quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Desinvestir!
                                                       
 O desinvestimento pode ser uma poderosa forma
de expressão do cidadão.
 
blog do professor paulo márcio
economia&arte
 Quarta-feira, 16 de outubro de 2013
coluna EMPRESA-CIDADÃ
por Paulo Márcio de Mello*
 
u      Em discurso sobre o clima, recentemente realizado na Universidade Georgetown, o presidente dos EUA propôs “convencer quem está no poder a reduzir a poluição causada pelo carbono. Forçar nossas comunidades a adotarem práticas mais sábias. Investir. Desinvestir. Fazer com que as pessoas se lembrem de que não há contradição entre ambiente saudável e crescimento econômico sólido”.
 
u      A proposta política de desinvestir, em um país como os EUA, em que o mercado de capitais é determinante para a capitalização de empresas, tem um significado especialmente impactante. Grandes transformações políticas e nas práticas empresariais concretas foram obtidas nas últimas décadas, a partir da tomada de consciência e atuação cidadã coerente, boicotando empresas associadas a procedimentos contrários à ética, tanto na aquisição das mercadorias por elas comercializadas, quanto na aquisição de ações negociadas em bolsas e aplicações de fundos de pensão.
 
u      Assim aconteceu, a partir da segunda metade dos anos 1960, com empresas identificadas como favorecidas por atividades na Guerra do Vietnã, não só como produtoras de armas, mas também como fornecedoras de uniformes, calçados e rações para uso militar. Aconteceu também com empresas comprometidas com as práticas contrárias aos direitos civis, discriminatórias contra os afrodescendentes, ou contra os direitos feministas ou dos consumidores. Lutas em que se afirmaram lideranças exemplares que, até hoje, influenciam a sociedade, a exemplo de Martin Luther King Jr, Betty Friedan e Ralph Nader.
 
u      Mais recentemente, nos anos 1980, na luta contra o Apartheid, movimento análogo pressionou empresas norte-americanas que transacionavam com empresas sul-africanas, boicotando-as, no sentido de combater o regime discriminatório. O atual presidente dos EUA deu os primeiros passos na prática política, no âmbito deste movimento, ainda como aluno do Occidental College, quando procurava convencer fundos de investimento a recusar aplicações em empresas que negociavam com o regime da África do Sul de então. E não se esqueceu.
 
u      Importante avaliar as repercussões que a proposta política de desinvestir podem acarretar em diferentes países, nesta era da comunicação instantânea e da prevalência das mídias sociais. Haja vista a frequência com que são vistas as máscaras de Guy Fawkes, personagem símbolo de luta contra governos totalitários, como figura no romance gráfico V for Vendetta, de Alan Moore e David Lloyd. É o emblema dos Anonymous. É oportuno lembrar-se também das táticas de mobilização empregadas pelo movimento Occupy Wall Street, que completou três anos de atividades, em setembro passado, adotadas por muitos movimentos populares, inclusive no Brasil.
 
u      Atualmente, o grupo de ativistas conhecido como 350.org sustentam o movimento Fossil Free (http://gofossilfree.org), ativo desde 2012, onde se destaca a liderança de Bill McKibben. Enraizado em mais de trezentos campi estudantis, entidades religiosas, clubes de serviços e lideranças locais, este movimento já conseguiu atrair algumas dezenas de prefeituras, com propostas semelhantes de políticas públicas.
 
u      A denominação é uma menção ao nível de 350 partes por milhão (ppm) de carbono a que se deve chegar para a segurança da Humanidade. Entre as propostas do 350.org, consta a de levar as pessoas a refletir sobre a queima irrestrita de combustíveis fósseis.
 
u      Um dos focos do trabalho do grupo é representado por universidades e colégios, mesmo sabendo-se que aquelas com orçamentos de mais de US$ 1 bilhão resistirão ao engajamento. Drew Faust, reitor da Harvard Corporation, já anunciou que não comprometerá seu orçamento, deixando de receber doações de mantenedores interessados na utilização de combustíveis de origem fóssil. Esta é, no entanto, uma esperada resistência a ser superada.
 
u      Entre as grandes corporações, uma relação das duzentas maiores, em potencial de emissão de carbono, com base nas reservas de petróleo, gás e carvão, é liderada pela Severstal JSC, seguida por Lukoil Holdings, Exxon Mobil Corp, BP PLC, Gazprom OAO, Chevron Corp, ConocoPhillips, Total SA, Anglo American PLC e Royal Dutch Shell PLC. A Petrobras consta na décima-quarta colocação.
 
