia de sustentabilidade há de aliar-se urgentemente à política e não a repelir. A atitude de "desinvestir" tem potencial e dos grandes. Até porque, o futuro do planeta e de quem o habita é muito mais importante - e urgente - do que qualquer lucro; é possível, sim, construir condições de vida menos desumanas mas é preciso que se comece pra ontem.
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