sábado, 1 de novembro de 2014

Fé e lucro
                                                             
Duas empresas levaram a Suprema Corte dos EUA a decisões que poderão acarretar mudanças radicais nos procedimentos das empresas comerciais norte americanas com fins lucrativos.


blog do professor paulo márcio
economia&arte

Quarta-feira, 2 de julho de 2014
Coluna EMPRESA-CIDADÃ
Paulo Márcio de Mello*


u      A Hobby Lobby é uma rede de 600 lojas de trabalhos artesanais, criada em Oklahoma (EUA), em 1972, distribuída por 47 dos 50 estados norte americanos, com faturamento anual de US$ 3 bilhões. Nas lojas ouve-se música evangélica, não abrem aos domingos, e 10% do lucro é doado para obras de caridade. Seu presidente, Steve Green, criou um museu da Bíblia em 2007, em Washington, que abriga uma coleção de textos religiosos.

u      A Conestoga Wood Specialties, criada pelos irmãos Norman e Sam Hahn, em Lancaster County, Pennsylvania, produz artefatos e utilidades de madeira. Os irmãos foram então desafiados por uma empresa de construção civil a instalar uma cozinha em um dia. Aceitaram e excederam o desafio, tornando-se, em troca, fornecedores exclusivos da empresa desafiante e, com o tempo, os líderes mundiais em gabinetes personalizados.

u      Estas empresas levaram a Suprema Corte dos EUA a uma decisão emblemática, que poderá acarretar mudanças radicais nos procedimentos das empresas comerciais com fins lucrativos norte americanas, arguindo uma disposição do Patient Protection and Affordable Care Act (PPACA), frequentemente chamado de Affordable Care Act (ACA), ou “Obamacare”, o estatuto legal de 23 de março de 2010 que, junto ao Health Care and Education Reconciliation Act, representa o mais amplo programa do sistema de atenção à saúde do país.

u      Em 30 de junho, a Suprema Corte, por 5 votos a 4, decidiu que as corporações demandadas pelas famílias de trabalhadores por cobertura de meios contraceptivos, conforme dispõe o ACA (ou “Obamacare”) estão desobrigadas de atende-las. Entendeu a Suprema Corte que o disposto nesta lei viola outra lei federal, de proteção à liberdade religiosa.

u      A juíza Ruth Bader Ginsburg, contrária à decisão final da Corte, criticou a decisão como um retrocesso radical nos direitos corporativos, pois poderá ser aplicada por qualquer corporação em incontáveis situações. Já o juiz relator, Samuel A. Alito Jr., argumentou que acatou a arguição por que o interesse do governo em assegurar que todas as mulheres tenham acesso aos meios contraceptivos pode ser alcançado por outros meios, sem violar os “direitos religiosos das empresas”.

u      Estes dois casos, denominados Burwell v. Hobby Lobby Stores (No. 13-354) e Conestoga Wood Specialties v. Burwell (No 13-356), deverão se desdobrar em polêmicas sobre o papel das empresas com fins lucrativos. Ambas desafiaram o ACA com base no Religious Freedom Restoration , de 1993, que se refere à liberdade religiosa.

u      O juiz Samuel A. Alito Jr. afirmou que as empresas com fins lucrativos também têm motivos religiosos para prover saúde, mas sem coloca-las em posição de desvantagem junto à concorrência. Ele explicou por que as corporações, algumas vezes, devem ser defendidas como se fossem pessoas. Segundo ele, uma corporação é simplesmente uma forma de organização usada por seres humanos para atingir fins desejados. Quando os direitos, sejam constitucionais ou legais, são estendidos às corporações, o propósito é o de zelar pelos direitos destas pessoas.

u      A juíza Ruth Bader Ginsburg citou pesquisa realizada pelo Instituto Guttmacher, segundo o qual, muitas mulheres não podem assumir os meios mais efetivos de controle da natalidade e que o questionamento ao ACA vai acentuar os casos de gravidez indesejada e de abortos. Concluiu a juíza que a natureza das empresas com fins lucrativos faz a diferença. Ela criticou a Corte, argumentando ter ela esquecido-se de que as corporações existem para servir à comunidade dos que têm fé. Corporações com fins de lucro não preenchem esta missão.

u      O governo federal argumenta que planos de saúde que incluem facilidades contraceptivas, além de promoverem a saúde pública, asseguram a igualdade de acesso das mulheres aos serviços de saúde.

u      Quando a Holly Dolly, em 2012, anunciou seu plano de contestar as exigências contraceptivas contidas no ACA, seu fundador, David Green, disse que “nós não poderíamos abandonar nossas crenças religiosas para acompanhar este governo”. Já o juiz Samuel A. Alito Jr., em seu relatório, disse que a Holly Dolly poderia enfrentar multas anuais de US$475 milhões, se deixasse de cumprir o ACA.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

A coluna EMPRESA-CIDADÃ é publicada, desde 2001, toda quarta-feira,
no centenário jornal Monitor Mercantil (www.monitormercantil.com.br).
Através dela, são apresentados casos de empreendedores e empresas,

pesquisas, resenhas, editais ou agenda, relativos à responsabilidade social, à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável.

Um comentário:

  1. O conflito entre representantes de setores religiosos e a legislação parece ser comum nas democracias ocidentais. Neste caso, uma organização com fins lucrativos, com a justificativa de que a lei americana contraria seus princípios cristãos, pretende negar o direito a planos de saúde que incluam métodos contraceptivos aos seus colaboradores, no entanto este já é um direito conquistado pelo cidadão americano.
    O direito à liberdade religiosa não deve ser usado como desculpa para impor a toda a sociedade os valores de determinado grupo. Portanto, uma organização que segue princípios de alguma crença/religião não deve obrigar os colaboradores a segui-los também. A empresa tem o direito de se posicionar contrária ou a favorável a uma lei, segundo seus valores, mas tem o dever de cumpri-la como todos os outros membros da sociedade.

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