u      Resistências conhecidas são sentidas também em segmentos da sociedade, como a da Federação de Universitários Republicanos, do estado de Wisconsin, que classifica a política ambiental do governo de ser uma “política-babá”, requentando o argumento de que poderia prejudicar a economia norte-americana e eliminar empregos.
 
u      Com dificuldades nas relações partidárias com o Congresso, o presidente dos EUA transfere, do mercado e do sistema de preços, para a mobilização popular, o fórum que sinaliza quais mercadorias devem ser produzidas e como. Das ruas, espera as manifestações que levam às melhores decisões.
 
*Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
 
A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados casos de empreendedores e empresas,
pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à responsabilidade social, à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável.


6 comentários:

  1. "Desinvestir", ao meu ver, é o melhor investimento que se pode fazer hoje. Esquece-se, o empresário ambicioso, que, diferentemente de sua ganância, a natureza e o proletário têm limites... Limites esses que, quando ultrapassados, geram fortíssimas reações. "Desinvestir" na obtenção de lucro desenfreada é a melhor maneira de investir na recuperação da saúde do planeta, em condições de vida mais humanas, relações interpessoais salutares e numa conscientização coletiva de sociedade.
    Espero que as manifestações tomem, de fato, melhores decisões!

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  2. Com base no discurso do presidente dos EUA, pode ser que, a população mundial, comece de fato, ampliar sua visão a questões mais importantes que apenas o mérito do lucro, e que a ganância exacerbada que temos, finalmente possa ser extinta por um mundo mais sustentável.
    Espero que essa onda de manifestações possa continuar permitindo à sociedade grandes progressos.

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  3. Priscila Santos da Silva27 de novembro de 2013 às 08:05

    Eu achei muito interessante o ideal da política de desinvestir. Pois ela quer demonstrar que a sustentabilidade não é contraditória a politica econômica, q ambas precisam funcionar de acordo, juntas, para que assim tenhamos um mundo onde nossas gerações futuras possam viver. Acredito q o "desinvestir" nessas grandes corporações, que tem o seu potencial de emissão de carbono em alta seja um ponto positivo. Pq isso acarretará numa mudança , que vai beneficiar o nosso meio ambiente e não afetará de maneira nenhuma a economia.

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  4. Todas as lutas e transformações a favor do ambiente, dos direitos e de uma melhor sociedade alcançadas pela proposta de desinvestir mostram a sua importância em um cenário mundial de valorização do lucro em detrimento de outras questões. Quando o presidente dos EUA propõe em seu discurso “Fazer com que as pessoas se lembrem de que não há contradição entre ambiente saudável e crescimento econômico sólido”, retrata bem a ideia de que para alcançar o crescimento econômico não é preciso abandonar questões como a ética, os direitos e a preservação ambiental e que, portanto, não só podemos como devemos utilizar a proposta de desinvestir como uma medida para conseguir transformações políticas, econômicas e sociais.
    Aluna: Gabriella da Costa Cunha

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  5. Precisamos nos desacostumar com essa ideia de que sem agredir o meio ambiente não alcançaremos o lucro, precisamos desinvestir nessa ideia. Precisamos entender a coisa mais lógica que existe: sem meio ambiente não existe lucro, não existe economia. Se hoje buscamos a obtenção do lucro descontroladamente às custas do ambiente, amanhã sofreremos as consequências. Hoje temos competência, conhecimento e máquinas necessárias para avançarmos em termos políticos, econômicos e ecológicos. É preciso investir em outras técnicas menos agressivas. A questão não se trata de parar de emitir carbono, mas de reduzir a poluição. Assim, além de garantirmos um futuro sustentável, veremos que é possível obtermos lucro sem alterar muito a economia.

    Ana Luísa Erthal

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  6. O ideal da política de "desinvestir" é bastante interessante, talvez apresente parcela (mesmo que irrelevante) de utopia mas, mesmo assim, é de extrema necessidade. Afinal, a ideia de sustentabilidade há de aliar-se urgentemente à política e não a repelir. A atitude de "desinvestir" tem potencial e dos grandes. Até porque, o futuro do planeta e de quem o habita é muito mais importante - e urgente - do que qualquer lucro; é possível, sim, construir condições de vida menos desumanas mas é preciso que se comece pra ontem.

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